sábado, 22 de julho de 2017

CABALÁ DO MEIO AMBIENTE - Considerações Finais (Por ELIAS SILVA)


6. Considerações Finais:

Como visto nesse ensaio, a Cabalá é a alma da Torah e representa a sua parte mística. Em essência, ela traz profundos ensinamentos de como viver em sintonia com o Criador e com a sua Criação – que também é Ele -, pois a pessoa que a estuda e a aplica em seu cotidiano passa a perceber que tudo tem sentido, mesmo uma folha que cai de uma árvore.

Afinal, quem nunca se perguntou quem sou, de onde venho, para onde irei após a morte, por que existo, entre tantas questões que nos dizem respeito? A Cabalá pode preencher esse vazio que nos acompanha, mas o seu estudo exige muita disciplina.

Vale também dizer que o estudo, em si, poderá de pouco adiantar, caso a pessoa não esteja preparada (disponível e disposta espiritualmente) para absorver o seu amplo conteúdo, não só pelos vários conceitos e ideias lá contidos, mas pelos termos em hebraico (é desejável o conhecimento do idioma e da tradição judaica). Tão pouco se o interesse residir apenas numa mera aquisição de conhecimento, conhecida como instrução ou “educação” intelectual. Isso até pode se constituir no interesse inicial da pessoa, porém será necessário que ela amplie o nível de conhecimento, caso realmente queira crescer espiritualmente. 

Assim, para as pessoas realmente interessadas (judeus ou não), uma recomendação importante é começar aos poucos e adquirir o hábito de refletir com calma sobre o que leu ou assistiu (há materiais escritos e em vídeo em vários idiomas), já que isso lhe proporcionará, em muitas situações, relacionar o tratado com fatos inclusive práticos. Essa particularidade motiva a pessoa a continuar a leitura ou a assistir novos vídeos e, desse modo, avançar de forma consistente. Enfim, como dizem os matutos, “é melhor mastigar o guisado aos poucos para não engasgar”.

Posto isso, deve-se sempre ter em mente que o assunto é naturalmente “denso” e com muitas possibilidades de percepção e compreensão, a depender da personalidade de cada aprendiz, do seu real interesse e de sua vivência, o que tem requerido dos autores religiosos (rabinos) e de outros uma abordagem mais “light” para as obras direcionadas ao grande público, numa demonstração de grande inteligência e criatividade, exatamente para que diferentes pessoas possam captar a essência do material. Uma dessas estratégias de abordagem é tratar de temas pontuais, tal como modestamente apresento nesse ensaio, uma vez que aqui a relação da Cabalá se dá especificamente com os elementos ambientais (Meio Ambiente).

Nesses termos, espero sinceramente que a leitura do presente material tenha passado ao leitor o quanto os elementos ambientais – como parte da Criação – têm as nos oferecer em termos de ensinamentos e crescimento pessoal, uma vez considerada a possibilidade de se fazer analogias com a vida humana. Se isso foi logrado, caberá agora a cada um utilizar esse conhecimento em benefício próprio e de seu semelhante.

Shalom (paz)!



Professor Titular ELIAS SILVA*

* Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
* Especialista em Pesquisa e Fomento Regional e Empresarial da Atividade Agropecuária pelo Centro de Cooperação Internacional (CINADCO/Shefayim) do Ministério das Relações Exteriores do Estado de Israel (MASHAV)
* Membro do Clube Shalom do Brasil

segunda-feira, 17 de julho de 2017

CABALÁ DO MEIO AMBIENTE - Considerações sobre o Nível de Desenvolvimento Humano (Por ELIAS SILVA)


5. Considerações sobre o Nível de Desenvolvimento Humano (Falante) e Ensinamentos Extraídos: 

Conforme explicações contidas no item Considerações Iniciais, o nível de desenvolvimento humano se constitui, em terminologia acadêmica, no meio antrópico. Assim, com vistas a facilitar a percepção do exposto, a abordagem considerará os seus três componentes: o social, o econômico e o cultural.

Nesse sentido, é preciso perceber que esse item fará a ”confrontação” do ser humano consigo mesmo, o que significa dizer que não haverá, evidentemente, a necessidade de fazer paralelos (analogias) entre esse elemento ambiental (o homem) e a humanidade, tal como se procedeu nos itens anteriores (mineral, vegetal e animal). Portanto, a extração de ensinamentos se dará de forma direta, ao serem abordados os três componentes explicitados no parágrafo anterior.

Social:

Inicialmente, é preciso resgatar algo já tratado no item referente ao nível de desenvolvimento animado, isto é, o fato de que a nossa espécie pertence à Ordem Primates, que se caracteriza por possuir elementos com comportamento gregário. Portanto, está na nossa “raiz” biológica (no instinto) esse tipo de comportamento, ou seja, de viver em grupo. Todavia, no ser humano essa capacidade se diferencia de todos os outros animais, haja vista a sua racionalidade. Em outras palavras, ele não age desse modo apenas por instinto, mas também por esse diferencial de ordem cognitiva. É essa particularidade (mescla de instinto e racionalidade) que gera tanta complexidade nas relações humanas. 

Sob a perspectiva cabalística, esse comportamento social do ser humano se relaciona claramente com a seguinte mitsvá: amar o próximo como a si mesmo.   Isto é, a condição de seres gregários, em que os indivíduos necessitam se ajudar mutuamente para sobreviverem, é a maneira sutil pela qual Deus nos dá a possibilidade de cumprir esse mandamento. Por outro lado, todos sabem quão difícil é honrar esse mandamento, por conta de vivermos num mundo hostil e competitivo. No entanto, é preciso persistir com a prática do altruísmo, a fim de avançarmos espiritualmente, tal como apregoa a Cabalá.

Na prática, esse comportamento social do homem se dá de muitas formas, como por exemplo, entre os membros da família, na escola, no trabalho, em ambientes coletivos (no condomínio, no ônibus, etc.), entre tantas outras possibilidades. Uma das maneiras de organizar didaticamente esse comportamento seria a seguinte: relações formais (envolvem algum tipo de compromisso, como por exemplo, contrato ou outro mecanismo de vinculação das partes, no que poderíamos chamar de negócio) ou informais, sendo as primeiras normalmente pautadas em relacionamentos frios, em que a mente (a razão) assume o comando, enquanto as outras tendem a ser dominadas pelo coração (a emoção).

Quanto aos negócios (guesheft), é preciso refletir sobre um pensamento judaico: “o mais longo dos caminhos é o que leva ao bolso”. O que se quer dizer é que não há meios de se chegar ao bolso (figurativamente à maneira como lidamos com o dinheiro, com os negócios, com os compromissos financeiros etc.) sem fazer uma reflexão sobre a vida e seu sentido. De outra maneira: a relação com o bolso revela quem é a pessoa! Como se pode imaginar, o tema é complexo, já que essa relação com o bolso envolve não só a personalidade (o caráter), mas também a condição financeira da pessoa no momento, da experiência (boa ou má) que ela teve ao se envolver em negócios, entre outras variáveis.  Nesses termos, com a finalidade de mostrar como a Cabalá entende essa questão tão importante, na medida em que nos faz pensar sobre a vida e seu sentido, tal como expliquei acima, mencionarei três pontos que entendo fundamentais de serem abordados nesse ensaio. Eles serão considerados aqui (no item que trata do social), mas também poderiam ser contextualizados no próximo, qual seja, no tópico econômico, pois são temas altamente correlacionados. São os seguintes esses três pontos: parnassá (sustento, prosperidade), tsedacá (justiça social) e o roubo não apenas de dinheiro ou de algo que tenha valor monetário (algo físico).

Quanto ao primeiro, a Cabalá orienta que o importante é ter o sustento, que se entende como sagrado. Mais do que isso, entender que o sustento vem de Deus, por conta de nossas boas ações (nessa vida e nas anteriores), ainda que tenhamos sucessos e decepções em termos financeiros, já que não temos controle de tudo. De forma cabalística, poderia ser entendida como a garantia divina (a pessoa percebe e fica convicta disso) de que não vamos perecer, isto é, de que serão atendidas as nossas necessidades básicas e outras que se fizerem necessárias à nossa sobrevivência, desde que nos empenhemos. Assim, a pessoa conhecedora da dimensão espiritual do que estou a tratar, pode perfeitamente entender que ela adquire, naturalmente, confiança (muito mais que simples fé!) em seu Criador (e em si!), pois Ele é sabedor de suas necessidades e de seu mérito. Enfim, tudo virá a seu tempo, caso você seja merecedor. Vale o seguinte arremate: tudo vem Dele, porém caberá a você “correr atrás”, até pela responsabilidade assumida com o livre arbítrio.

