O Observatório Mauna Loa, instalado no topo de um
vulcão no Havaí, registrou no dia 9 de maio que a concentração de gás carbônico
na atmosfera, nas últimas 24 horas, havia sido de 400 partes por milhão. Foi o
maior valor diário alcançado desde os anos 50, quando o governo americano
iniciou as medições sistemáticas da concentração do gás. Naquela ocasião, o
índice era de 314 partes por milhão.
O s cientistas são capazes de inferir, com maior
margem de erro, a composição da atmosfera do passado do planeta. O cálculo é
feito com base na análise de bolhas de ar aprisionadas no gelo antártico. Por
isso, eles afirmam que a concentração de CO2, como é chamado o gás
carbônico, vem aumentando desde a segunda metade do século XIX, quando a Europa
vivia a Revolução Industrial. Em 1880, a taxa estava na casa de 280 partes por
milhão, ou ppm.
As colunas de gelo indicam que a quantidade de CO2
na atmosfera variou bastante nos últimos 800 mil anos, mas raras vezes chegou a
300 ppm, e não passou muito disso. O gás nunca foi tão abundante na história da
humanidade. Para encontrar valores parecidos com os atuais, é preciso voltar ao
Plioceno, era geológica situada entre 3 e 5 milhões de anos atrás, antes que os
australopitecos dessem origem aos primeiros Homo habilis. As
temperaturas eram então de 3 a 4ºC maiores que as atuais. O nível dos oceanos
estava pelo menos 5 metros acima do de hoje.
Em termos absolutos, a proporção de gás carbônico na
atmosfera não impressiona: grosso modo, 400 partes por milhão é o equivalente
ao volume de uma caixa d’água diluído numa piscina olímpica cheia. Mas, como
ajuda a reter na atmosfera parte do calor recebido do Sol, ele tem uma
influência decisiva no clima. Não fosse por esse fenômeno, chamado de efeito
estufa, a Terra seria fria demais para que nela houvesse vida. O metano, o
óxido nitroso e outros compostos que agem da mesma maneira são conhecidos como
gases-estufa.
Eles são produzidos em praticamente todas as
atividades nas quais se baseia a economia humana, seja na obtenção de energia a
partir de gás ou carvão, na combustão de derivados de petróleo para a locomoção
de veículos, na construção civil, nos processos agrícolas ou na criação de
gado, e também na decomposição do lixo e na queima ou corte da cobertura
vegetal.
A população humana multiplicou por sete nos últimos
dois séculos. Os cientistas estão convictos de que o acúmulo de gases do efeito
estufa lançados na atmosfera nesse período foi determinante para aumentar a
temperatura média da superfície – quase 0,8ºC desde 1880, de acordo com dados
registrados por estações meteorológicas espalhadas pelo globo.
Dos quatorze anos mais quentes já registrados desde
que se começou a medir a temperatura média global, em 1850, doze aconteceram no
século XXI. No início do ano, a Austrália viveu o “verão furioso”, o mais
quente já registrado no país. Em janeiro, o serviço australiano de meteorologia
anunciou uma mudança na escala cromática usada nas previsões do tempo. Foram
incluídas duas novas cores (tons de roxo e rosa) para indicar temperaturas que
vão de 50º a 54ºC, antes impensáveis.
No gabinete
de Paulo Artaxo, no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, há um
diploma emoldurado no qual se destaca a efígie de Alfred Nobel. Artaxo
recebeu-o por integrar o grupo de cientistas que a Organização das Nações
Unidas criou, há 25 anos, para avaliar o conhecimento científico do aquecimento
global, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Mais conhecido
pela sigla IPCC, o Painel publica, em intervalos de cinco a sete anos,
relatórios que sintetizam o que a ciência sabe sobre a questão. Os documentos
orientam a ação de países para combater o problema.
Paulo Artaxo é um paulistano de 59 anos que se
especializou no estudo das nuvens e aerossóis, as partículas que ficam
suspensas na atmosfera. Ambos ajudam a resfriar o planeta, mas os cientistas
ainda não entendem detalhes de seu comportamento. “Seu papel no sistema
climático é ex-tre-ma-men-te complexo”, disse Artaxo, separando as sílabas para
marcar a ênfase. O físico foi um dos especialistas brasileiros indicados pelo
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para fazer parte do IPCC. O Painel
é uma organização científica que tem também caráter político – os governos
nacionais indicam os pesquisadores, participam da revisão do documento e
endossam suas conclusões.
Os relatórios de avaliação do IPCC são considerados
as publicações científicas com maior autoridade sobre o aquecimento global. Se
a ciência do clima fosse uma religião, os relatórios seriam o Alcorão. O último
deles, publicado em 2007, concluiu que o aquecimento do planeta é “inequívoco”
e se deve “muito provavelmente” aos gases de efeito estufa produzidos por
atividades humanas. No fim daquele ano, o Nobel da Paz foi dividido entre o
IPCC e o ex-vice-presidente Al Gore, por seus esforços para chamar a atenção do
público para o problema. Na condição de um dos 559 autores do trabalho, Artaxo
foi agraciado com o certificado que pendurou no seu gabinete.
Vinculado ao IPCC desde 2003, o físico brasileiro foi
novamente escolhido para ser um dos autores do Quinto Relatório de Avaliação,
que está saindo do forno. Artaxo participou da elaboração da primeira das três
partes do documento, dedicada a explicar os mecanismos físicos da mudança do
clima. O volume inicial será lançado no fim de setembro em Estocolmo, na Suécia
– os outros dois devem sair no início de 2014.
