quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Maximização versus otimização

Há uma ética subjacente à cultura produtivista e consumista, hoje vastamente em crise por causa da pegada ecológica do planeta Terra, cujos limites foram ultrapassados em 30%. 

Nunca mais vamos ter a abundância de bens e serviços como até há pouco tempo dispúnhamos. A Terra precisa de um ano e meio para repor o que lhe extraímos durante um ano. E não parece que a fúria consumista esteja diminuindo. Pelo contrário, o sistema vigente para salvar-se, incentiva mais e mais o consumo que, por sua vez, requer mais e mais produção que acaba estressando ainda mais todos os ecossistemas e o planeta como um todo.

A ética que preside a este modo de viver é a da maximização de tudo o que fazemos: maximizar a construção de fábricas, de estradas, de carros, de combustíveis, de computadores, de celulares; maximizar programas de entretenimento, novelas, cursos, reciclagens, produção intelectual e científica. 

A roda da produção não pode parar, caso contrário ocorre um colapso no consumo e nos empregos. No fundo, é sempre mais do mesmo e sem o sentido dos limites suportáveis pela natureza.

 
Imitando Nietzsche perguntamos:
Quanto de maximização aguenta o estômago físico e espiritual humano?

Chega-se a um ponto de saturação e o efeito direto é o vazio existencial. Descobre-se que a felicidade humana não está em maximizar, nem engordar a conta bancária, nem o número dos bens na cesta de produtos consumíveis. O fato é que o ser humano possui outras fomes: de comunicação, de solidariedade, de amor, de transcendência, entre outras. Estas, por sua natureza, são insaciáveis, pois podem crescer e se diversificar indefinidamente.

Nelas se esconde o segredo da felicidade.

Mas nas palavras do filósofo Ludwig Wittgenstein citando Santo Agostinho:
Tivemos que construir caminhos tormentosos pelos quais fomos obrigados a caminhar com multiplicadas canseiras e sofrimentos, impostos aos filhos e filhas de Adão e Eva para chegar a esta tão buscada felicidade.

Logicamente precisamos de certa quantidade de alimentos para sustentar a vida. Mas alimentos excessivos, maximizados, causam obesidade e doenças. Os países ricos maximizaram de tal maneira a oferta de meios de vida e a infra-estrutura meterial que dizimaram suas florestas (a Europa só possui 0,1% de suas florestas originais), destruíram ecossistemas e grande parte da biodiversidade, além de gestar perversas desigualdades entre ricos e pobres.

 
Devemos caminhar na direção de uma ética diferente, a da otimização.

Ela se funda numa concepção sistêmica da natureza e da vida. Todos os sistemas vivos procuram otimizar as relações que sustentam a vida. O sistema busca um equilíbrio dinâmico, aproveitando todos os ingredientes da natureza, sem produzir lixo, otimizando a qualidade e inserindo a todos. Na esfera humana, esta otimização pressupõe o sentido de auto-limitação e a busca da justa medida. A base material sóbria e decente possibilita o desenvolvimento de algo não material que são os bens do espírito, como a solidariedade para com os mais vulneráveis, a compaixão, o amor que desfaz os mecanismos de agressividade, supera os preconceitos e não permite que as diferenças sejam tratadas como desigualdades.

Talvez a crise atual do capital material, sempre limitado, nos enseje viver a partir do capital humano e espiritual, sempre ilimitado e aberto a novas expressões. Ele nos possibilita ter experiências espirituais de celebração do mistério da existência e de gratidão pelo nosso lugar no conjunto dos seres. Com isso maximizamos nossas potencialidades latentes, aquelas que guardam o segredo da plenitude, tão ansiada.

Leonardo Boff é autor de Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito, Vozes 2005.














quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O país de Caça-Rato - Por Xico Sá

Amigo torcedor, amigo secador, no país de Caça-Rato, símbolo da sobrevivência e herói do time do Santa Cruz, tudo é diferente da fantasia e da modernidade que tentam nos vender a cada instante, a cada clique, a cada moda. No país de Caça-Rato, o menino Paulo Henrique, 9, nada de braçada no esgoto do canal do Arruda, como na foto de Diego Nigro (JC Imagem), que assombrou o mundo esta semana.

No país de Caça-Rato, alguns, como o próprio jogador, escapam graças ao futebol, ao funk, ao rap, ao pagode. Muitos outros ficam no caminho, caça-ratinhos fadados ao limbo dos refugos humanos ou às balas nada perdidas da polícia --quase sempre morte matada antes dos 30.

No país de Caça-Rato, vale o libelo da música de Chico Science, no rastro das imagens do médico e escritor Josué de Castro (1908-73): o homem-caranguejo saiu do mangue e virou gabiru.

No país de Caça-Rato, as vidas são desperdiçadas, velho Bauman, muito mais do que nos exemplos do teu livro sobre o tema. No país de Caça-Rato só há o barulho dos roedores em sinfonia (wagneriana) com a denúncia permanente das tripas.

Neste país, não se diz estou abaixo da linha da pobreza ou qualquer outra frieza estatística, neste país se diz simplesmente "tô no rato", o mesmo que estar lascado como um maxixe em cruz. O mesmo que estar na pele daquele roedor da fábula de Kafka, o bicho que vê o mundo cada vez mais estreito, sem saída à esquerda e muito menos à direita, restando apenas recorrer à orientação de um gato para não cair na ratoeira. O gato o orienta, civilizadamente, mas o abocanha na sequência.