Quanto à tsedacá, dada a importância do assunto, ou seja, de fazer justiça social, existem várias mitsvot que se relacionam a ela. Assim, mencionarei quatro, a fim de bem ilustrar o quanto a Torah (e consequentemente a Cabalá) valoriza esse tipo de comportamento: fazer caridade e ajudar o necessitado (para ele ter o que tinha antes, caso tenha se empobrecido); calibrar pesos e medidas de modo honesto; deixar o empregado que trabalha na terra comer do seu fruto; e devolver o penhor para o seu dono, quando ele precisar, retomando-o depois. Portanto, ao praticar justiça social, a pessoa cumpre mandamentos divinos, trazendo-lhe certamente muitos “créditos” em termos de parnassá. Talvez seja simplismo de minha parte, mas quem sabe sirva para muitas pessoas pensarem o seguinte: será que o seu insucesso financeiro, que tem lhe trazido tantos problemas de sustento, não estaria ligado à sua pouca prática de justiça social? Melhor ainda: seu problema de parnassá não seria na verdade de tsedacá?

Em relação ao terceiro ponto, é interessante compreender que o roubo (a subtração de algo do outro) não se restringe apenas a dinheiro ou a objetos que tenham algum valor monetário (por exemplo, um quadro, uma jóia ou um computador). Ele é muito mais abrangente do que as pessoas pensam! Segundo a Cabalá, envolve pelo menos outros quatro tópicos: roubo de tempo, roubo de informação, roubo de prestígio e roubo de expectativa. Darei alguns exemplos sobre eles: fazer uma pessoa esperar mais do que o necessário, tirando dela a possibilidade de tratar de outro assunto (roubo de tempo); sonegar uma informação a alguém que necessita dela para tomar uma decisão (roubo de informação); falar mal de alguém (fofoca, calúnia), de modo a prejudicá-lo em alguma atividade, mesmo que isso seja verdade (roubo de prestígio); e prometer algo que se sabe impossível de ocorrer (roubo de expectativa).  Como se pode imaginar, a situação pode se agravar com a sobreposição de um tipo de roubo em outro, de modo que a pessoa poderá ser lesada em vários aspectos, como por exemplo, perdeu tempo em demasia por conta de alguém (roubo de tempo), o que provocou o seu atraso em outro compromisso, ficando, desse modo, com a fama de irresponsável (perda de prestígio).

Enfim, para os propósitos desse ensaio, entendo que nos basta compreender dois pontos, que imagino serem os essenciais: há alta complexidade no processo e se trata de algo natural (espontâneo, por ser de ordem biológica).
Portanto, seriam os seguintes os ensinamentos básicos a serem extraídos nesse contexto:

- Dada a complexidade apontada, é preciso agir com cautela em todo tipo de relacionamento social, haja vista que nem sempre os nossos interesses (entenda-se aqui apenas os defensáveis sob qualquer perspectiva, seja legal, moral ou ética) serão os mesmos do interlocutor. No caso de relacionamentos formais, a problemática quase sempre se relacionará com direitos e deveres das contrapartes, exigindo de nós, então, cuidados para não entrarmos em “fria” e,ou prejudicarmos terceiros. Os informais, particularmente os de ordem sentimental, também necessitarão de toda a nossa ponderação e bom senso, já que podem deixar seqüelas emocionais para o resto da vida, por conta de eventuais ciúmes ou inveja, dentre outros possíveis sentimentos ruins.

- Obviamente, não é aconselhável a pessoa se isolar socialmente, pois isso não é natural, sem contar que lhe proporcionará perda de oportunidades em todos os sentidos (pessoais e profissionais). Assim, é importante que pessoas muito tímidas ou com alto grau de introspecção fiquem atentas, já que esse tipo de comportamento poderá condicionar os outros a terem restrições de convívio para com elas.

Econômico:

Para satisfazer as suas necessidades de bens e serviços, o ser humano implanta e conduz empreendimentos. Parte-se do princípio de que esses empreendimentos deveriam ser economicamente viáveis, ambientalmente corretos, socialmente justos e culturalmente aceitos. Todavia, isso nem sempre se efetiva, na medida em que ocorrem denúncias de trabalho escravo, prática de nepotismo, desvio de recursos por corrupção, entre outras mazelas humanas. Outras causas podem estar relacionadas a projetos mal concebidos, administrados e,ou fiscalizados, normalmente por incompetência, imperícia e,ou negligência.

Sabe-se que muitas dessas “necessidades” são criadas por ações de marketing, que, de forma sutil, conseguem incutir na cabeça das pessoas o consumo de produtos supérfluos e o acúmulo exagerado de artigos diversos. Também é comum o consumo desmedido por puro egoísmo e para se sentir melhor que o próximo, no que se traduz na velha e perigosa vaidade. Enfim, se consome (e se polui) mais do que o necessário, ademais de se incorrer em grave erro, ou seja, privatizar a satisfação (para poucos) e socializar os impactos ambientais negativos (para todos).

Para ilustrar o exposto, bastaria dizer o seguinte: já se provou que, caso se estendesse o nível de consumo de um típico cidadão do Primeiro Mundo para todos os habitantes do planeta, não haveria recurso natural suficiente para tal empreitada. Em outros termos, isso representa algo terrível, pois indica que alguns possuem muito mais do que o necessário, enquanto outros vivem na miséria. Numa linguagem clara, seria o seguinte: existem pobres porque existem ricos e vice-versa! Desse processo e de outros que se fundem, resulta a fome e toda sorte de desigualdades sociais, que são “o prato cheio” para certas pessoas se inclinarem ao mal, na forma de roubos, furtos, seqüestros, entre tantas atrocidades.  É evidente que isso não se justifica, mas não há como negar que essas desigualdades sociais impulsionam algumas pessoas para esses atos ilegais.

Nesse ponto, é bom que se esclareça que não se desconhece que os seres humanos são naturalmente desiguais, como por exemplo, quando se nasce em família abastada ou em uma que vive em favela.  Enfim, são as desigualdades que, a contragosto, encontramos no mundo e que, se existem, têm certamente o “dedo” de Deus, ainda que a nossa racionalidade não seja capaz de alcançar uma explicação.

No entanto, a Cabalá é clara e elucidativa sobre isso: Deus, na forma da Natureza, tem um Plano Mestre para o mundo, cabendo ao homem executá-lo. Em termos místicos, significa que essas desigualdades (originadas pelo egoísmo) precisam ser corrigidas pelo próprio homem para que se tenha um mundo melhor (entenda-se altruísta). Explico melhor: justifica-se a existência humana para que seja feito o conserto (a correção) do que está “errado”, o que credenciará ao homem adquirir o Conhecimento Superior e, desse modo, se aproximar verdadeira e consistentemente do seu Criador. Essa aproximação com Ele é que transforma a pessoa em doadora (altruísta) e não apenas em receptora (egoísta, que é a nossa natureza sem o conhecimento da Cabalá).

Para tanto, caberá a cada um de nós uma parcela de responsabilidade nesse “conserto”.  Aos judeus, conforme a Torah, estão definidos 613 mitsvot, sendo 248 preceitos positivos (são obrigações e correspondem ao número de membros do corpo humano) e 365 preceitos negativos (são proibições e correspondem ao número de dias no ano solar). Também em sintonia com a Torah, aos não-judeus estão reservados sete princípios, os quais são denominados de Sete Leis dos Filhos de Noé (Sheva Mitsvot Bnei Noach).

A título de ilustração e com a preocupação de apenas exemplificar as mitsvot mais relacionadas ao tema econômico, que é o item aqui abordado, lanço abaixo três exemplos para cada tipo, ou seja, de obrigação e proibição:

Obrigação:

Pagar no mesmo dia o salário do empregado diarista;
Aplicar as leis relacionadas a quem guarda um objeto mediante pagamento;
Aplicar leis relacionadas a heranças.

Proibição:

Não roubar;
Não desejar propriedades do próximo;
Não deixar de pagar dívidas.

De sua parte, são os seguintes os sete princípios a serem observados pelos não-judeus: 
não se rebelar contra Deus; 
não praticar idolatria nem servir intermediários entre o homem e Deus; 
não cometer assassinatos e tudo o que pode levar a isto; 
não cometer adultério, perversões sexuais e tudo o que pode levar a isto; não roubar e tudo o que pode levar a isto, inclusive roubos de idéias e seqüestros;
não comer partes de animais enquanto vivos e tudo o que se estende a isto; 
e estabelecer tribunais íntegros, legislar leis honestas e praticar a justiça, o que inclui a caridade.

Com base no exposto, o ensinamento fica subentendido do seguinte modo: caberá aos judeus observar integralmente as mitsvot e aos não-judeus os sete princípios explicitados anteriormente.

Cultural:

Conforme a Cabalá, o primeiro nível de desejo se refere aos elementos físicos, tais como o alimento (a comida, a água etc.), o sexo (a procriação), a família (o grupo) e o lar (o hábitat). Esses são os desejos mais básicos, compartilhados por todas as criaturas vivas. Diferentes do primeiro nível dos desejos, todos os outros níveis são exclusivamente antrópicos e provém de estarmos em uma sociedade humana. O segundo nível é o desejo por riquezas; o terceiro é o desejo por honra, fama e domínio, e o quarto nível é o desejo por conhecimento.