O termo de confidencialidade assinado pelos autores
do relatório não impediu que, no fim de agosto, um rascunho do documento
vazasse para a agência Reuters e para o New York Times. Mesmo antes
disso, autores do trabalho diziam que as conclusões não só ratificariam os
achados do relatório anterior, como diminuiriam a margem de incerteza de várias
afirmações. O climatologista belga Jean-Pascal van Ypersele, vice-presidente do
IPCC, confirmou-me que “o relatório oferecerá uma fartura de novas evidências,
e a expectativa é que confirme a maior parte das afirmações anteriores do IPCC,
refletindo a evolução do conhecimento, mas sem mudar fundamentalmente a essência
do diagnóstico”.
Paulo Artaxo antecipou que a projeção de aumento da
temperatura global desde a Revolução Industrial dificilmente ficará abaixo de
2ºC, considerado o patamar máximo aceitável. “O relatório deixará claro, como a
literatura já mostra, que o aumento será provavelmente de 2,5 a 3ºC já nas
próximas décadas”, disse. De acordo com o físico, o documento deverá confirmar
que “as alterações no clima que estamos observando são devidas à ação humana,
com 95% de probabilidade”.
No jargão do IPCC, esse grau de certeza equivale a
dizer que é “extremamente provável” que os gases lançados pela ação humana
sejam responsáveis pelo aquecimento global. A afirmativa indica um aumento na
convicção dos cientistas. No relatório de 2007, a expressão usada foi “muito
provável”, que traduz um grau de confiança de 90%. Já o terceiro relatório, de
2001, empregou “provável”, o que indica uma certeza de 66%.
A publicação do Quinto Relatório marca o fim de um
trabalho delineado em 2009 e iniciado no ano seguinte. O Brasil é representado
por 24 pesquisadores, dez a mais do que no Quarto Relatório. Os cientistas do
ipcc não produzem propriamente conhecimentos novos – eles avaliam de forma
crítica a literatura disponível. Paulo Artaxo foi escalado como coautor do
capítulo dedicado ao papel das nuvens e aerossóis no aquecimento global. Nos
últimos três anos, ele mergulhou nos estudos mais recentes da sua área e debateu
com colegas como a questão seria apresentada no relatório. “O trabalho de
compilação e redação é insano”, avaliou. “Cada capítulo é um livro. O nosso tem
250 páginas com espaço simples e duas colunas.”
O texto do relatório a ser apresentado em Estocolmo
passou por duas etapas de revisão, nas quais recebeu quase 53 mil comentários,
muitos deles de especialistas e representantes dos governos. Coube aos autores
responder individualmente a cada observação, e isso representou boa parte de
seu trabalho.
O engenheiro elétrico Roberto Schaeffer, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, é coordenador de um capítulo do
terceiro volume do relatório, a ser publicado no ano que vem. Colaborador do
IPCC desde 1997, Schaeffer notou que aumentou a transparência na resposta dos
autores aos comentários. Atribui a mudança às críticas que o Painel recebeu
depois que erros pontuais foram identificados no Quarto Relatório. Na sua
avaliação, a medida ajudou a reforçar a credibilidade dos documentos do IPCC.
“Cientistas do mundo inteiro tiveram oportunidade de criticar e dizer o que
consideravam bobagem”, afirmou. “Se não fizeram isso, é porque a ciência
mundial concorda que o relatório é impecável.”
A primeira parte do documento tem 2 mil páginas e 1
250 figuras. O que vai circular entre os tomadores de decisão, porém, é um
sumário executivo bem menor. Os cientistas prepararam um rascunho de 22
páginas, mas o sumário precisa ser aprovado linha a linha por representantes
dos governos, que se reunirão em Estocolmo. Parte das nuances científicas se
perde no processo de compressão e negociação. “É preciso fazer escolhas
heroicas para passar de 2 mil páginas para vinte”, afirmou Schaeffer. “O
sumário para tomadores de decisão acaba tendo uma linguagem muito cuidadosa e
política.”
O texto final pode esconder negociações árduas. Foi
o que ocorreu na discussão do Segundo Relatório, em 1995, quando os cientistas
ainda relutavam em afirmar categoricamente que os gases lançados pelas
atividades econômicas eram decisivos na mudança climática. Ao negociar o
sumário, os autores quiseram escrever que havia “influência humana apreciável
sobre o clima global”, mas a frase foi vetada por representantes da Arábia
Saudita e do Kuwait, grandes produtores de petróleo. Segundo relatou um
participante, 27 adjetivos diferentes foram considerados até que se chegasse a
um acordo: havia uma influência humana “discernível” sobre o clima global.
Os cientistas recorrem a modelos de computador para
simular como o clima irá se comportar nas próximas décadas, caso as
concentrações de gases-estufa aumentem, diminuam ou sigam nos níveis atuais.
Nos relatórios do IPCC, os modelos são usados para prever como o clima do
planeta reagirá a diferentes respostas da humanidade ao aquecimento – desde a
projeção mais otimista, com uma rápida transição para uma economia de baixo
carbono, até a mais extrema, sem qualquer redução das emissões.
