sexta-feira, 30 de maio de 2014

Países precisam de medidas urgentes de adaptação às mudanças climáticas, diz IPCC

Os efeitos das mudanças climáticas já são percebidos e sentidos em diversos países e regiões do mundo, inclusive no Brasil. É necessário, portanto, que os governos comecem a implementar de forma urgente medidas de mitigação e adaptação para diminuir a vulnerabilidade de suas populações e de setores econômicos às variações do clima.
As conclusões são do Sumário para Formuladores de Políticas (SPM) do Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado nesta terça-feira (1º de abril) na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
O documento, com 44 páginas, é um resumo do relatório de cerca de mil páginas sobre impactos, adaptação e vulnerabilidades climáticas preparado pelo IPCC e apresentado no domingo em Yokohama, no Japão.
“O SPM foi escrito especialmente para os tomadores de decisão dos países”, disse José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos 1.719 autores do relatório geral. Marengo é o único representante brasileiro que redigiu a conclusão do sumário para formuladores de políticas.
“Uma das principais mensagens do documento é que as mudanças climáticas já estão acontecendo e afetando as populações. Não vamos precisar esperar mais 20 ou 30 anos para ver a ocorrência de eventos climáticos extremos, como inundações ou secas intensas e ondas de calor, como as que temos observado no Brasil nos últimos anos”, afirmou Marengo, durante o evento.
De acordo com o pesquisador, esses fenômenos climáticos extremos vivenciados neste e em outros países têm ajudado a entender a magnitude das variações do clima e estimulado as nações a adotarem medidas de adaptação.
O Brasil implantou um programa de agricultura de subsistência no Nordeste de melhoramento de plantas adaptadas às mudanças climáticas e tem se dedicado a conservar seus principais ecossistemas, como a Amazônia e a Mata Atlântica, por meio do estabelecimento de corredores biológicos.

