Relatório feito por 425 cientistas de 57
países registra aumentos na temperatura, no nível dos oceanos e na taxa de
dióxido de carbono, bem como diminuição na extensão de gelo do Ártico
Muitas vezes, as alterações ambientais que
ocorrem em nosso planeta não se dão de um dia para o outro e são sutis o
suficiente para que algumas pessoas duvidem das mudanças climáticas em curso.
Mas, a esmagadora maioria dos cientistas e estudos já reconhece a existência de
um processo de aquecimento na Terra, e o mais novo relatório da Sociedade
Meteorológica Americana e da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos
Estados Unidos (NOAA) não é diferente.
O State of the Climate 2013, compilado por
425 cientistas de 57 países, afirma que 2013 foi um dos dez anos mais quentes
já registrados, e os dados mostram um aumento contínuo nas temperaturas
atmosféricas e oceânicas e na elevação do nível do mar. Tudo isso tem um
impacto na formação de gelo no Ártico e Antártida, e essas tendências, por sua
vez, influem na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos.
O documento aponta, por exemplo, que, embora
algumas partes da América do Norte e do Sul e da Europa central tenham
apresentado temperaturas abaixo da média para o ano de 2013, quase todas as
outras regiões do mundo registraram temperaturas na média ou acima da média
neste ano. A Austrália, em particular, teve seu ano mais quente desde que os
registros começaram, em 1910, a Argentina teve seu segundo ano mais quente, e a
Nova Zelândia, seu terceiro. O leste europeu e oeste asiático também
apresentaram temperaturas bem acima do normal.
O State of the Climate também mostra que,
para todos os anos de 1976 até 2013, a temperatura média global ficou acima da
média de longo prazo. As temperaturas terrestres aumentaram em cerca de 0,28
grau Celsius a cada dez anos.
Os oceanos também mostram aquecimento, e,
embora algumas regiões tenham se apresentado mais frias do que o normal,
principalmente na costa oeste da América do Sul por causa de fenômenos como o
El Niño, as temperaturas da superfície do oceano subiram em média 0,11 graus
Celsius por década durante os 37 anos compreendidos pelo trabalho. E não é apenas
a temperatura da superfície oceânica que aumenta, pois o calor também chega às
partes mais profundas. Os dados mostram um aumento de locais abaixo dos 700
metros de profundidade que apresentaram elevação da temperatura média. Além
disso, o nível do mar continua a subir a uma média de 3,2 milímetros por ano
nas últimas duas décadas.
Outras informações preocupantes referem-se à
extensão de gelo nos polos. Em setembro de 2012, a extensão de gelo no Ártico
atingiu seu menor valor já registrado, e em 2013, embora não tenha atingido o
recorde de baixa, teve o sexto menor nível desde que iniciaram as medições,
indicando uma tendência contínua de redução do gelo no Ártico.
Já na Antártica há uma maior formação de gelo
marítimo, que alcançou uma extensão recorde, cerca de 5% mais do que a média de
1979 a 2013, e com um aumento de pouco mais de 1% por década.
Contudo, esse aumento no gelo antártico
marítimo não compensa a perda do gelo ártico marítimo, já que este último
apresentou-se 18% abaixo da média no último ano, e a taxa de perda está em
13,7% por década. Não menos preocupantes são as emissões de gases do efeito
estufa, que também continuam a subir, tendo atingido valores históricos em
2013. A concentração de CO2 atmosférico aumentou 2,8 partes por milhão (ppm) em
2013, chegando à média global de 395,3 ppm no ano passado. No Observatório de
Mauna Loa, no Havaí, a concentração diária de CO2 excedeu 400 ppm em nove de
maio pela primeira vez desde o início dos registros, em 1958. Isso ocorreu
depois que a marca de 400 ppm foi ultrapassada em alguns locais do Ártico, em
2012.
O número de ciclones tropicais durante 2013
ficou um pouco acima da média, com um total de 94 tempestades em comparação com
a média de 89 entre 1981 e 2010. Mas apesar de ser comum relacionar esses
eventos extremos com as mudanças climáticas, nem todos podem ser atribuídos
diretamente aos efeitos do aquecimento global. Mesmo assim, a severidade desses
eventos está mostrando de fato um crescimento, como diz o documento.
Por exemplo, embora a atividade de ciclones
tenha ficado praticamente na média em 2013, o tufão Haiyan foi a mais forte
dessas tempestades já registrada. “De ciclones devastadores a secas
destruidoras, esse mapa ressalta os eventos que os cientistas climáticos de
todo o mundo concluíram que devem ir para os livros como os mais
significativos”, observa o documento. “Essas descobertas reforçam o que os
cientistas observam há décadas: que nosso planeta está se tornando um local
mais quente. Esse relatório fornece a informação de base que precisamos para
desenvolver serviços para comunidades, empresas e nações para se prepararem e
desenvolverem resiliência aos impactos das mudanças climáticas”, concluiu
Kathryn Sullivan, administradora da NOAA.