As projeções dependem de cálculos complexos. Eles
são feitos em supercomputadores, máquinas com capacidade infinitamente maior
que a das máquinas domésticas. O planeta é dividido em células e o modelo
calcula como as propriedades de cada uma delas evoluirá, de acordo com
parâmetros que representam variáveis físicas, químicas e biológicas que influem
sobre o clima. Como a capacidade computacional exigida é enorme, existem poucos
modelos globais no mundo. O Brasil anunciou este ano o início de funcionamento
do seu modelo global, o primeiro da América Latina, cujos resultados
preliminares foram considerados no Quinto Relatório.
O meteorologista José Marengo, pesquisador peruano
de 55 anos que está no Brasil há dezessete, trabalha com modelagem climática no
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Ele é autor do IPCC desde o
Terceiro Relatório, de 2001. Trabalhando com um modelo regional para a América
Latina, participou das projeções climáticas para o território brasileiro. Em
agosto, foi a Brasília apresentar os resultados ao grupo do Ministério do Meio
Ambiente que estuda como o Brasil pode se adaptar ao aquecimento global.
Não foram boas as notícias que levou. “Vai chover
mais no futuro, mas cairá na forma de extremos”, afirmou, apontando para a
região Sudeste num mapa no telão. “O que poderia ser uma chuva regular vai se
concentrar em poucos dias, com impactos nas áreas vulneráveis, enchentes e
deslizamentos de terra.”
Em abril, estive com Marengo em seu gabinete no
Inpe. Havia chovido na noite anterior em Cachoeira Paulista e, quando me
recebeu, o pesquisador apontou para a janela e comentou que não deveria estar
chovendo naquela época. Ressaltou que é arriscado atribuir eventos climáticos
isolados a mudanças na atmosfera, e que a meteorologia não basta para
justificar o estrago que mais tempestades causarão: “As enchentes são
consequência mais da urbanização do que da chuva. Uma cidade toda
impermeabilizada, como São Paulo, com qualquer chuva vira uma piscina.” Se a
temperatura subir nos índices previstos pelos modelos climáticos, o número de
dias anuais com chuvas intensas pode dobrar na capital paulista até o fim do
século.
No caso do Brasil, as projeções dos modelos indicam
que a temperatura deve subir, até 2100, pelo menos 3ºC em todo o país. Cada
região sentirá o impacto da mudança de determinada forma. A Amazônia é a região
que mais deve esquentar – as estimativas mais pessimistas apontam um aumento de
6ºC até o fim do século. As chuvas podem diminuir de 40 a 45% nesse período.
Isso deve aumentar a frequência de secas como as que a região conheceu em 2005
e 2010 – consideradas duas “secas do século”, com um intervalo entre elas de
apenas cinco anos. As precipitações podem diminuir até pela metade no Nordeste
até o fim do século, e parte da região de clima semiárido corre risco de
desertificação, o que forçaria a migração da população para zonas menos hostis.
As projeções da ciência do clima para o Brasil
integram um relatório nacional que será lançado semanas antes do documento do
IPCC. Concebido à imagem da iniciativa internacional, o Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas – apelidado de IPCC do B – reuniu cerca de 350
pesquisadores, numa iniciativa sem paralelo em outros países.
No sumário, o relatório destacou a escassez de
estudos sobre a subida do nível do mar na costa nacional e apresentou números
de trabalhos estrangeiros que previam um aumento de 20 a 30 centímetros até o
fim do século. A bióloga Andréa Souza Santos, secretária executiva do painel
brasileiro, disse que o trabalho ajudou a apontar lacunas de pesquisa e mapear
a comunidade que atua na área.
Assim como o relatório do IPCC, seu equivalente
brasileiro não se limitou a investigar o aspecto meteorológico da questão.
Avaliou também como os impactos do aquecimento global afetarão o Brasil, e o
que se pode fazer para enfrentá-lo. Os efeitos sobre a saúde estão entre os
mais temidos. Perguntei ao médico Ulisses Confalonieri, pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz em Belo Horizonte e estudioso da questão, quais seriam os impactos
de um aumento de 3ºC.
“Pode haver aumento de doenças transmissíveis como dengue, leptospirose e
diarreia infecciosa, além da exacerbação de poluentes atmosféricos que afetam a
saúde respiratória”, ele respondeu. Disse ainda que a dengue pode se tornar
endêmica em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mas afirmou que a relação do
clima com as doenças é indireta, e que não há modelos eficazes para prever
esses impactos.
Ao aumentar de 90% para 95% o grau de certeza na
influência das atividades humanas sobre o clima, o Quinto Relatório reflete um
consenso crescente dos cientistas. Um estudo publicado em maio, conduzido pelo
australiano John Cook, da Universidade de Queensland, tentou quantificar o grau
de adesão dos pesquisadores à ideia. Foram analisados quase 12 mil artigos
científicos publicados sobre o tema nos últimos vinte anos. Dos mais de 4 mil
trabalhos que mencionaram as causas da mudança climática, 97% atribuíram-na aos
gases emitidos na atmosfera pela humanidade.
O número é parecido com o que se esperaria encontrar
num estudo que quantificasse a adesão dos biólogos à teoria da evolução, ou dos
físicos à relatividade geral. Enquanto os cientistas falam em uníssono, a
emissão de gases de efeito estufa passou de 38 bilhões de toneladas, em 1990,
para 50 bilhões em 2010, segundo dados da Comissão Europeia.