Com base nisso, fica fácil perceber que o desejo (o impulso) do homem por conhecimento é o mais nobre (elevado), pois indica que a pessoa já tem suas necessidades básicas satisfeitas e, assim, se encontra em melhores condições para progredir culturalmente, o que a leva a uma melhor compreensão do mundo em que vive e, por consequência, a crescer espiritualmente. Poderíamos dizer que se trata da fase de amadurecimento da personalidade, ou seja, quando o indivíduo sabe o que quer, mas também o que não quer.

É bom esclarecer que esse conhecimento permeia todo o campo de ação humana, a depender da inclinação da pessoa para uma área de interesse ou outra. Desse modo, um tipo de conhecimento que merece ser destacado é o científico, notadamente quando há possibilidade de ser relacionado com o conhecimento místico (religioso ou outro termo que melhor o defina), tal como procurei aqui fazer, pois podem ter convergências. 

Sendo assim, não é por acaso que o ser humano desenvolveu, ao longo do tempo, e por intermédio de várias civilizações, uma série de atividades culturais, dentre elas o cinema, o teatro, a música, a poesia, entre tantas expressões artísticas.

Portanto, o ensinamento a ser extraído desse contexto é o seguinte: valorizarmos, tanto quanto possível, o interesse das pessoas por conhecimentos, assim como apoiar todas as iniciativas voltadas à geração e à difusão de expressões culturais, principalmente para as pessoas com maior dificuldade de acessá-las por conta de limitações financeiras ou de qualquer outra ordem.

Continua no próximo post






Professor Titular ELIAS SILVA*

* Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
* Especialista em Pesquisa e Fomento Regional e Empresarial da Atividade Agropecuária pelo Centro de Cooperação Internacional (CINADCO/Shefayim) do Ministério das Relações Exteriores do Estado de Israel (MASHAV)
* Membro do Clube Shalom do Brasil



segunda-feira, 10 de julho de 2017

CABALÁ DO MEIO AMBIENTE - Analogias do Nível de Desenvolvimento Animal (por ELIAS SILVA)

4. Analogias do Nível de Desenvolvimento Animal (Animado) com o
Homem e Ensinamentos Extraídos:

Tal como explicado no item anterior, as analogias aqui estabelecidas completam a abordagem do meio biótico, pois agora serão consideradas as outras formas de vida, ou seja, os animais e os microrganismos, que se subentende como sendo os elementos constituintes do nível de desenvolvimento animado.   Os animais serão os primeiros a serem considerados e depois os microrganismos, esses últimos de forma generalizada.

Como se sabe, os animais estão reunidos no Reino Metazoa e abrangem algo em torno de um milhão de espécies. Assim, há grande diversidade entre eles, se considerado o porte, o nicho ecológico a que pertencem e o habitat que ocupam, entre tantas variáveis. Por isso, a nossa compreensão sobre eles respeitará essa complexidade, o que implica dizer que serão entendidos de forma geral, a não ser que alguma particularidade necessite ser destacada para que as analogias com os seres humanos sejam estabelecidas com maior clareza.

Em sintonia com o relatado acima, percebe-se que existem vários tipos de animais, entre eles os seguintes: os silvestres (exemplares de espécies nativas de uma dada região), os selvagens (indivíduos que vivem por conta própria na natureza, podendo ser de espécie silvestre ou exótica na região); os exóticos (exemplares da fauna de outra região e que foram introduzidos numa nova, de forma acidental ou intencional); os domesticados [indivíduos de espécies que outrora eram silvestres numa dada região e que, com o passar do tempo e pela utilidade ao homem, se tornaram animais de criação (para alimentação ou força de trabalho) em ambientes externos às moradias: boi, cavalo, cabra, galinha etc.]; os domésticos [exemplares de espécies que outrora eram silvestres numa dada região e que, com o passar do tempo, se tornaram animais de estimação (xerimbabo), em grande parte sob intenso convívio humano e vivendo dentro das moradias: pássaros canoros, peixes de aquário, cães, gatos etc.]; os vertebrados; os invertebrados; os migratórios; os não-migratórios (residentes); os endêmicos (exclusivos de uma dada região); os terrestres; e os aquáticos.

Dada a pertinência do tema com o Judaísmo, e por consequência com a Cabalá, será acrescentado mais um item a essa complexidade presente no reino animal. Trata-se dos animais casher (kosher), enfim, aqueles que a Torah permite que o povo judeu utilize como alimento, a partir de ritual de abate e preparação do produto desde que sejam observadas as Leis Alimentares do Judaísmo (Cashrut, Kashrut). São eles: ruminantes com casco fendido (visualmente divididos em duas partes); peixes com escamas e barbatanas; e aves domésticas (nunca as de rapina). Alguns exemplos: vaca, cabra, ovelha, galinha, pato, ganso, peru, atum, salmão e carpa. A abelha não é casher, porém o seu mel pode ser consumido, pois não representa uma excreção dela. Ressalta-se que a liberação de qualquer produto de origem animal (ou vegetal) com selo casher (kosher) só é possível mediante rigorosa supervisão rabínica ortodoxa.

Como se pode imaginar, o caso dos animais casher é particularíssimo e necessita de abordagem específica. Como dizem respeito às Leis Alimentares do Judaísmo, que evidentemente precisam ser observadas com rigor, já que foram determinadas por Deus ao povo judeu, fica claro que o tema tem ligação com o sagrado. Portanto, entendo que o paralelo mais evidente com a vida humana se refere àquelas pessoas que destacamos das outras por terem algo especial. Sob a perspectiva mística, seriam aquelas pessoas que percebemos terem algo que as outras não têm, o que nem sempre conseguimos explicar de modo racional. Não necessariamente pertencem à nossa família, sendo às vezes nossos professores, nossos amigos ou nossos orientadores espirituais. Em alguns casos, dadas as facilidades de comunicação hoje existentes, só passamos a “conhecê-las” pela mídia. Enfim, há uma ampla gama de possibilidades de encontrarmos essas pessoas. De todo modo, todas têm algo em comum, isto é, nos tocam profundamente no coração e na mente e nos dão a clara sensação de que podemos nos “alimentar” (dos seus conhecimentos, dos seus sentimentos, dos seus valores, dos seus comportamentos, das suas ideias) delas de forma segura. Enfim, o ensinamento aqui contido se refere a envidar todo o esforço possível, no sentido de perceber quem são essas pessoas, para que se possa efetivamente destacá-las e valorizá-las em nosso convívio. Se lograrmos sucesso nessa empreitada, é lógico que iremos ascender espiritualmente, tal como se entende quando a pessoa observa a Cashrut.

Outro paralelo que pode ser estabelecido entre os animais e a humanidade diz respeito à utilidade. Sabe-se que os animais mantêm inúmeras relações benéficas com a humanidade. Para que fique mais claro, essas relações serão apresentadas sob quatro vertentes: ecológica, econômica, recreativa e científica. A primeira, se considerarmos que os animais pertencem a cadeias e teias alimentares, onde o homem também se posiciona, bem como que vários são polinizadores e dispersores de propágulos vegetais (sexuados ou assexuados). A econômica é óbvia, já que dos animais pode-se consumir carne, leite e ovos, entre outros inúmeros produtos, sem contar a utilidade de alguns deles em diferentes tipos de trabalho (por exemplo, na aração de terras com bois). A recreativa, pela possibilidade de avistá-los na natureza (por exemplo, em trilhas interpretativas), em zoológicos e em circos. A última, dada a utilidades deles em experiências científicas (evidentemente as que seguiram protocolos de bioética), algumas inclusive de grande importância para o ser humano, notadamente as realizadas com mamíferos, pela maior proximidade genética conosco. Enfim, os animais nos ensinam a sermos benevolentes e úteis aos nossos semelhantes.

De sua parte, outro ponto que também merece paralelo com a vida humana é o fato dos animais manterem relações com indivíduos da mesma espécie (homotípicas, por exemplo, acasalamento, amamentação) ou não (heterotípicas, por exemplo, amensalismo, comensalismo), sinalizando para a importância de nos abrirmos ao mundo e seguirmos em busca do melhor para as nossas vidas. Enfim, em sermos ativos e interagirmos com o meio em que estamos inseridos. O mesmo raciocínio pode ser feito se considerarmos o processo que muitos animais cumprem: a migração, às vezes até de um continente ao outro (caso de algumas tartarugas marinhas e de várias aves), a fim de darem conta de seu ciclo vital.  Poderíamos até dizer que, no bom sentido, se trata de uma “ousadia”! Numa linguagem popular: “correr atrás do prejuízo”.