O país, contudo, precisa implementar ações de adaptação permanentes, que solucionem, de forma definitiva, problemas relacionados às mudanças climáticas que afetam a população, segundo Marengo.
“A primeira etapa para a adaptação é reduzir a vulnerabilidade à exposição ao clima no presente e isso está acontecendo no Brasil de forma lenta”, avaliou. “A população no Nordeste é afetada frequentemente pela seca, um problema que sempre ocorreu na região.”
Algumas medidas de adaptação à seca que têm sido implementadas no Nordeste são a construção de cisternas para acumular a água de chuvas, exemplificou o pesquisador.
O problema, no entanto, é que, quando a seca perdura muito tempo, como tem acontecido na região nos últimos anos, não há como acumular água porque quase não há estação chuvosa, avaliou.
“A adaptação às mudanças climáticas têm de ser uma medida permanente. Não é algo que se resolve agora, sobre um determinado problema climático que afeta uma população, e depois, no próximo ano, se avalia o que pode ser feito caso o problema volte a surgir”, afirmou.
Diminuição da pobreza
De acordo com os pesquisadores autores do relatório, a capacidade de adaptação às mudanças climáticas dos países das Américas do Sul e Central nos últimos anos melhorou, em parte em razão de iniciativas implantadas por algumas nações, mas também por causa da redução da pobreza.
As condições socioeconômicas nas Américas do Sul e Central melhoraram, ainda que em um ritmo lento, desde a publicação, em 2007, do Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do IPCC, apontaram os pesquisadores.
Há ainda, contudo, um elevado e persistente nível de pobreza e de desigualdade socioeconômica na maioria dos países das duas regiões, que resulta em dificuldades de acesso à água potável, saneamento e habitação adequada, especialmente para os grupos mais vulneráveis.
Esse conjunto de fatores contribui para a baixa capacidade de adaptação às mudanças climáticas dessas populações, indica o relatório. “As mudanças climáticas deverão afetar, em maior parte, as populações mais pobres e situadas nas regiões mais tropicais do planeta”, disse Marengo.
O relatório ressalta que as projeções climáticas realizadas após o AR4 preveem aumento de temperatura de 1,7 ºC a 6,7 ºC na América do Sul e entre 1,6 ºC a 4 ºC na América Central em 2100.
Já as chuvas devem diminuir em 22% no Nordeste do Brasil e entre 22% a 7% na América Central também em 2100. Por sua vez, aumentarão os períodos de seca na região tropical da América do Sul e leste dos Andes, e a frequência de dias e noites quentes na maioria das regiões da América do Sul.
Ainda de acordo com o relatório, deverá aumentar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como secas persistentes, chuvas fortes e inundações.
Alguns possíveis impactos dessas alterações climáticas nas duas regiões serão a extinção de hábitats e de espécies significativas, principalmente na região tropical da América Latina; substituição de florestas tropicais por savanas e vegetação semiárida por árida; aumento do número de pessoas em situação de estresse hídrico (com falta de água); e aumento de pragas em culturas agrícolas e de doenças, como a dengue e malária nas populações.
“Os maiores impactos das mudanças climáticas na América do Sul deverão ser na segurança hídrica e alimentar e na saúde da população”, avaliou Marengo.
Mudanças no uso da terra
Segundo os pesquisadores autores do relatório, as mudanças no uso da terra nas duas regiões – como o desmatamento e a degradação ambiental – contribuem significativamente para a piora ambiental e deverão agravar os impactos negativos das alterações climáticas.
Apesar das taxas de desmatamento na Amazônia terem diminuído substancialmente desde 2004 para uma média de 4.656 quilômetros quadrados em 2012, regiões como o Cerrado brasileiro ainda apresentam altos índices de desmatamento, com taxas médias de 14.179 quilômetros quadrados por ano no período de 2002 a 2008, aponta o relatório.
“Os riscos das mudanças climáticas podem aumentar com a elevação das emissões de gás carbônico geradas pela queima de combustível fóssil", disse Marengo.
Os altos níveis de desmatamento e degradação do solo observados na maioria dos países da região são atribuídos, principalmente, à expansão da agricultura extensiva e intensiva para atender a crescente demanda mundial por alimentos.
As duas atividades que tradicionalmente dominam a expansão agropecuária da América do Sul são a soja e a carne, no Brasil, e algumas das áreas mais afetadas pela expansão da fronteira agrícola no país estão nas bordas da Floresta Amazônica, no Brasil, Colômbia, Equador, Peru e nos Andes tropicais.
“É importante considerar as necessidades políticas e legais para manter esse processo de mudança de terra em grande escala sob controle tanto quanto for possível”, destaca o relatório.
Foco em adaptação
Na avaliação dos pesquisadores brasileiros, autores do relatório, uma das mudanças sensíveis do Quinto Relatório do IPCC em relação ao AR4 é o foco em adaptação e mitigação.
Para cada projeção de mudanças climáticas para diversas partes do mundo feita no relatório há indicações de ações de adaptação e mitigação, destacou Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do capítulo 27 do relatório, sobre os impactos das mudanças climáticas nas Américas do Sul e Central.
“O relatório deixa muito claro que o problema das mudanças climáticas é irreversível e, portanto, é necessário adotar e implementar medidas adaptativas”, disse Buckeridge, à Agência FAPESP.
“A fase de mitigação está diminuindo e a de adaptar está chegando, porque os países não conseguiram fazer mitigação dentro do que era necessário para que os impactos diminuíssem”, avaliou.