“A dúvida é o nosso produto”, afirmava um memorando
interno escrito por um executivo da indústria de tabaco em 1969. A frase
inspira o título do livro Merchants of Doubt [Mercadores da Dúvida],
de Naomi Oreskes e Erik Conway, que traça a árvore genealógica do movimento de
negação da influência humana sobre o clima nos Estados Unidos. A obra mostra
como muitos dos chamados céticos do clima também se envolveram, no passado, com
a negação de outras alegações científicas que poderiam provocar prejuízos à
grande indústria americana. O modus operandi era parecido em cada
caso: procurava-se mostrar que, dada a incerteza das conclusões científicas,
não se justificavam ações coercitivas.
O livro conta a história de Fred Seitz, físico
aposentado com influência em Washington. Ele ajudara a desenvolver a bomba atômica
e havia presidido a Academia Nacional de Ciências. Nos anos 70, financiado pela
indústria do tabaco, Seitz levantou dúvidas sobre a relação entre o fumo e o
câncer. Mais tarde, foi um dos fundadores do Instituto George Marshall, que
defendia que causas naturais eram suficientes para explicar o aquecimento
global. Quando o Segundo Relatório do IPCC foi publicado, Seitz considerou que
a retirada de um bloco de frases, cortado para padronizar o texto, configurava
censura, e liderou uma campanha para denunciar o que chamou de uma “grande
enganação”. Ele morreu em 2008, mas o Instituto Marshall continua ativo.
As empresas de energia que exploram petróleo, gás e
carvão estão entre as que têm seus interesses ameaçados pela restrição de
gases-estufa. São gigantes como a ExxonMobil, Chevron, Shell, PetroChina,
British Petroleum ou a Gazprom. Todas elas estão na lista das vinte maiores
empresas da revista Forbes, na qual a Petrobras é a vigésima. Numa conta
feita pelo físico Alexandre Araújo Costa, treze companhias de petróleo e
automobilísticas haviam faturado, em apenas um ano, quase 4 trilhões de
dólares, mais que o Produto Interno Bruto da Alemanha.
Por oito anos, a ExxonMobil ajudou a financiar o
Instituto Heartland, organização que também teve a Philip Morris entre seus
mantenedores. Em 2009 e 2011, o instituto produziu relatórios alternativos ao
do IPCC, questionando o aquecimento global de origem humana. No ano passado, o
Heartland espalhou pelas ruas de Chicago cartazes nos quais Osama bin Laden,
Charles Manson e o Unabomber afirmavam: “Ainda acredito em aquecimento global.
E você?”
Segundo dados da OpenSecrets.org, entidade que
monitora o financiamento de políticos americanos, o setor de óleo e gás é o que
mais injetou dinheiro nas campanhas dos senadores republicanos Joe Barton, do
Texas, e James Inhofe, do Oklahoma – juntos, eles já receberam mais de 3
milhões dólares de empresas da área. Barton infernizou a vida dos cientistas
que haviam feito reconstituições do clima do passado, intimando-os a explicar em
minúcias cada passo dos resultados.
Inhofe afirmou num discurso no Senado, em 2003, que
o aquecimento global era “a maior fraude já perpetrada contra o público
americano”. Em 2010, solicitou a investigação criminal de dezessete cientistas
envolvidos no Climategate – episódio que arranhou a autoridade do painel de
cientistas.
O Climategate eclodiu em novembro de 2009. Às
vésperas da conferência do clima da ONU em Copenhague, hackers vazaram
um pacote com milhares de e-mails trocados por cientistas ligados ao IPCC. Numa
das mensagens, o pesquisador britânico Philip Jones explicou a colegas como
havia padronizado os dados de um estudo. Disse a eles que usara o mesmo
“truque” a que um colega lançara mão no passado, cujo efeito era “esconder o
declínio” das temperaturas. Noutra mensagem, Jones disse que trataria de deixar
de fora do próximo relatório do IPCC dois artigos escritos por cientistas
céticos.
Os trechos foram reproduzidos à exaustão em blogs
negacionistas como prova cabal da má-fé dos cientistas do clima. Os e-mails, de
fato, revelavam procedimentos aéticos dos cientistas, mas não punham em causa
as principais conclusões dos cientistas do clima, conforme concluíram
investigações independentes do Parlamento britânico e da universidade de Jones.
O estrago na imagem do IPCC, porém, já estava feito.
Os pesquisadores que se opõem ao consenso em relação
ao aquecimento da Terra são chamados de negacionistas ou céticos – um termo
problemático, pois a dúvida implícita na noção de ceticismo é própria da
atividade científica. O rótulo joga na mesma gaveta um espectro variado de
questionamentos – uns sustentam que o planeta está na verdade caminhando rumo
ao resfriamento, outros reconhecem o aumento da temperatura, mas negam que a
espécie humana tenha algum papel nele, e há quem diga que não existe o que se
possa fazer para evitá-lo.
Os argumentos dos negacionistas também variam.
Alguns alegam que o clima do planeta é governado apenas por fatores naturais,
como ciclos da atividade solar, oscilações periódicas nas temperaturas dos
oceanos, vulcanismo ou a ação de raios cósmicos. Outros questionam a validade
das projeções feitas pelos modelos computacionais. Há quem afirme que os gases
do efeito estufa não têm grande influência sobre o processo de aquecimento.
Eles põem em questão o próprio princípio físico por trás do efeito estufa, um
dos pilares da ciência climática.