Um caso bem interessante de relação homotípica diz respeito aos animais denominados de sociais, dentre eles invertebrados como abelhas, formigas e cupins, bem como vários tipos de vertebrados (elefantes, gorilas e suricatos etc.). Nesses há uma complexa organização social, com funções bem definidas para todos os membros da população, conforme o grupo (de reprodução, de defesa, de busca pelo alimento etc.) a que pertencem. A título de exemplo, tomemos o caso bem conhecido das abelhas melíferas: como se sabe, em cada colméia existem cerca de 60 mil indivíduos, a qual conta com uma só rainha, dezenas de zangões e milhares de operárias, sendo os dois primeiros responsáveis pela reprodução e as últimas pela fabricação do mel, da própolis e da geléia real, além da defesa de todos.  Portanto, se até mesmo entre animais irracionais (se pautam apenas no instinto) existe a “preocupação” em se organizar, com vistas a ter êxito na vida, imagine para o ser humano? Desse modo, o paralelo com a vida humana se refere à desejável preocupação que algumas pessoas têm de planejar as suas tarefas ao longo da vida. Assim, entendo que o aprendizado se relaciona a adquirir o bom hábito de planejar e definir funções em tudo quanto seja cabível, notadamente no campo empresarial, para que se tenha efetivamente capacidade organizativa. É óbvio que essa situação credencia a pessoa a ter maior possibilidade de realizar tarefas a contento, se comparada àquelas que agem puramente pelo instinto.

Ainda no campo das relações homotípicas, merecem registro as espécies animais (por exemplo, as abelhas e as formigas cortadeiras) que se caracterizam pela síntese e liberação no meio ambiente de certos tipos de feromônios, dentre eles o sexual e o de defesa (no caso das formigas é também chamado de trilha). Subentende-se então, que são substâncias químicas com funções específicas, as quais podem ser percebidas pelos indivíduos daquela espécie e, desse modo, provocar um comportamento reativo (individual ou de todo o grupo, conforme o caso). Sendo assim, a meu ver, o paralelo com a vida humana se relaciona com as pessoas que nos deixam “sinais“ (a Ciência Moderna já fala abertamente em feromônio humano) ao longo da vida. Isso não necessariamente se conecta com a questão da atração sexual (feromônio sexual) entre parceiros, mas, dada a complexidade da psique humana, também com o que poderíamos chamar de “feromônios espirituais” (por exemplo, mensagens de cunho religioso enviadas por outros que nos confortam e nos acalmam, num claro comportamento reativo) e “feromônios intelectuais” (por exemplo, quando entendemos o que estão a nos explicar), dentre tantos outros possíveis. Enfim, imagino que o ensinamento aqui contido se refira a nos examinarmos constantemente, a fim de “exigirmos” mais de nós no que tange à sensibilidade para identificarmos e reagirmos corretamente quando percebermos essas mensagens que nos chegam. Se assim fizermos, creio que teríamos maior prazer em viver e em se relacionar com o próximo, pois estaríamos aproveitando melhor as oportunidades que a vida nos reservou.

Os ameaçados de extinção também merecem consideração nesse ensaio, pois representam, no paralelo com a vida humana, as pessoas com comportamento único (“raras”, por terem personalidade marcante) ou com comunidades endógenas (normalmente possuem número reduzido de pessoas), como por exemplo, quilombolas e etnias indígenas.  Desse modo, deveríamos reconhecê-las, valorizá-las e protegê-las de todas as formas, exatamente por serem únicas, o que significa que se constituem em relíquias antrópicas. Caso desapareçam ou se descaracterizem (por aculturação), pode-se estar perdendo algo insubstituível! Enfim, aqui se aprende o respeito ao outro e ao seu modo de vida, bem como a ser ativo na proteção a pessoas “raras”. 

No que tange ao fato de alguns animais serem exóticos numa dada região, há claro paralelo com aquilo que já foi discutido para as plantas introduzidas em um novo ambiente. Lá, se explicou que a analogia com a humanidade é a seguinte: o fato de ser estrangeiro e de que forma isso interfere no relacionamento com o seu novo “habitat” (país). Portanto, não há necessidade de maiores explicações, sendo o seguinte o ensinamento a ser extraído:  tolerar e respeitar de modo incondicional o seu semelhante. 

Já o caso dos animais nativos, que se presume estarem biologicamente adaptados aos seus habitats originais, pode ser relacionado com pessoas que se sentem “donas do pedaço” (acomodadas). Isso pode se constituir em grande perigo para elas, pois esse espaço (profissional ou afetivo) pode ser “invadido” e ela sofrer consequências negativas. Então, o ensinamento seria: nunca se sentir confortável em qualquer situação, ou seja, exigir de si se “reinventar” e se tornar cada vez melhor (para si e para os outros).

As situações que envolvem os animais com potencial de nocividade (por exemplo, os peçonhentos, as pragas de lavouras e os vetores transmissores de doenças, entre eles os insetos que disseminam a dengue, a febre amarela, a zika, a chikungunya etc.) ao homem podem ser relacionadas com pessoas que se mostram “perigosas” sob algum aspecto (por exemplo, caluniadores, difamadores, invejosos, radicais, entre tantos outros comportamentos negativos). Nesse sentido, a meu ver, o ensinamento se refere a sermos cuidadosos no relacionamento com elas, no caso, procurando não dar motivos para que ajam de modo negativo para conosco ou com qualquer outra pessoa. Também verificar nossos atos, para saber se estamos agindo do mesmo modo para com os outros (é muito comum ver o veneno em alhures e nunca em si).

Em relação ao parágrafo anterior, o “antônimo” seria a consideração da docilidade de alguns animais para com o ser humano. O caso mais óbvio se refere ao relacionamento entre pessoas e cães (quantas vezes ouvimos que eles são os maiores amigos do homem?). Portanto, o paralelo estaria relacionado com as pessoas que nos amam e pelas quais também nutrimos bons sentimentos. Sendo assim, o ensinamento seria valorizar e se dedicar a essas pessoas.

Quanto aos animais que ocupam o topo da cadeia alimentar, onde naturalmente aporta menor quantidade de matéria e energia para os seus níveis tróficos, sabe-se que são excelentes estrategistas, o que nos remete ao paralelo com as pessoas inteligentes e criativas. Pelo exposto, o ensinamento seria o seguinte: utilizarmos todo o nosso potencial físico e intelectual para aprendermos a lidar com todas as situações, notadamente aquelas mais desafiadoras (por exemplo, crises financeiras, falta de recursos etc.). Se assim o fizermos, haverá maior chance de sobrevivermos. 

Também é possível estabelecer paralelo com a vida humana quando considerarmos o caso dos animais detritívoros, saprófagos e necrófagos. De modo geral, são os que se alimentam de restos orgânicos (às vezes de carcaças, isto é, de carniça), reciclando-os e retornando-os à cadeia alimentar para serem reaproveitados por outros organismos. A par da óbvia importância desses animais para o meio ambiente, que poderia ser traduzida pelo ensinamento de que devemos ser úteis à sociedade, entendo que o principal paralelo com o ser humano resida, lamentavelmente, num aspecto negativo. Refiro-me àquelas pessoas que têm apego às obscenidades e imundícies morais (figurativamente ao que não “cheira” bem). Uma das piores é certamente a prática da pedofilia, que infelizmente ainda ocorre em nossa sociedade. Nesses termos, imagino que o aprendizado se prende a ficarmos vigilantes e atentos ao comportamento das pessoas para conosco e principalmente para com as nossas crianças.

Quanto aos animais rastejantes (como por exemplo, os répteis e os anelídeos), a analogia está diretamente relacionada às pessoas submissas, as quais se submetem aos caprichos dos outros, num quadro reprovável sob a perspectiva da dignidade humana.  O ensinamento se relaciona a assumirmos o nosso papel na vida, ou seja, usufruirmos do nosso livre arbítrio, o que significa conviver com os outros sem se deixar dominar. Vale dizer que aqui não se trata de subordinação, algo comum em face de responsabilidades e atribuições definidas pela hierarquia a se respeitar, mas de submissão desmedida e com conotação patológica. Enfim, em casos em que há consentimento na humilhação sofrida, sem esboço de reação.

A dicotomia selvagem/doméstico também nos indica algo interessante. É fato que algumas pessoas são dóceis para conosco (“domésticos”) e outras se comportam de modo arredio (“selvagens”). A meu ver, o ensinamento seria nos perguntar por que agem assim conosco, pois a docilidade nem sempre é boa, já que pode indicar submissão (sujeição negativa) ou bajulação, enquanto o fato da pessoa ser arredia pode até sinalizar algo positivo (por exemplo, não quer te incomodar por boa educação). Enfim, há uma ampla possibilidade de comportamentos das pessoas para conosco e vice-versa, o que exigirá de todas constantes reflexões, a fim de se ter melhor convívio social. 

Quanto ao tema territorialismo (alguns animais delimitam território para satisfazer as suas necessidades vitais e, muitas vezes, entram em conflito com indivíduos da mesma espécie ou de outras por conta de defendê-lo), se pode fazer analogia com os casos de alelopatia provocados pelas plantas.  Figurativamente, esse tipo de comportamento poderia ser chamado de um “egoísmo” animal. Nesses termos, de forma similar ao reportado para as plantas, a analogia com a vida humana tangencia o seguinte: quando o ser humano tem o ego inflado (se mostra egoísta), a Cabalá menciona que a pessoa pode ficar deprimida e se sentir incapaz, sendo o suicídio o caso extremo, bem como pode se voltar contra os outros de diversos modos, como por exemplo, pela agressão verbal, pela agressão física e pelo caso extremo do homicídio. Então, aprendemos aqui que devemos ter consciência de assumirmos as rédeas das nossas vidas, ou seja, sermos responsáveis por aquilo que nos diz respeito, mas sem se esquecer de que o “sol nasceu para todos”, o que significa se esforçar para conseguir nosso espaço, mas com respeito aos outros.