Além de Buckeridge e Marengo, outros pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do relatório do IPCC foram Carlos Afonso Nobre, secretário de Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Maria Assunção Silva Dias, da USP; Carolina Dubeux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fábio Scarano, da Conservação Internacional; Jean Pierre Ometto, do Inpe, e Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). 
Por Elton Alisson - Original em http://agencia.fapesp.br/18854

sexta-feira, 16 de maio de 2014

UTI ambiental: a água e a realidade nua e crua - Por Prof. Osvaldo Ferreira Valente (UFV)

Foram nove artigos publicados no  site do EcoDebate, sobre produção de água . Todos ancorados na série UTI ambiental. Acabo de relê-los, na esperança de ter conseguido passar conhecimentos e preocupações acumuladas ao longo de muitos anos de militância na área. Todas as vezes que faço isso (reler artigos que escrevi), fico com a sensação de ainda estar longe de saber divulgar conhecimentos científicos e técnicos. Mas não vou desanimar, disso tenho certeza. E como escrevo sobre assuntos polêmicos, como conservação e preservação de recursos naturais, acabo provocando o contraditório, que é importante para estimular a produção de textos mais claros e objetivos.
 
Mas e agora José? Todas as vezes que estava escrevendo, ficava um pouco angustiado com a situação atual do país, onde os interesses que permeiam a realidade política e econômica acabam sufocando um debate mais aprofundado sobre a produção e o consumo de água. Leio reportagens, assisto a entrevistas, ouço depoimentos e comentários e não me convenço de que os caminhos apontados levarão ao destino desejado: boa oferta de água no tempo e no espaço. Tomara que seja só implicância minha (ou pessimismo, mesmo) e que tudo se resolva dentro de uma lógica que eu não estou conseguindo perceber.

Antes de passar, a partir dos próximos artigos, a discutir outros pacientes internados na UTI ambiental, vou fazer, a seguir, algumas reflexões a mais sobre a realidade nua e crua que recai sobre a produção de água.

1) Há um grande receio, e até um melindre mesmo, de considerar a água um bem de valor econômico. Ainda vivemos a ilusão de ser ela um bem estritamente produzido por sistemas naturais e de acesso livre. Mas, mesmo chateados, temos que aceitar que ela já virou e vai continuar sendo um negócio, cada vez mais regulada pela lei da oferta e procura. Em parte, tal mudança se deve à urbanização da sociedade brasileira (85% da população nas cidades), obrigando a coleta, condução a grandes distâncias, tratamento e distribuição. Antes, quando a população rural predominava, a bica correndo continuamente era capaz de satisfazer as necessidades das pessoas. Os pequenos núcleos urbanos se contentavam com os chafarizes. Muitos, ainda hoje, sonham em voltar aos velhos tempos, mas na lei da oferta e procura, quando o preço sobe a procura tende a cair. A água vai ficar cara para obrigar a diminuição do consumo.

Apesar desta minha opinião, quero deixar claro o meu maior respeito por aqueles que continuam vendo a água como um bem comum e o acesso a ela como um direito humano. Mas, infelizmente, eu falo é da realidade nua e crua;


2) Os sistemas naturais já não conseguem mais equilibrar os processos do ciclo hidrológico e a distribuição de água na superfície e nos aquíferos subterrâneos estão mudando rapidamente. Se insistirmos na tese de que a solução está centrada na recomposição dos sistemas naturais, não vamos conseguir recuperar a produção de água. O crescimento populacional e o consequente aumento do consumo de produtos agropecuários já desenham um novo quadro. E este não tem mais volta. Esbarrado nos meus 73 anos, eu também tenho saudades dos tempos antigos, mas a realidade por mim aceita, controla as reminiscências da infância e da juventude, obrigando-me, como técnico, a buscar alternativas. É o que ando tentando fazer com meus artigos;