As justificações dos céticos circulam celeremente na
internet, em jornais, livros e programas de televisão. Mas poucas encontram
lugar em publicações técnicas, o espaço por excelência para a proposição e
discussão dos conceitos científicos. A imprensa foi acusada de dar aos
negacionistas uma voz desproporcional à que eles têm no debate entre
especialistas no clima. Se jornalistas não procuram apresentar “o outro lado”
em reportagens sobre a seleção natural, ou a mecânica quântica, perguntam
muitos cientistas, por que deveriam dar espaço aos céticos?
O Brasil também tem os seus negacionistas, embora
eles não estejam diretamente vinculados a grupos de pressão ligados à
indústria, como no caso de seus pares americanos. Em 2012, na vésperada Rio+20,
a conferência das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável, um grupo
de dezoito céticos brasileiros enviou uma carta aberta à presidente Dilma
Rousseff. Argumentaram que não há evidências físicas da influência humana no
clima global, e que a transição para uma economia de baixo carbono é desnecessária
e nociva ao país. Na conclusão, defenderam que o alarmismo ambiental fosse
“apeado do seu atual pedestal de privilégios imerecidos”.
A frente da lista de pesquisadores que assinam a
carta está o geólogo Kenitiro Suguio, da Universidade de São Paulo e membro da
Academia Brasileira de Ciências. Suguio é nissei, tem 76 anos e se
aposentou em 1996, mas mantém seu gabinete no Instituto de Geociências. Quando
estava na ativa, pesquisou mudanças ambientais no Quaternário, período iniciado
há 2,5 milhões de anos.
O geólogo buscou na estante o original de um livro de Shigenori Maruyama que ele traduziu. O original se chama “Não seja enganado pelo aquecimento global”, mas saiu pela Oficina de Textos com o título Aquecimento global?. Suguio disse que não se envolveu na redação da carta à presidente. “Mas concordo na íntegra”, afirmou.
O geólogo buscou na estante o original de um livro de Shigenori Maruyama que ele traduziu. O original se chama “Não seja enganado pelo aquecimento global”, mas saiu pela Oficina de Textos com o título Aquecimento global?. Suguio disse que não se envolveu na redação da carta à presidente. “Mas concordo na íntegra”, afirmou.
O geógrafo Ricardo Felício, professor da USP, foi um
dos idealizadores do manifesto. Felício, que se diz nacionalista, acredita que
a redução de emissão de gases-estufa é uma tentativa dos países
industrializados de impor novas tecnologias verdes ao mundo. “É sempre a mesma
estratégia”, disse, “eles criam um grande problema e vendem a solução.”
Ele não parece incomodado com o consenso da
comunidade científica acerca do aquecimento do planeta. “Não interessa a
quantidade de pessoas que falam uma coisa, interessa se estão corretas”,
afirmou, citando uma frase do norueguês Ivar Giaever, Prêmio Nobel de Física –
e cético.
Em agosto do ano passado, Felício recebeu do
Ministério do Meio Ambiente uma resposta à carta enviada à presidente. Dividida
em 29 tópicos, a réplica do governo endossou as conclusões do IPCC, reafirmou o
compromisso assumido pelo Brasil de limitar o aumento da temperatura global a
2ºC e refutou que a discussão sobre a mudança do clima tivesse motivações
políticas ou ideológicas.
Luiz Carlos
Molion, meteorologista de 66 anos, é um dos pesquisadores brasileiros que há
mais tempo questiona o aquecimento antrópico na imprensa e em palestras. Ele
fez carreira no Inpe e, depois que se aposentou, tornou-se professor da
Universidade Federal de Alagoas. Numa conversa telefônica, Molion alegou que,
num passado recente, o planeta teve temperaturas mais quentes que as atuais.
Mencionei um trabalho, publicado em março na revista Science, que
reconstituiu as temperaturas dos últimos 11 300 anos e concluiu que o planeta
nunca esteve tão quente nos últimos 4 mil anos. Molion mudou de assunto e
atacou a metodologia usada num estudo pioneiro do gênero, publicado no fim dos
anos 90.
O meteorologista disse que o planeta caminha rumo a
um resfriamento – prova disso seria a estabilização das temperaturas desde
1998, apesar do aumento das emissões. O raciocínio, recorrente entre os
céticos, usa como ponto de partida um ano de temperatura atipicamente quente,
mas de fato a temperatura global média não aumentou neste século. Um
estudo publicado no fim de agosto atribuiu o hiato ao resfriamento da
superfície do Pacífico. Para rebater o argumento da estabilização, os
cientistas também alegam que parte do calor está sendo armazenada nas águas
profundas dos oceanos, por meio de mecanismos pouco conhecidos, conforme
registram medições recentes. “Isso é conversa”, refutou Molion quando levantei
a objeção. “Ninguém tem dados sobre o aquecimento de oceanos.”
Molion e os outros céticos não costumam incluir esse
tipo de alegações nos artigos que publicam em periódicos científicos, que
precisam ser avaliados por outros colegas antes da publicação. Ele disse que
não tenta publicar estudos que contestem o efeito estufa ou o papel do CO2
na mudança climática, porque sabe que não serão aprovados. Informou que evita
pesquisar temas ligados ao aquecimento global, e que já teve recusados até
mesmo trabalhos que não tinham a ver com o assunto. Não quis participar do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas por considerar que é feito por pessoas
que “praticam a ideologia do IPCC”. Tampouco tentou protocolar qualquer crítica
durante o processo de revisão do Quinto Relatório. “Não perderia meu tempo
fazendo comentários”, alegou.