A questão ligada à vocalização (chamada de zoofonia) que alguns animais fazem para atrair seus parceiros sexuais, caso dos anfíbios e de várias espécies de aves, é algo com grande conotação cabalística. Vejamos: a manifestação desse instinto se relaciona à continuidade (procriação dos indivíduos) daquela espécie, enfim, de não perecer aquilo que Deus criou originalmente, indicando que os animais são “parceiros” de Hashem (significa "O Nome", referindo-se ao Sagrado Nome de Deus) em sua Grande Obra. Como se sabe, de modo racional e não só por instinto, os humanos também fazem serenatas, mandam cartas de amor e tentam impressionar os seus amados com presentes. Sendo assim, acredito que se possa extrair daqui o seguinte aprendizado: se esforçar para encontrar os meios que te levarão a atingir o objetivo natural de qualquer ser, ou seja, marcar sua presença na Criação. Isso pode ocorrer de modo a se deixar descendentes, conhecimentos, exemplos de vida ou qualquer outro elemento que se mostre importante para a sociedade.

A variável relação macho/fêmea também precisa ser contextualizada, porque tem claro paralelo com a vida humana. Sob o contexto biológico, ela representa a proporção ideal entre indivíduos dos dois sexos para que ocorra a reprodução plena da população de uma determinada espécie. Em algumas espécies animais, essa proporção é de 1:1, ou seja, um macho para uma fêmea. Em outros casos, a relação envolve um (1) macho e mais de uma fêmea (por exemplo, para capivara criada em cativeiro ou na natureza pode chegar a 1:4 ou 1:5). Enfim, a analogia que entendo possível de ser estabelecida com o ser humano está relacionada com a fidelidade entre cônjuges (relação 1:1) ou infidelidade (> 1:1). Sendo assim, entendo que o ensinamento a ser obtido daqui seria o seguinte: o casal representa o ponto inicial de qualquer família e, portanto, a base dela, onde a fidelidade é de fundamental importância para a convivência sadia entre os cônjuges e os demais membros, no caso os filhos e os que daí decorrerem (genros, noras e netos). Ademais, existem duas mitsvot que tratam categoricamente do tema, isto é: não ter relação sexual com a mulher do próximo e não deve uma mulher ter relação sexual fora do casamento

Interessante também é tratar nesse ensaio do caso dos animais aprisionados, seja em criadouro comercial (normalmente para abate ou extração de algum produto com valor monetário) ou sob qualquer tipo de clausura (gaiolas, jaulas, muros, cercas etc.). Nesse sentido, entendo que o paralelo com a vida humana diz respeito aos presidiários ou a qualquer pessoa que esteja sob domínio de alguém (como por exemplo, escravidão, assédio e dominação de todo tipo). Enfim, o aprendizado contido nessa situação certamente se relaciona à compaixão que devemos ter para com essas pessoas, independentemente do caso (como por exemplo, o de um presidiário reconhecidamente culpado de delito grave). Ademais, em sendo possível, e a depender obviamente da situação (só as com base legal e aceitas moral e eticamente), envidar todos os esforços para que a situação seja revertida. 

Por sua vez, o dimorfismo sexual (a diferença marcante entre machos e fêmeas de algumas espécies animais, principalmente entre aves) também se mostra interessante de se ter em conta nesse ensaio. Tal como sabemos, essa diferença também ocorre em nossa espécie, não só no contexto da aparência física, mas principalmente no comportamento. Afinal, quem nunca percebeu que uma menina de 13/14 anos já pode ser mãe, enquanto um rapazola dessa idade está a soltar pipa por ai? Na vida judaica isso é bem marcante, uma vez que as moças cumprem a Bat Mitsvá (literalmente “Filha do Mandamento” em hebraico; solenidade de apresentação da moça à sociedade israelita) aos 12 anos, sendo que os meninos participam da Bar Mitsvá (“Filho do Mandamento”) apenas quando atingem 13 anos. Enfim, o ensinamento que se pode extrair daqui é respeitar e tolerar as diferenças entre as pessoas. 

Pelo fato de também serem primatas, e por consequência mais próximos dos humanos geneticamente, os símios, os macacos e os lêmures se constituem num grupo “especial” para nós. Se assim considerarmos, poderíamos estabelecer a seguinte analogia com a vida humana: é fato que existem pessoas (de nossa família ou não) que são especiais para nós, notadamente aquelas que amamos intensamente. Então, a meu ver, poderíamos obter o seguinte aprendizado dessa situação: valorizarmos e nos dedicarmos a essas pessoas de todo o coração e mente.

No que toca ainda aos primatas, sabe-se que se constituem num grupo em que praticamente todas as espécies apresentam comportamento gregário (vivem de forma agrupada, pois necessitam da convivência com outros membros do bando para sobreviverem), sendo a única exceção (não aceita por todos os cientistas) o orangotango. Vale dizer que essa situação também pode ser encontrada em outros tipos de animais, como por exemplo, nos leões e mustelídeos (lontras, ariranhas etc.).  Pelo fato do homem ser primata, ele também se comporta desse modo, o que já estabelece a analogia que sempre faço com a vida humana para os diferentes itens abordados nesse ensaio.  Se entendido isso, fica fácil perceber que o aprendizado a ser tirado daqui estaria relacionado com o seguinte: valorizar a convivência com os nossos semelhantes, a partir do respeito a todo tipo de ocupação (função, ofício), pois cada pessoa exerce um papel único na sociedade. Enfim, por mais simples (na prática não valorizada em termos salariais ou de status social) que seja a ocupação da pessoa, ela é importante para o bom funcionamento da sociedade.

Para concluir as inferências sobre os animais, destaco agora o caso dos reconhecidos como de estimação (xerimbabo, de companhia), desde que bem cuidados (lamentavelmente ainda existem casos de maus tratos e abandono). De modo análogo ao abordado para as plantas de vaso, na prática passam a ser “membros” da família, dada a “intimidade” proporcionada pelos cuidados e pelo carinho que recebem dos seus donos. Um caso especial nesse contexto se refere aos animais utilizados para Tratamento Zooterápico, como por exemplo, cavalos utilizados em montaria, de modo a dar confiança a pessoas com limitações de coordenação motora. Portanto, o ensinamento que podemos extrair daqui se refere à necessidade de encontrarmos alguém (ou algo) que nos toque emocionalmente e com que valha a pena se ocupar. Enfim, à necessidade de termos amigos e amores verdadeiros! 

Quanto aos microrganismos, a divisão taxonômica mais encontrada nas fontes científicas é a seguinte: Reino Monera (bactérias, arqueas e algas azuis), Reino Protista (protozoários e algas eucariontes) e Reino Fungi (fungos elementares e fungos superiores). Já os vírus não têm classificação definida, pois são acelulares. Todavia, apesar das divergências entre os cientistas quanto à classificação desses seres, eles possuem alguma coisa em comum, no caso dois aspectos, que são os efetivamente interessantes para o presente ensaio: só podem ser observados em microscópio (são diminutos) e foram os precursores da vida no planeta Terra. Um terceiro ponto pode ser acrescido, mas não generalizado, que é o fato de terem o potencial de provocar doenças em seres humanos (por exemplo, pelo vírus da AIDS), em outros animais e mesmo em vegetais, bem como em serem úteis à humanidade (por exemplo, lactobacilos vivos, que auxiliam nossa digestão).

Sobre o fato de serem diminutos, há possibilidade de paralelo com a humanidade se imaginarmos as pessoas que não conseguimos notar (passam despercebidas) em nosso cotidiano, mas que podem nos trazer problemas ou mesmo soluções. Se pensarmos nos microrganismos em geral, não os notamos a olho nu, porém alguns têm o potencial de nos provocar doenças (problemas, por exemplo, infecções virais ou bacterianas) ou serem usados em algum processo fabril (soluções, por exemplo, para fermentação da uva de modo a preparar o vinho). O mesmo caso pode ocorrer se considerada as inúmeras relações existentes entre humanos. Vejamos duas situações hipotéticas, pelo lado bom ou mau, respectivamente: na condição de superior dela hierarquicamente, não notávamos (passava despercebida) uma pessoa em nosso trabalho, mas em uma reunião percebemos a sua capacidade oral e de redação, o que pode nos levar até a promovê-la; e outra que também não notávamos, mas que se mostrou explosiva nessa mesma reunião, chegando inclusive a nos ofender, o que pode nos obrigar a demiti-la. Enfim, com base nessas explicações entendo que o ensinamento reside em procurar observar os nossos semelhantes e perceber as suas virtudes e limitações, a fim de melhor conviver com eles e não se frustrar.