3) Recentemente, um jornal mineiro fez uma boa reportagem sobre alguns dos nossos rios, como o São Francisco, o Doce e alguns de seus afluentes. Mas cometeu algumas falhas conceituais que acabam dificultando as soluções. Por exemplo, focaram as nascentes dos vários rios, reclamaram da falta de vegetação arbórea em torno delas e deixaram o leitor com a sensação de que se forem criados parques ou reservas nessas nascentes, os rios estarão salvos. A nascente de origem do são Francisco (e de outros rios) é apenas simbólica, em termos de vazão, e serve como referência para delimitação territorial da bacia. Já a vazão do rio é resultado de milhares de outras nascentes, ao longo de sua área de abrangência, e mantidas por aquíferos abastecidos por pequenas bacias, ocupadas, em sua maioria, por propriedades rurais que já provocaram alterações definitivas nos sistemas naturais. Além do mais, os pequenos cursos d’água formados pelas nascentes têm suas vazões engordadas por equilíbrios diretos com os aquíferos. Se tudo tiver que virar parque ou reserva, como produzir alimentos?
Temos de aceitar as tecnologias de recarga artificial de aquíferos, compatíveis com explorações sustentadas, planejadas e suportadas, pelo menos em parte, pela figura do pagamento por serviços ambientais. Na região Sudeste, onde se concentram os mananciais que abastecem 56% da população brasileira, nós temos aproximadamente 900.000 propriedades rurais com áreas de até 100 hectares que, na maioria, são consideradas pequenas propriedades. Nelas estão concentrados os aquíferos e as nascentes e são essas propriedades que merecem ser remuneradas para se tornarem produtoras de água. Olha aí a água como negócio e a cidade pagando ao campo pela sua produção, assim como paga na feira pelo tomate, pelas verduras, frutas e por outros bens de consumo originados da roça;

4) Mas o pagamento por serviços ambientais não pode ter as ações concentradas apenas em reflorestamentos de matas ciliares e na preservação de outras unidades naturais. Só isso não resolve. As áreas utilizadas para culturas de várias naturezas também precisam colaborar no abastecimento de aquíferos. Aí entram os terraços, as caixas ou cisternas de infiltração, as barraginhas, os plantios em nível, os plantios diretos, os renques de vegetação, as paliçadas e muitas outras tecnologias disponíveis e que podem ser adotadas na produção de planos de manejo.

A Agência Nacional de Águas (ANA) já tem um programa de Produtor de Água, muito interessante (que pode ser consultado em produtordeagua.ana.gov.br) e que tem a finalidade de apoiar ações que levem ao pagamento por serviços ambientais. Segundo a mesma Agência, já existem, no país, 1.098 agricultores beneficiados com pagamentos pelas atividades de produção de água.

O programa, para mim, é como uma folha de chá capaz de aliviar aquela angústia manifestada logo no início deste texto. Mas é fundamental que a semente, já germinada, cresça e produza milhares de outras. Alvíssaras, por enquanto!


5) O pagamento pelos serviços ambientais, ligados à produção de água, exige a participação ativa da comunidade da bacia nas decisões e no acompanhamento das tecnologias de conservação a serem utilizadas. Por isso, chamei a atenção no artigo anterior (UTI ambiental: revitalização de bacias hidrográficas II) da necessidade de o plano de bacia estar ao alcance dos produtores rurais e dos técnicos de campo.

Temos visto, na adoção do sistema de licitações por alguns Comitês de Bacias, empresas de engenharia serem contratadas para construção de terraços, paliçadas, caixas e barraginhas e para cercamento de nascentes. A educação ambiental fica restrita a palestras e cursos rápidos Depois entra em cena uma empresa fiscalizadora. Terminados os trabalhos, elas vão embora e o projeto corre um grande risco de não cumprir adequadamente os objetivos desejados. O trabalho precisa do envolvimento de instituições que militam no campo e na região; que conheçam um pouco, pelo menos, da sociologia rural e das técnicas de extensão rural aplicáveis às comunidades. E que estão lá o tempo todo. Aqui não funciona como na construção de uma obra de arte, por exemplo, onde, terminado o trabalho, submete-se o mesmo à fiscalização para ver se tudo foi feito de acordo com o projetado, desmonta-se o canteiro de obra e pronto. Conservação é uma operação de construção e manutenção ao longo do tempo.

6) Pressionados pela realidade nua e crua, estamos vendo, atualmente, as instituições e as autoridades responsáveis pela oferta de água às populações e pela geração de energia, suplicando pelas chuvas; e, pasmem, torcendo para que elas causem enxurradas que venham logo para encher as represas do Sistema Cantareira, o lago de Furnas e outros.