A ONG Global Footprint Network anunciou que 20 de
agosto foi o “Dia da Sobrecarga”, um marco simbólico de que a humanidade
consumiu até aquela data o volume de recursos naturais que o planeta é capaz de
repor durante o ano. Até dezembro, daremos cabo de recursos que não vão se
renovar – e seguiremos lançando CO2 na atmosfera. O Dia da
Sobrecarga tem acontecido mais cedo a cada ano – há vinte anos, estava por
volta do fim de outubro. A ONG estima que seria preciso um planeta e meio para
sustentar o padrão atual de consumo da humanidade.
A engenheira mecânica Suzana Kahn Ribeiro,
pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora do IPCC,
formulou a questão nos seguintes termos: “Não dá para imaginar o mundo
com 9 bilhões de pessoas consumindo e usando o espaço da maneira como
fazemos hoje”, afirmou, escorando-se em projeções da ONU para 2040. “A única
saída é mudar o padrão de consumo”, completou, antes de aumentar o
ar-condicionado.
O caráter impalpável e não imediato da ameaça
representada pela mudança do clima ajuda a explicar a apatia dos governos e
grandes atores da economia global diante do problema. Essa abordagem foi
proposta pelo sociólogo britânico Anthony Giddens no livro A Política da
Mudança Climática. De fato, as previsões mais catastróficas de impactos da
mudança climática serão sentidas pelos descendentes daqueles que podem promover
ações para minimizar os danos. Mas isso depende de medidas impopulares a serem
tomadas por governos, que operam numa escala temporal orientada pelo ciclo de
eleições a cada quatro anos.
O s economistas não têm dúvidas de que ficará mais
barata a preparação imediata para o que vem aí do que remediar estragos no
futuro. E não é de hoje – a referência mais citada para o cálculo do prejuízo é
o Relatório Stern, encomendado pelo governo britânico e publicado em 2006. A
conclusão foi que, se nada for feito, os custos anuais para o combate dos
impactos podem ir de 5% a 20% do PIB mundial anual – uma soma da ordem de 4 a
17 trilhões de dólares, em valores de 2012.
André Lara Resende, um dos mentores dos planos
Cruzado e Real, é um dos economistas brasileiros que vêm tentando entender como
as economias do país e do mundo estão se reconfigurando no cenário da mudança
climática. Tem publicado reflexões sobre o assunto na imprensa e no volume Os
Limites do Possível, coletânea de artigos lançada este ano. Numa troca de
e-mails no começo de agosto, perguntei-lhe se o caráter diferido no tempo dos
impactos da mudança climática ajudaria a explicar a falta de ações incisivas
por parte de governos e empresas.
Lara Resende evocou em sua resposta os estudos sobre
a tomada de decisões em condições de incerteza feitos por Daniel Kahneman,
Nobel de Economia em 2002, e Amos Tversky. Os trabalhos da dupla mostraram que,
nas situações em que temos algo a ganhar, preferimos o certo ao incerto. “Já
quando o que está em jogo é algo a perder, mudamos de atitude, preferimos
correr o risco e contar com a sorte para nos tirar da dificuldade”, explicou.
“Infelizmente, parece ser o caso em relação à mudança climática.”
O economista propôs comparar as sociedades às
crianças que, em certo ponto da infância, aprendem a adiar uma gratificação, um
sinal de amadurecimento. Da mesma forma, raciocinou, existem sociedades mais
maduras, capazes de fazer sacrifícios hoje para colher frutos no futuro, e
sociedades mais impacientes. “O Brasil parece ser uma sociedade imatura, dada a
baixa taxa de poupança, mesmo quando comparada com países que têm renda per
capita mais baixa”, avaliou.
Mas essa imaturidade – que os economistas chamam de
“alta taxa de desconto intertemporal” – não é privilégio do Brasil. Na análise
de Lara Resende, ela é inerente ao capitalismo contemporâneo, movido pela
publicidade e pela associação da felicidade ao consumo. “O estímulo de poupar
pouco e, se possível, endividar-se para aumentar o consumo presente, em
detrimento do futuro, é parte da lógica econômica, obcecada com o curto prazo”,
escreveu ele. “Não me parece fácil, para não dizer impossível, modificar esse
quadro sem algum evento traumático.”
Em Mercadores da Dúvida, Naomi Oreskes e Erik
Conway compararam a situação da humanidade à reação atônita dos comensais de um
banquete de proporções gargantuescas diante da chegada de um garçom com a conta
na mão:
Alguns alegaram que a conta não era deles. Outros
negaram que sequer houvesse uma conta. Um grupo objetou que não tinha tomado
parte do festim. Um conviva sugeriu que o garçom, na realidade, era apenas
alguém querendo atenção ou tentando arrecadar dinheiro para seus projetos
pessoais. Por fim, o grupo concluiu que, se eles simplesmente ignorassem o
garçom, ele acabaria indo embora.
A metáfora do banquete não é nova. Em 1997, quando
os países estavam negociando o Protocolo de Kyoto, o embaixador brasileiro
Antônio Dayrell de Lima recorreu a ela para defender uma divisão mais equânime
da fatura. “Chegamos ao jantar na hora do café e estão querendo que a gente
divida a conta”, alegou. Como repartir os custos talvez seja a mais espinhosa
questão com que lida a diplomacia do clima. A conta só fechará se todos
contribuírem, mas ninguém quer sacar a carteira antes de ter certeza de que os
outros também o farão. O impasse só faz postergar a ação.