A questão de serem precursores da vida na Terra encontra paralelo com aquilo que já foi explicado para o caso das plantas. Enfim, por suas atividades metabólicas e em conjunto com outros fenômenos naturais os microrganismos possibilitaram o surgimento de outras vidas em nosso planeta, incluindo a humana. Assim, o ensinamento a ser obtido seria: sermos gratos e os respeitarmos por serem mais “velhos” que nós.

Quanto ao fato de alguns terem o potencial de provocar doenças, (nos surpreender negativamente) ou serem úteis (nos surpreender positivamente), considero que já foi contextualizado no parágrafo que precede ao anterior.


Continua no próximo post






Professor Titular ELIAS SILVA*

* Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
* Especialista em Pesquisa e Fomento Regional e Empresarial da Atividade Agropecuária pelo Centro de Cooperação Internacional (CINADCO/Shefayim) do Ministério das Relações Exteriores do Estado de Israel (MASHAV)
* Membro do Clube Shalom do Brasil



segunda-feira, 3 de julho de 2017

CABALÁ DO MEIO AMBIENTE - Analogias do Nível de Desenvolvimento Vegetal (Por ELIAS SILVA)

3. Analogias do Nível de Desenvolvimento Vegetal (Vegetativo) com o Homem e Ensinamentos Extraídos: 

Como subentendido no início desse ensaio, os vegetais (as plantas, a flora) constituem uma parte do meio biótico. Portanto, nesse item a analogia com o homem se dará especificamente com as plantas, ficando reservado o próximo para tratar do nível de desenvolvimento animado, que inclui as outras formas de vida: os animais e os microrganismos (bactérias, arqueas, algas azuis, protozoários, algas eucariontes, fungos e vírus). Desse modo, o meio biótico ficará totalmente contemplado com a consideração desse item e do próximo.

Uma primeira analogia que se pode estabelecer com os vegetais (chamarei aqui simplesmente plantas) é o fato de terem surgido antes dos seres humanos no planeta. Sem a preocupação de explicitar datas, pois as várias fontes apresentam números muito conflitantes, é fato inconteste que as plantas são mais “velhas” do que nós. Portanto, deveríamos respeitá-las por isso, o que estaria em consonância com o que foi ensinado pelos nossos pais, que nos diziam para respeitar os mais velhos (na verdade a todos). Desse modo, como já estavam no planeta antes de nós, deveríamos “agradecê-las” por terem participado do processo que criou, direta e indiretamente, as condições ecológicas para que um dia pudéssemos surgir nesse mundo. Se não fosse verdade, como poderíamos explicar a pirâmide ecológica, em que as plantas ficam na base e sustentam com matéria e energia tudo o que está acima (herbívoros, carnívoros e decompositores)? Portanto, quando você defender sua tese ou fechar um grande contrato, não deixe de perceber quantas plantas te sustentaram direta ou indiretamente. Sendo assim, para esse caso, os dois sentimentos que deveríamos nutrir pelas plantas (e pelos nossos semelhantes) são: respeito aos mais velhos e gratidão!

Em relação ao respeito aos mais velhos e à gratidão que devemos nutrir por eles, existem duas mitsvot (mandamento judaico, na forma de obrigação, sendo o singular mitsvá) que ilustram bem a situação, quais sejam: honrar pai e mãe e temer pai e mãe. Portanto, na própria Torah já se tem a sinalização para reverenciarmos aqueles que nos precedem, o que se faz aqui com as plantas.

Outra analogia possível de ser feita se refere ao fato de que as plantas possuem fototropismo positivo, ou seja, buscam sempre a luz e miram acima (o Alto, o Limite Superior, o Céu). Sabemos que muitas pessoas só “olham para baixo”, pois se sentem incapacitadas e inferiores aos outros, parecendo gostar da “sombra” e de que tenham pena delas! Portanto, aqui podemos aprender com elas a sermos determinados, resolutos e objetivos.

De sua parte, o fato de serem autotróficas demonstra que são criativas, engenhosas, produtivas, generosas e úteis. Vejamos: transformam o carbono atmosférico em biomassa, num processo extremamente complexo (criatividade, engenhosidade), e concomitantemente geram um produto essencial a várias formas de vida: o gás oxigênio (produtividade, generosidade, utilidade). Com base nisso, de forma análoga deveríamos nos esforçar para sermos úteis à sociedade (notadamente quando estudamos e conquistamos conhecimentos e títulos com dinheiro público), por meio de nossa inteligência e esforço, exatamente no sentido de provê-la com os insumos materiais e imateriais que necessita. Outro ponto a refletir é o fato de que, por serem autotróficas, são autossuficientes em termos da capacidade de produzirem o seu próprio alimento, o que nos ensina a sermos independentes o quanto possível. Em outras palavras, deveríamos assumir o controle de nossas vidas e não vivermos de modo submisso. Afinal, para isso o Criador nos deu o livre arbítrio!

O aprendizado sobre sermos úteis também pode ser obtido ao percebermos que as plantas protegem o solo das intempéries, minimizando o seu desgaste. Bem assim, pelo fato de prestarem diversos serviços ecossistêmicos, tais como, controle da poluição aérea, pela absorção de gases tóxicos pelos estômatos e adsorção de particulados em sua superfície aérea; indução à infiltração no solo da água precipitada; oferecimento de sombra e embelezamento da paisagem; proteção à fauna silvestre; entre outros. Mais evidente esse aprendizado fica quando tomamos em conta o fato de permitirem o seu uso direto, na forma de lenha, látex, resina, frutos, sementes, princípios ativos para remédios etc.  

Outro ponto que merece destaque ainda sob a perspectiva da utilidade, é o caso das plantas utilizadas em rituais religiosos (por exemplo, arruda, mirra, sândalo e espada de São Jorge), numa demonstração inequívoca de que “induzem” as pessoas a sentirem que possuem centelha divina, talvez pelo odor que desprendem ou pela forma que assumem. Tanto é verdade, que existem plantas consideradas sagradas para certos povos, como o caso da sálvia branca para os índios norte-americanos. Esses casos nos remetem a pensar que as plantas também foram colocadas no mundo para servirem de intermediárias entre a humanidade e Deus. Enfim, nos permitem (“ensinam”) indiretamente estabelecer conexão com Ele. Nesse sentido, é certo que o exemplo mais contundente se encontra na própria Torah, mais precisamente no Livro de Êxodo (Shemot), quando Deus estabelecia conexão com Moisés por meio de uma sarça (Acacia nilotica) ardente.

Apesar da inegável utilidade das plantas, é preciso considerar a existência de algumas espécies que são catalogadas como “daninhas”, a que prefiro denominar de competidoras, dentre elas a conhecida tiririca (Cyperus rotundus). Elas normalmente possuem potencial para se tornar pragas e, desse modo, podem limitar drasticamente a produtividade de cultivos agrícolas, bem como de pastagens e projetos florestais. Se isso ocorre, há real possibilidade desses projetos se tornarem inviáveis economicamente. 

Compreendido isso, a analogia com a vida humana, sob a minha ótica, se refere ao fato de que, às vezes, nos deparamos com pessoas que se tornam agressivas, maldosas e nos causam prejuízos de toda ordem. O aprendizado seria o seguinte: sermos cautelosos no trato com as pessoas, para que possamos analisá-las com a devida atenção, a fim de não nos surpreendermos com fatos negativos por elas provocados, a nós ou a terceiros. Do mesmo modo, precisamos nos examinar para saber se também não estamos agindo como uma “praga” para com os nossos semelhantes.

Um aspecto bem interessante é a analogia que se pode fazer entre a família (nossa base genética e fonte de valores e sabedoria) e o solo ou uma superfície líquida (base física das plantas terrestres ou aquáticas e fonte de nutrientes e água). Enfim, aprendemos aqui que precisamos ter apoio e alicerce na vida, a fim de suportarmos as dificuldades inerentes à existência humana, onde a família desempenha papel fundamental.

Como todo ser, as plantas mantém relações com os outros elementos do meio (ar, água, solo, outras plantas, animais irracionais, microrganismos e ser humano), o que nos remete a pensar o quão importante é “abrir-se” ao mundo e conquistarmos nosso espaço. Aqui se nota a importância de sermos ativos, bem como receptivos aos outros.

Nesse contexto de relacionamento com o meio, é fato que podem surgir problemas para as plantas, tais como, parasitas, doenças e competição, entre outros. Todavia, são situações inerentes à vida vegetal e, por extensão, a qualquer organismo, o que implica dizer que precisamos seguir em frente, mesmo quando a situação não é a ideal. Enfim, aprendemos aqui o quão importante é o poder de superação e a “luta” pela vida. De outra parte, há também relacionamentos benéficos com o meio, entre os quais a simbiose com fungos micorrízicos e com as bactérias nitrificantes, numa demonstração de que a natureza permite às plantas encontrar parceiros “interessados” em seu bem-estar. Não seria esse o caso quando encontramos na vida pessoas/instituições que nos apóiam e pelas quais sentimos a necessidade moral de agirmos em reciprocidade? Pelo exposto, entendemos que as plantas nos ensinam a importância de sermos éticos e gratos aos outros!