No país de Caça-Rato, tudo é mesmo diferente. Estádio não é arena, não se sabe quem governa, e o Santa Cruz é muito mais que a seleção Brasileira. É a pátria dos pés-descalços, ouviram do canal do Arruda às margens fétidas e baldeadas.
O dialeto que se fala neste país não entra no Aurélio, mas sim no Liêdo, um sábio recifense, autor, entre outras joias, de "O Povo, o Sexo, a Miséria ou o Homem é Sacana".

A alta gastronomia no país de Caça-Rato tem o aruá, o sururu --já bem escasso e artigo de luxo--, o mingau de cachorro e o caroço de jaca assado na brasa. O rei do camarote neste país sem fronteiras é conhecido como cafuçu, o avesso do playboy, mas uma criatura que capricha no estilo dentro das suas posses. O jogador do Santa Cruz que dá nome a este país é o príncipe dos cafuçus. 

No reino de Caça-Rato, o menino que nada no esgoto no canal do Arruda é apenas uma foto que assombra a classe média. Não se fala outra coisa no país de Caça-Rato: que gente mais besta e limpinha, por que tanto barulho sobre uma cena tão repetida diariamente? O país de Caça-Rato sabe que daqui a pouco ninguém mais se lembra. O país de Caça-Rato funciona à prova de padrão Fifa.
@xicosa

Xico Sá Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte"

sábado, 2 de novembro de 2013

Maioria da população do planeta terá problemas com a água - Por José Eduardo Mendonça/Planeta Sustentável


A maioria das 9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2040 viverá com uma intensa pressão sobre os recursos hídricos nas próximas duas gerações, pelos efeitos da mudança do clima, poluição e uso excessivo. Este foi o alerta feito na sexta-feira passada por 500 cientistas.


Os sistemas hídricos da Terra chegariam em breve a um ponto que poderia “provocar uma mudança irreversível com consequências catastróficas,” afirmaram eles, que pedem aos governos políticas de conservação do recurso vital. Segundo os especialistas, é um erro enxergar a água doce como um recurso incessantemente renovável porque, em muitos casos, as pessoas estão bombeando-a do subsolo a uma taxa que não permitirá sua restauração em muitas décadas.

A maioria da população, cerca de 4.5 bilhões globalmente, vive no momento a 50 quilômetros de um recurso hídrico “prejudicado”- que está secando, ou se encontra poluído. Se esta tendência continuar, outros milhões verão a água escassear ou se tornar tão suja que não possa apoiar a vida.


As ameaças são inúmeras. A mudança do clima provavelmente causará um aumento na frequência e severidade de enchentes, secas, ondas de calor e tempestades. Os dejetos de fertilizantes agrícolas contendo nitrogênio já criaram mais de 200 “zonas mortas” em mares e perto da foz de rios, onde peixes não conseguem mais sobreviver. A tecnologia barata de bombear água do subsolo e de rios, e as poucas restrições a seu uso, levaram a uma super-utilização de recursos escassos pela irrigação ou a indústria, com grande parte dela desperdiçada por más práticas. E uma população crescente aumentou a demanda além da capacidade da oferta.


“Não há um cidadão do mundo que possa ser complacente com isso,” disse Janos Bogardy, diretor do Instituto de Ambiente e Segurança Humana da Universidade da ONU.

Os cientistas, que se reuniram em Bonn na semana passada para uma conferência de quatro dias, pediram a políticos que incluam novos objetivos de conservação da água nas metas de desenvolvimento sustentável que serão introduzidas quando as atuais expirarem em 2015.


Falta de água potável mata uma criança a cada 15 segundos
Por Débora Spitzcovsky  


A cada um minuto, quatro crianças morrem no mundo por conta de doenças relacionadas à falta de água potável e saneamento básico. O dado, chocante, é da quarta edição do Relatório sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (WWDR4), produzido a cada três anos por 28 organismos das Nações Unidas que formam a ONU-Água. 


As crianças são as maiores vítimas, mas o problema afeta pessoas de todas as idades. Por ano, 3,5 milhões de cidadãos morrem por conta do problema, que, segundo o documento, poderia ser solucionado ou, ao menos, minimizado, se houvesse maior atenção do governo à questão.

O relatório aponta que quase 10% das doenças registradas ao redor do mundo poderiam ser evitadas, se o poder público investisse mais em acesso à água e saneamento para a população. Um dos exemplos mais expressivos é o das doenças diarreicas – como cólera, shiguelose, amebíase e infecções por salmonela –, que matam 1,5 milhão de pessoas, anualmente, mas poderiam ser praticamente eliminadas, se houve maior esforço dos governos.

No Brasil, 88% das mortes por diarreia são por falta de saneamento básico, de acordo com estudo do Instituto Trata Brasil. Como no restante do mundo, as crianças são as mais afetadas pelo problema: 53% das internações por doenças diarreicas no Brasil são de menores de cinco anos que não têm acesso a saneamento básico de qualidade.  

O problema custa R$ 140 milhões por ano ao Sistema Único de Saúde (SUS) do país. Levantamento feito por especialistas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) apontou que cada R$ 1 investido pelos governos em saneamento básico economizaria R$ 4 em custos no sistema de saúde, além, claro, de poupar muitas vidas.

Foto: UN Photo/Eskinder Debebe 

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/planeta-agua/