Mas as chuvas desejadas (pois muitas são odiadas), quando caem, não encontram as bacias hidrográficas em condições de processarem adequadamente os volumes recebidos. Prepará-las é o desafio para a regularização da produção e da disponibilidade de água, de um ano para outro e dentro de cada ano. E é importante sabermos que cheia e escassez de água são irmãs gêmeas, pois se ocorre muita enxurrada para provocar cheia, o aquífero subterrâneo recebe pouca água e provoca quedas das vazões de estiagens.

Termino a série de artigos sobre água com uma expressão muito usada por meu falecido sogro. Quando percebia que o papo estava minguando, ele cuidava logo de encerrá-lo, dizendo: “e a razão é essa”.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor de dois livros sobre o assunto: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate.
Original em http://www.ecodebate.com.br/2014/04/30/uti-ambiental-a-agua-e-a-realidade-nua-e-crua-artigo-de-osvaldo-ferreira-valente/

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento da água - Por Karina Toledo

Agência FAPESP – Além de alterar o ciclo de chuvas, prejudicar a recarga de aquíferos subterrâneos e, consequentemente, reduzir os recursos hídricos disponíveis para o abastecimento humano, o desmate da vegetação que recobre as bacias hidrográficas tem forte impacto sobre a qualidade da água, encarecendo em cerca de 100 vezes o tratamento necessário para torná-la potável.

O alerta foi feito pelo pesquisador José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), durante palestra apresentada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 24 de abril, em São Paulo.
“Em áreas com floresta ripária [contígua a cursos d'água] bem protegida, basta colocar algumas gotas de cloro por litro e obtemos água de boa qualidade para consumo. Já em locais com vegetação degradada, como o sistema Baixo Cotia [bacia hidrográfica do rio Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo], é preciso usar coagulantes, corretores de pH, flúor, oxidantes, desinfetantes, algicidas e substâncias para remover o gosto e o odor. Todo o serviço de filtragem prestado pela floresta precisa ser substituído por um sistema artificial e o custo passa de R$ 2 a R$ 3 a cada mil metros cúbicos para R$ 200 a R$ 300. Essa conta precisa ser relacionada com os custos do desmatamento”, afirmou Tundisi.
Quando a cobertura vegetal na bacia hidrográfica é adequada – e isso inclui não apenas as florestas ripárias como também matas de áreas alagadas e demais mosaicos de vegetação nativa –, a taxa de evapotranspiração é mais alta, ou seja, uma quantidade maior de água retorna para a atmosfera e favorece a precipitação.
Além disso, explicou Tundisi, o escoamento da água das chuvas ocorre mais lentamente, diminuindo o processo erosivo. Parte da água se infiltra no solo por meio dos troncos e raízes, que funcionam como biofiltros, recarrega os aquíferos e garante a sustentabilidade dos mananciais.
“Em solos desnudos, o processo de drenagem da água da chuva ocorre de forma muito mais rápida e há uma perda considerável da superfície do solo, que tem como destino os corpos d’água. Essa matéria orgânica em suspensão altera completamente as características químicas da água, tanto a de superfície como a subterrânea”, explicou Tundisi.
De acordo com o pesquisador, a mudança na composição química da água é ainda mais acentuada quando há criação de gado ou uso de fertilizantes e pesticidas nas margens dos rios. Ocorre aumento na turbidez e na concentração de nitrogênio, fósforo, metais pesados e outros contaminantes – impactando fortemente a biota aquática.
Tundisi lembrou que, além de garantir água para o abastecimento humano, os ecossistemas aquáticos oferecem uma série de outros serviços de grande relevância econômica, como geração de hidroeletricidade, irrigação, transporte (hidrovia), turismo, recreação e pesca.
A mensuração do valor desses serviços ecossistêmicos é o objetivo do projeto “Pesquisas ecológicas de longa duração nas bacias hidrográficas dos rios Itaqueri e Lobo e represa da UHE Carlos Botelho, Itirapina, SP, Brasil (PelD)”, coordenado por Tundisi com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“São serviços estratégicos e fundamentais para o desenvolvimento do Estado de São Paulo. Sua valoração é de fundamental importância para a implantação de projetos de economias verdes, dando ênfase à conservação dessa estruturas de vegetação e áreas alagadas”, disse.