O aquecimento que se verifica hoje é em grande parte
devido ao efeito estufa provocado pelos gases lançados na atmosfera desde o
século XIX pelos países que se industrializaram primeiro. Hoje, entre os
grandes emissores estão também China, Índia e Brasil, atores de peso da
economia global, mas cujos habitantes não têm o mesmo acesso à saúde, educação
e bens de consumo dos países ricos.
Para entender a responsabilidade histórica de cada
país sobre a mudança climática, é preciso levar em conta o grande tempo de
permanência dos gases-estufa na atmosfera, conforme me explicou o engenheiro
elétrico José Domingos Gonzalez Miguez, que desde os anos 90 representa o
Brasil nas negociações diplomáticas sobre mudança do clima. “Vinte por cento do
CO2 permanecem mais de 200 mil anos”, disse ele, enquanto tomava um
café em Ipanema num sábado recente. “O que estamos sentindo agora é basicamente
o efeito estufa de 100 anos atrás. O que estamos fazendo hoje vai comprometer o
planeta daqui a 100 anos, em grande parte.”
Miguez comparou a situação da atmosfera à de uma
estufa que, a cada ano, ganhasse uma nova película de vidro no teto. “A cada
ano ela vai ficando mais grossa e retendo mais energia que deveria voltar para
o espaço”, disse. O efeito combinado do acúmulo de gases-estufa e de energia na
atmosfera é devastador: “É como se você estivesse aplicando juros compostos
duas vezes na temperatura.”
Quando o IPCC
lançou seu primeiro relatório de avaliação, em 1990, a mudança do clima ainda
era um tema mais restrito à esfera ambiental e científica. A questão ganhou
contorno político em 1992, quando as Nações Unidas criaram uma convenção sobre
a mudança do clima, lançada na Eco-92, no Rio. Seus quase 200 signatários
estabeleceram como objetivo estabilizar as emissões de gases-estufa para conter
o aquecimento global.
A convenção reconheceu que os países tinham uma
contribuição histórica distinta para o problema ao atribuir-lhes
“responsabilidades comuns, mas diferenciadas” – uma expressão formulada pela
diplomata brasileira Vera Pedrosa, que desemperrou as negociações que avançavam
madrugada adentro. As nações desenvolvidas e os demais países foram divididos
em dois grupos, e passaram a ter obrigações distintas diante da convenção. Pelo
Protocolo de Kyoto, os países com maior responsabilidade histórica se
comprometeram ali com metas discutidas caso a caso. Eram números modestos –
para alguns países, um percentual de redução com um único dígito.
Dos grandes países industrializados, só os Estados
Unidos não ratificaram o Protocolo de Kyoto, único tratado internacional
assinado até hoje com metas de redução de gases-estufa. Os Estados Unidos
chegaram a assiná-lo, mas uma resolução no Senado impedindo sua adoção foi
aprovada por 95 votos a zero.
Barack Obama incluiu o aquecimento global na agenda
de sua primeira campanha pela Casa Branca, em 2008. Mas só há três meses, em
junho, no meio do segundo mandato, anunciou as primeiras ações de combate à
mudança climática. O seu plano prevê aumentar a eficiência energética, ampliar
a oferta de fontes renováveis de combustível e projetos para capturar CO2
da atmosfera.
No fim do ano passado, encerrou-se o primeiro
período de compromisso do Protocolo de Kyoto. As estatísticas ainda não estão
consolidadas, mas tudo indica que as metas assumidas foram cumpridas. De acordo
com um relatório de 2011 da Convenção do Clima, os países que assumiram
compromissos reduziram suas emissões em quase 6%, dentro do estipulado. O
documento atribuiu o êxito à adoção de medidas de eficiência energética, fontes
de energia renovável e combustíveis menos poluentes.
A República das Maldivas é um arquipélago formado
por quase 1 200 atóis e ilhas no oceano Índico, a sudoeste da Índia. Em 2009,
Mohamed Nasheed, então presidente do país, gravou um apelo em vídeo para uma
campanha da ONU. Apareceu vestido de terno no mar, com a água pelo joelho e uma
paisagem paradisíaca ao fundo.
“Se não agirmos agora”, alertou, “minha nação vai submergir com o aumento do nível do mar.” O ponto mais alto do arquipélago fica a menos de 3 metros do nível médio do mar. Se as águas subirem o quanto preveem as estimativas do IPCC, parte da população será forçada a se mudar. O país criou um fundo financiado por recursos do turismo para comprar terras, na Índia ou na Austrália, que possam acolher refugiados do clima maldívios.
“Se não agirmos agora”, alertou, “minha nação vai submergir com o aumento do nível do mar.” O ponto mais alto do arquipélago fica a menos de 3 metros do nível médio do mar. Se as águas subirem o quanto preveem as estimativas do IPCC, parte da população será forçada a se mudar. O país criou um fundo financiado por recursos do turismo para comprar terras, na Índia ou na Austrália, que possam acolher refugiados do clima maldívios.
Nasheed foi um dos chefes de Estado que participaram
em Copenhague da mais midiatizada das conferências sobre o clima. A expectativa
era que a reunião definisse um tratado que sucederia o Protocolo de Kyoto. Seu
resultado foi descrito como um fracasso em muitos relatos – o Acordo de
Copenhague, negociado diretamente por estadistas no último dia da conferência,
afirmou a necessidade de redução de emissões, mas não estabeleceu obrigações
para ninguém.