Ainda em relação ao tema relacionamento das plantas com o meio, um aspecto sutil e interessante diz respeito a casos de alelopatia, que, como sabemos, podem ocorrer de forma intraespecífica e interespecífica. Na verdade, a alelopatia envolve um processo que tem objetivo bem claro: reduzir ou eliminar a competição. Sendo assim, se considerarmos as plantas, poderíamos dizer que se trata de um “egoísmo vegetal”.  De modo análogo, quando o ser humano tem o ego inflado (só pensa em si), a Cabalá menciona que a pessoa pode ficar deprimida e se sentir incapaz (intraespecífica), sendo o suicídio o caso extremo. Também pode se voltar contra os outros (interespecífica) de diversos modos, como por exemplo, pela agressão verbal, pela agressão física e pelo caso extremo do homicídio. Enfim, aprendemos aqui que devemos ter consciência de assumirmos as rédeas das nossas vidas, ou seja, sermos responsáveis por aquilo que nos diz respeito, mas sem se esquecer de que o “sol nasceu para todos”, o que significa se esforçar para conseguir nosso espaço, mas com respeito aos outros.

Vale ainda perceber que, quando do relacionamento com os elementos do meio, as plantas passaram a dispor, por meio do processo evolutivo (em outros termos, pela criação contínua de Deus de sua obra), de estratégias extremamente criativas, sendo alguns exemplos os seguintes: a liberação de odores agradáveis e a coloração chamativa de folhas e flores para atraírem potenciais polinizadores; a anatomia “traiçoeira” dos vegetais carnívoros para capturar presas; o aumento da concentração de clorofila nas partes mais expostas à luz solar; e a perda de folhas em épocas secas para mitigar estresse hídrico. Disso resulta que deveríamos usar toda nossa inteligência e esforço para desenvolvermos estratégias no sentido de termos o melhor desempenho possível em tudo quanto nos caiba, notadamente em situações de crise ou de escassez de recursos. Se assim agirmos, haverá maior possibilidade de sobrevivermos, notadamente num mundo competitivo como o que vivemos.  Assim, se pensarmos no cenário profissional, procure ser criativo e colocar em prática todo o seu potencial intelectual e esforço.

Essa criatividade acima reportada pode ser bem exemplificada se tomarmos o caso das plantas que possuem espinhos ou acúleos. A par da diferença entre essas estruturas, qual seja, a de que somente os primeiros são vascularizados, deve-se perceber que ambos têm a capacidade de “intimidar” e “repelir” intrometidos (por exemplo, animais que fariam herbivoria). Nesses termos, as plantas nos ensinam a importância de sermos precavidos, ponderados, estrategistas e espertos, a fim de sobrevivermos. Poder-se-ia dizer até com algum grau de malícia. É claro que isto não significa sermos agressivos e hostis com os nossos semelhantes ou com qualquer outro ser, mas sim em termos o discernimento para identificarmos e evitarmos situações em que seriamos “usados”, às vezes até para praticar o mal e prejudicar inocentes.

Também é interessante contextualizar o caso da adaptação de certas plantas a ambientes que não apresentam as condições ideais ao seu desenvolvimento, como por exemplo, o caso das ervas ruderais ou das que vivem em dunas (ficam sujeitas a constantes ventos e às marés). Enfim, são plantas que conseguem sobreviver em locais inóspitos, o que demonstra a sua capacidade de adaptação. De novo surge o “ensinamento” de que devemos desenvolver estratégias para sobrevivermos em situações difíceis.

A capacidade das plantas de colonizar novos espaços, por meio da dispersão de propágulos sexuados e assexuados, nos passa o exemplo de que devemos ser proativos e buscarmos novos horizontes. Para tanto, necessitaremos de confiança e arrojo, pois há o risco inerente de não ocorrer o desejado sucesso. Vejamos: acaso não é verdade que muitas sementes dispersadas sequer chegam a germinar, seja porque aportaram em solo inadequado ou por terem sido consumidas por animais, dentre outras possibilidades? Portanto, as plantas nos ensinam que devemos ser persistentes em nossos intentos.

O fato de muitas plantas rebrotarem também nos traz ensinamentos, pois demonstra que são capazes de se renovar, mesmo com reveses (corte do caule, passagem de fogo, entre outras possibilidades). Assim, quando tivermos contrariedades, não significa o fim, mas uma possibilidade de recomeço, talvez até para melhor. O ensinamento é claro: precisamos cultivar a persistência, mantendo a confiança inabalada.

Há também o caso de certas plantas que excretam substâncias repelentes ao toque/injúria (por exemplo, picada de inseto) ou que, se consumidas, podem até matar. Uma possibilidade de analogia talvez esteja ligada ao fato de que algumas pessoas agem sempre em retaliação, ou seja, não suportam qualquer observação ou crítica, mesmo quando se trata de algo construtivo. Em linguagem popular, é o chamado “dono da verdade”.  Essas pessoas tendem a se isolar e a serem mal vistas por todos, num verdadeiro “suicídio social”. Obviamente, o ensinamento aqui contido se refere a saber se defender, mas com argumentos consistentes e não com grosserias.      

Um caso bem interessante diz respeito ao processo de sucessão vegetal, no qual, por meio dos estádios serais, as plantas criam condições para que outras surjam. Desse modo, se estabelecem os estágios sucessionais pioneiro, intermediário, avançado e climáxico. O paralelo que se pode estabelecer com a vida humana é que as gerações se sucedem, mas deixam exemplos, testemunhos, conhecimentos e recursos para serem usufruídos pelos descendentes. Nesse sentido, em tese, se imagina que o ambiente posterior possuirá melhores condições de sobrevivência que o anterior, enfim, que os filhos terão uma melhor condição de vida se comparada a dos pais. A isso, o Judaísmo denomina de “sacrifício” de uma geração em favor da próxima, algo que certamente se prende com a quase automática relação entre a sabedoria da Cabalá e os pensamentos e  atos do povo hebreu. Portanto, se considerada especificamente a perspectiva ambiental, o ensinamento aqui contido se refere a usar de modo consciente os recursos planetários, a fim de que as próximas gerações também possam sobreviver. Como visto, a Cabalá se sintoniza perfeitamente com a visão de sustentabilidade (uso hoje, mas garanto que amanhã o recurso ainda estará disponível)!

O uso de plantas psicoativas (por exemplo, maconha, coca e papoula) é bem interessante de ser analisado. A analogia com a humanidade é que, a depender da intenção do uso e da dose, o resultado pode ser benéfico ou maléfico, qual seja, o de que podemos pender para o lado bom (a boa inclinação, conhecida em hebraico como yetzer tov) ou mau (a má inclinação, conhecida como yetzer hará) da vida, conforme direcionarmos o nosso livre arbítrio. Enfim, uma pessoa pode se comportar bem (usá-la como princípio ativo prescrito para combater determinada patologia) ou mal (usá-la para se drogar e consequentemente entrar numa “fria”). Sendo assim, o ensinamento aqui é bem claro: viver com responsabilidade e respeitar o próprio corpo. Na visão cabalística, é um dever da pessoa cuidar adequadamente do seu corpo, pois só assim atingirá o equilíbrio que a permitirá servir em plenitude a Deus! Isso é bem fácil de perceber na prática, na medida em que a pessoa enferma terá óbvias restrições de saúde para agir em todos os sentidos, seja para orar e cumprir os mandamentos divinos (em hebraico mitsvot) ou mesmo para se relacionar com o próximo.

Também podemos obter aprendizado se relacionarmos o endemismo (por essa situação podem se tornar raras e até ameaçadas de extinção) de certas plantas com aspectos da sociedade humana. Em outras palavras, as plantas que vivem exclusivamente em certos locais ou regiões podem ser comparadas àquelas pessoas com comportamento único (personalidade marcante) ou com comunidades endógenas, como por exemplo, quilombolas e etnias indígenas. Assim, deveríamos reconhecê-las, valorizá-las e protegê-las de algum modo, exatamente por serem únicas, o que significa que se constituem em relíquias antrópicas. Caso desapareçam ou se descaracterizem (por aculturação), pode-se estar perdendo algo insubstituível! Enfim, aqui se aprende o respeito ao outro e ao seu modo de vida, bem como a ser ativo na proteção a pessoas “raras”. 

Outra analogia possível se refere ao caso dos organismos (no nosso caso plantas) geneticamente modificados (OGM) ou que são transgênicos.  De forma sucinta, vale entender que organismo geneticamente modificado é um ser vivo que sofreu alguma mudança artificial em seu material genético, mediante manipulação da engenharia genética. A mudança pode ser apenas em alterações na estrutura ou na função do próprio material genético do organismo, mas sem a introdução de genes de outra espécie no original; então esse organismo é considerado somente um OGM. De sua parte, um transgênico é um OGM que recebeu uma parte do material genético de outra espécie.  Portanto, o transgênico é um tipo de OGM, mas nem todo OGM é um transgênico. No entanto, ainda que seja necessário se estabelecer essa diferenciação, é preciso considerar que, para ambos os casos, o objetivo é lograr um fenótipo superior (uma melhoria na resposta do organismo). 