Ciclo de carbono

Na segunda palestra do encontro, Maria Victoria Ramos Ballester, pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), apresentou estudos realizados na Amazônia com apoio da FAPESP que revelaram a importância dos rios no balanço de carbono na Bacia Amazônica, incluindo a floresta e os solos. Parte dos resultados foi divulgada em artigo publicado na revista Nature.
“Sempre se acreditou que quase todo o carbono da atmosfera absorvido pela Floresta Amazônica ficasse fixado no solo, mas mostramos que uma parcela significativa vai para os rios na forma de folhas, galhos e sedimentos. Esse material é decomposto por microrganismos e volta para a atmosfera”, explicou Ballester.
De acordo com a pesquisadora, as águas fluviais processam em nível global praticamente a mesma quantidade de carbono estimada para os sistemas terrestres – algo em torno de 2,8 petagramas (2,8 bilhões de toneladas) por ano.
Estudos do grupo mostraram que na porção central da Bacia Amazônica a quantidade de carbono nas águas era cerca de 13 vezes maior que a descarregada no oceano.
“As análises da composição isotópica mostraram que o carbono é originário principalmente de plantas jovens, de aproximadamente 5 anos. Ele é metabolizado rapidamente dentro do rio e retorna para a atmosfera. O metabolismo do carbono ocorre ainda mais rapidamente em rios pequenos”, contou Ballester.
Mas o intenso processo de ocupação da Amazônia e a consequente mudança no padrão de uso do solo têm alterado a ciclagem de nutrientes nos rios – elevando a quantidade de carbono e reduzindo o oxigênio dissolvido –, alertou a pesquisadora.
“A maior quantidade de matéria orgânica em suspensão na água, aliada à maior penetração de luz resultante da retirada das árvores, favorece o crescimento de uma gramínea conhecida comoPaspalum, o que aumenta o consumo de oxigênio e o fluxo de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera”, contou.
Os efeitos da mudanças no habitat fluvial sobre a biota foi avaliado em um estudo realizado no âmbito do Projeto Temático “O papel dos sistemas fluviais amazônicos no balanço regional e global de carbono: evasão de CO2 e interações entre os ambientes terrestres e aquáticos”, coordenado pelo pesquisador Reynaldo Luiz Victoria.
O grupo do Cena analisou as transferências de nitrogênio e a biodiversidade de peixes de duas bacias interligadas em Rondônia, com 800 metros de extensão e as mesmas condições físicas. Uma das bacias, no entanto, era margeada por áreas de pastagem de gado e a outra possuía mata ciliar.
Os pesquisadores observaram que o rio que teve sua cobertura vegetal modificada apresentava apenas uma espécie de peixe, enquanto o curso da água cuja mata ciliar foi mantida possuía 35 espécies. Também houve alteração significativa da diversidade de espécies de invertebrados observada.
A desigualdade no acesso aos abundantes recursos hídricos existentes no território brasileiro foi tema da terceira e última palestra do encontro, proferida por Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP).

BIOTA Educação

O ciclo de conferências organizado pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo em 2014 tem como foco os serviços ecossistêmicos.
Outros dois encontros estão programados para este semestre, com os temas: “Biodiversidade e mudanças climáticas” (relacionadas à perda de biodiversidade) e “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” (um exemplo é a influência da biodiversidade sobre a poluição e o equilíbrio de dióxido de carbono e oxigênio na atmosfera).
A iniciativa é voltada à melhoria do ensino da ciência da biodiversidade. Podem participar estudantes, alunos e professores do ensino médio, alunos de graduação e pesquisadores. Mais informações sobre os próximos encontros estão disponíveis em www.fapesp.br/8441