Mesmo assim, a conferência significou um ponto de
inflexão nas negociações do clima. Os dois maiores emissores mundiais de
gases-estufa, China e Estados Unidos, sinalizaram que estavam dispostos a
negociar um acordo climático com obrigações para todos. Mais do que isso, eles
puseram na mesa metas voluntárias de redução de suas emissões até 2020, assim
como Índia e Brasil. Outros países também ficaram de apresentar metas de
redução voluntária até 2020. Os países europeus estiveram perto de abandonar o
Protocolo de Kyoto, mas se comprometeram a mantê-lo durante o segundo período
de compromisso, que começou este ano. Rússia, Canadá, Japão e Nova Zelândia já
declararam que estão fora da segunda etapa.
O tratado que vai suceder o Protocolo de Kyoto deve
entrar em vigor em 2020, dessa vez com obrigações formais de redução para todos
os países. O documento será assinado em 2015, em Paris, mas os percentuais de
redução talvez só sejam negociados mais adiante. O novo tratado vai ditar o
papel que o carbono deve ocupar na matriz energética mundial, e será importante
para reconfigurar a paisagem da economia global nas próximas décadas.
O documento será assinado dois governos antes
daquele que terá que pôr em prática os compromissos assumidos. Um diplomata que
integrou a delegação de negociadores brasileiros nas últimas conferências do
clima assinalou a importância de uma política de Estado para o assunto. “Não
podemos negociar esse acordo com base no Brasil de hoje”, disse ele. “Temos que
saber que país vamos querer depois de 2020 para determinar o que incluir no
documento.”
O tratado que sucederá o Protocolo de Kyoto deve
levar em conta a meta de manter o aquecimento do planeta em até 2 graus acima
dos níveis pré-industriais. Em 1997, quando o Protocolo de Kyoto estava sendo
negociado, o Brasil propôs que cada país calculasse sua contribuição histórica
para o aquecimento do planeta – seria uma forma de traduzir em números o princípio
das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” de cada um deles. A proposta
não foi acolhida, mas chamou a atenção de muitos negociadores. Uma versão
aprimorada da ideia será apresentada à Convenção do Clima. O Brasil proporá o
desenvolvimento de uma metodologia que permita apontar quais países foram
responsáveis pelo aumento de 0,8ºC já consumado e embase a espinhosa discussão
sobre quais países têm direito a aumentar o 1,2ºC que nos resta se quisermos
cumprir a meta.
Em Copenhague, o Brasil se comprometeu a cortar de
36 a 39% das emissões que teria em 2020, caso não tomasse nenhuma medida de
mitigação. O governo registrou a meta ambiciosa numa lei federal, em vigor
desde 2009. Ao que tudo indica, o Brasil vai cumprir o objetivo, graças à
expressiva redução do desmatamento na Amazônia, que era de quase 28 mil
quilômetros quadrados em 2004 e passou para cerca de 4,6 mil no ano passado.
Por outro lado, vem sujando sua matriz energética, com a disposição do governo
de incluir termelétricas a carvão nos leilões de energia.
A derrubada da floresta era a principal fonte das
emissões brasileiras de gases-estufa – respondia por 61% do bolo, conforme um
inventário com dados até 2005. Essa já não é mais a principal fonte de emissões
do país, como mostrou a atualização do inventário, com dados até 2010,
apresentada em junho. O Brasil deixou de emitir o equivalente a quase 800
milhões de toneladas de CO2 – volume que a Alemanha declarou ter
emitido em 2011. Ninguém reduziu mais suas emissões que o Brasil – um país que
não tinha a obrigação de fazê-lo. O setor agropecuário, com 35%, passou a ser o
que mais emite, pouco à frente do setor de energia, com 32%. As emissões por
desmatamento agora representam apenas 22% do total.
Em agosto, perguntei ao biólogo Carlos Augusto
Klink, secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do
Meio Ambiente, como seria possível reduzir as emissões nos setores produtivos
da economia. Ele citou um plano para tornar as indústrias mais eficientes no
uso de energia, materiais e processos. Na agricultura, destacou as reduções
motivadas pelo cultivo em áreas degradadas e pela adoção de tecnologias como a
integração lavoura–pecuária. Na mesma tarde, conversei também com o
meteorologista Carlos Nobre, secretário do Ministério da Ciência. Ele disse
que, nas próximas décadas, a agricultura brasileira poderia praticamente
neutralizar suas emissões com inovações. E lembrou que já é possível ver
reflexos do ganho de eficiência: “As emissões do setor cresceram pouco mais de
5% em cinco anos, mas o produto agrícola aumentou 26%”, afirmou.
Em 2007, os cientistas do IPCC deram um recado
eloquente aos tomadores de decisão, mas a resposta não foi à altura da
gravidade das constatações. Perguntei a Jean-Pascal van Ypersele,
vice-presidente do IPCC, se uma mensagem mais forte no Quinto Relatório poderia
ser mais eficaz para desencadear ação por parte dos governantes. Ele lembrou que
o IPCC não recomenda ações específicas e que tem de ser relevante para os
governos sem ser prescritivo. “A formulação das políticas deveria ser baseada
numa plataforma científica, e vamos oferecer a mais robusta disponível”, disse
o pesquisador belga. “Só podemos esperar que ela vá ser usada.”