Entendido o explicitado acima, a analogia mais óbvia entre uma planta transgênica e a humanidade está relacionada com situações em que pessoas recebem partes de outras, como por exemplo, órgãos transplantados e doação de sangue, o que implica dizer que precisam viver com algo “estranho”, ao menos num primeiro momento. Já o caso das plantas OGM pode ser relacionado com pessoas que, por estímulo externo (influenciada por terceiros: pais, professores etc.), passaram a ter um comportamento (fenótipo de cunho social) considerado mais adequado e aceito pela sociedade.  Com base no exposto, talvez o principal ensinamento que se possa extrair do caso da transgenia é que devemos admirar as pessoas que tiveram que se submeter a transplantes e transfusões de sangue, não só pelo sofrimento (físico e psicológico) que experimentaram e experimentam, mas pelo exemplo de vida que dão ao conviverem com a situação. Já o caso do OGM também reserva ensinamentos, na medida em que nos revela o quanto podemos crescer com a opinião e o exemplo alheios.

Ainda no que toca a alguma manipulação da planta com vistas a obter um melhor desempenho agronômico, um caso bem particular diz respeito à enxertia.  De forma objetiva, o caso parece ter maior relação com a transgenia, ou seja, com o fato de ter que se conviver com algo “estranho”, já que a planta enxerto (em linguagem agronômica o cavaleiro) se relacionará diretamente com a planta porta-enxerto (o cavalo). Evidentemente, não se trata de introdução de genes de outra espécie, mas é preciso ter em conta que envolve uma situação em que duas plantas conviverão intrinsecamente, quase como uma só. Isso sinaliza para o ensinamento de que, quando convivermos intimamente com outra pessoa (normalmente o cônjuge), necessitaremos reconhecer até onde vai o nosso espaço (o nosso limite de opiniões e ações). Enfim, será necessário reconhecer e respeitar o “espaço” do outro, o que permitirá uma convivência harmônica.  Isso é da maior importância, pois envolve a harmonia do casal, que, como se sabe, é o núcleo onde a família se estabelecerá.   É preciso deixar claro aqui que a prática da enxertia não é considerada casher (apta, adequada) pelo Judaísmo. Todavia, isso não exclui a possibilidade de se fazer as pretendidas analogias entre as plantas e a humanidade.

Outro caso extremamente interessante e curioso se refere às plantas com comportamento monóico (com flores unissexuais femininas e masculinas na mesma planta; portanto, o mesmo indivíduo poderia se comportar como macho ou fêmea) ou dióico (com flores unissexuadas femininas e masculinas em plantas distintas; portanto, o mesmo individuo tem apenas um comportamento sexual). Sem avançar no aspecto científico do caso e o que isso nos revelaria geneticamente, pois não se tem esse objetivo no presente ensaio, talvez a melhor analogia da presente situação com a humanidade se refira ao seguinte ponto: monóico (hermafroditismo humano) e dióico (heterossexualismo). Como se pode perceber, a analogia aqui estabelecida trata de tema complexo e que, para uma análise mais apurada, haveria certamente a necessidade de se recorrer a perfis profissionais de diversas especialidades, como por exemplo, médicos e cientistas sociais, fugindo completamente do nosso objetivo, qual seja, o de especificamente estabelecer relações entre características das plantas com o ser humano, e extrair daí algum aprendizado. Nesses termos, nos restringiremos a extrair o seguinte ensinamento: respeitar os outros, ainda que diferentes de nós.

Também é um tema interessante o caso da ocorrência de estratos entre plantas. Como se sabe, em um ambiente florestal é normal se encontrar três estratos bem definidos: o herbáceo, o arbustivo e o arbóreo. A ocorrência desses estratos desencadeia uma série de relações ecológicas entre as plantas que os compõem, muito influenciada pelo sombreamento e pela consequente interferência no padrão de temperatura e umidade do ambiente em que vivem. Desse modo, não é por acaso que se têm plantas heliófilas (mais dependentes de luz) e umbrófilas (menos dependentes de luz). Portanto, há que se perceber o quanto um estrato influencia o outro, o que nos permite fazer a seguinte analogia com a humanidade: as classes sociais e as suas inerentes relações. Nesse sentido, é preciso registrar que algumas são lamentavelmente desumanas (aculturação, dominação pela força, escravidão etc.), o que estaria a exigir retificação (correção na linguagem cabalística). 

Pelo exposto, fica o aprendizado de que não é possível evitar as inerentes interferências de uma classe social sobre a outra, até pelas desigualdades implícitas, todavia as suas relações precisam se pautar no respeito e na ética. Em uma linguagem mística, praticar o bem a quem quer que seja, tanto na condição de indivíduo quanto de membro de qualquer classe social. Afinal, como se diz no popular, ninguém é tão pobre que não possa doar (em todos os sentidos - financeiro, conselhos, exemplo de vida etc.) e ninguém é tão rico que não possa receber.  

A situação referente às plantas longevas (por exemplo, as sequoias) ou que sobrevivem por pouco tempo (normalmente as herbáceas) também permite estabelecer analogias com o ser humano. Assim, vamos encontrar casos de pessoas que faleceram muito jovens ou em idade avançada, o que nos faz refletir sobre a fragilidade e a transitoriedade humana. Enfim, o ensinamento é que somos simples criaturas e não temos controle de tudo, o que nos obriga a sermos humildes e valorizarmos cada momento dessa vida. Nesse contexto, o aprendizado também vai de encontro a sermos solidários e piedosos com as pessoas que perdem seus entes queridos, notadamente em situações inesperadas.

Outro caso em que é possível estabelecer paralelos é a situação observada em certos vegetais que demoram ou nunca produzem frutos (portanto, a possibilidade de se reproduzir). No mundo vegetal isso pode estar associado a inúmeros fatores, entre os quais não se ter o polinizador específico. Sob qualquer possibilidade que dificulte ou impeça o fato, entendemos que a analogia com a humanidade parece estar mais ligada às pessoas que encontram dificuldades (físicas, psicológicas, financeiras, entre outras) em deixar descendentes. Já num sentido holístico, tal como apregoado pela visão cabalística, poder-se-ia pensar em qualquer dificuldade que apareça para se produzir algo (por exemplo, conhecimento). Sendo assim, o ensinamento aqui contido é o de se esforçar para encontrar os meios que te levarão a atingir o objetivo natural de qualquer ser, ou seja, marcar sua presença na Criação. Isso pode se dar na forma de deixar descendentes, conhecimentos, exemplos de vida ou qualquer outro elemento que se mostre importante para a sociedade.

Um ponto que também merece consideração é o que trata das espécies exóticas (por exemplo, o eucalipto no Brasil). O paralelo com a humanidade é claro: o estrangeiro e como ele se relaciona com o seu novo “habitat” (país). Sendo assim, uma situação real é encontrada quando nos deparamos com nacionalismos exacerbados e xenofobia, hoje tão comuns pelo êxodo de pessoas de países pobres em direção à Europa. A que isso tem levado? Ao ódio e ao terrorismo! É evidente que isso é inaceitável e merece correção. Talvez essa correção possa começar pela procura em conhecer o outro, gerando, desse modo, a possibilidade do diálogo e consequentemente de se mudar de opinião, se convencido. Nisso o povo judeu é único e pode contribuir de forma significativa com a humanidade, via ensinamentos da Cabalá, pois a maior parte de sua existência se deu fora de Israel, o que implica dizer como o estrangeiro, o exótico e o diferente. Enfim, o ensinamento que se pode extrair daqui é a da tolerância e do respeito incondicional ao seu semelhante. 

Ao finalizar essas analogias, contextualizo aqui o caso das plantas cultivadas em ambientes internos, sendo as mais comuns as de vaso. Como se sabe, elas são cuidadas pelas pessoas em seus domínios (casas, apartamentos, condomínios etc.). Na prática, passam a ser “membros” da família, quase como os animais de estimação, dada a “intimidade” proporcionada pelos cuidados e pelo carinho que recebem. Desse modo, em muitos casos, profissionais das áreas de Psiquiatria e Psicologia já prescrevem a seus pacientes o chamado Tratamento Fitoterápico (não como chá, mas como passatempo). Ainda em relação a esse tópico, o mesmo raciocínio pode ser feito se tomarmos em consideração as plantas cultivadas em espaços externos, entre eles jardins, canteiros, praças e parques (a chamada arborização urbana), as quais normalmente são observadas e admiradas pelos transeuntes, numa verdadeira “higiene mental”. Portanto, o ensinamento que podemos extrair daqui se refere à necessidade de encontrarmos alguém (ou algo) que nos toque emocionalmente.


Continua no próximo post.






Professor Titular ELIAS SILVA*

* Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
* Especialista em Pesquisa e Fomento Regional e Empresarial da Atividade Agropecuária pelo Centro de Cooperação Internacional (CINADCO/Shefayim) do Ministério das Relações Exteriores do Estado de Israel (MASHAV)
* Membro do Clube Shalom do Brasil