Em 2044, o Brasil celebra uma nova redução no número de
mananciais poluídos. A grande seca que afetou o Sudeste entre 2013 e 2016 mudou
para sempre as políticas públicas. A cada eleição, os candidatos debatem como
cuidarão da água. Há anos, avançam por todo o país projetos de despoluição de
rios, lagos e represas, assim como o reflorestamento de suas margens. Os
depósitos subterrâneos estão protegidos. Quase toda a população conta com água
limpa e serviço de saneamento. Não há mais paranoia a respeito dos perigos de
exportar água. Como cuida bem de seus mananciais, o país tem água mais que
suficiente para produzir a carne, os grãos e as frutas que vende ao mundo.
Estudos internacionais confirmam: ao fazer isso, o Brasil beneficia o meio
ambiente global e os próprios brasileiros. A exportação evita que países mais
pobres em água esgotem seus poucos mananciais. Em paz e alimentadas, nações
mais ameaçadas por secas fecham acordos e investem em tecnologia. Conseguem
baratear cada vez mais a dessalinização da água do mar. Vários países africanos
em rápido desenvolvimento se beneficiam desse avanço.
Agora, imagine outro
futuro.
Em 2044, o Brasil lamenta um novo aumento
no número de mananciais poluídos. Mais de dois terços dos rios, lagos e represas
têm agora água ruim ou péssima, que exige tratamento caro e demorado antes de
ser usada. Governo, empresas e cidadãos se ressentem dos erros de décadas. O
país se tornou um pesadelo de favelas sem saneamento, reservatórios
contaminados e água cara demais. O sistema de represas da Cantareira, em São
Paulo, nunca se recuperou da grande seca de 2013 a 2016. Por causa das críticas
da sociedade e da atuação de políticos e da Justiça, torna-se difícil destinar
mais água à produção agrícola. E mais difícil ainda exportar essa água sob a
forma de carne, grãos e frutas. Esse medo encontra eco na situação global. Na
Ásia e na África, nações trocam ameaças e se engalfinham em guerras por causa
de mananciais cada vez mais ressequidos.
Ambos os futuros, neste momento, são igualmente
possíveis. O Brasil é uma potência da água. Não precisa sustentar nem 3% da
população mundial, mas abriga 12% da água doce disponível no globo. Essa
parcela aumenta para 18%, se contarmos a água que flui dos países vizinhos para
o território nacional. Como um país desses pode comemorar o Dia da Água (22 de
março) mergulhado numa crise energética e à beira do racionamento nas
torneiras? A resposta está no mau uso do recurso.
Nossa crise energética mostra isso. As usinas
hidrelétricas respondem pela maior parte da geração de energia no país. Para
funcionar, elas dependem de nascentes, rios, lagos e represas bem protegidas
por vegetação. Sem a cobertura vegetal a seu redor, sofrem mais com seca e a
deposição de sedimentos no fundo, conhecida como assoreamento. O consumo de
água e energia cresce continuamente no país, e há grande chance de o padrão
climático mudar nas próximas décadas – provavelmente, com mais eventos
extremos. É o que dirá o IPCC, painel da ONU sobre mudanças climáticas que
lançará seu relatório final no dia 29. Por isso, os sistemas que garantem esses
serviços públicos deveriam se tornar mais robustos, a fim de aguentar tanto
fases de chuvas torrenciais quanto secas prolongadas.
Não é o que ocorre. O sistema hidrelétrico brasileiro
já foi capaz de suportar mais de um ano sem chuva sobre os reservatórios. Essa
tolerância está em menos de cinco meses hoje e tende a diminuir nos próximos
anos. O problema se agravou com a onda de usinas construídas nos últimos anos,
com projetos chamados tecnicamente de “a fio d’água”. Elas dispensam a
construção de grandes barragens e reservatórios e tendem a provocar menor
oposição social e ambiental. Mas são mais vulneráveis a secas e geram menos
energia. Com a seca que atingiu nos últimos meses o Sul e o Sudeste, maiores
geradores de energia, nossas reservas baixaram. Reduzir o preço da energia no
Brasil é uma causa justa. Mas, por razões políticas, o governo federal não
promoveu um esforço de economia de energia. Apenas subsidiou o barateamento da
conta de luz e estimulou mais consumo. Desabastecido, o país é obrigado a ligar
mais termelétricas a gás, óleo combustível e até carvão. Elas são mais caras e
poluidoras.
A seca também expôs, com o chão rachado do fundo
dos reservatórios, nossa incapacidade para abastecer as torneiras da população.
O problema é mais agudo em São Paulo pela redução no volume de água no Sistema
Cantareira, um complexo formado por seis represas, responsável pelo
abastecimento de quase 9 milhões de pessoas em 11 cidades, incluindo a capital
paulista. A área de captação dos reservatórios enfrenta a maior estiagem desde
que começaram as medições, em 1930. Por razões políticas, o governo do Estado
adiou as campanhas e medidas para economizar água.
Nas últimas semanas, o nível de água no
Sistema Cantareira caiu abaixo dos 15% do limite máximo. A esta altura do verão
passado, o nível chegava a 59%, segundo a Sabesp, empresa que administra o
sistema. “Nesse ritmo, o sistema corre um sério risco de secar. Se isso acontecer,
a Cantareira poderá demorar até dez anos para encher novamente”, diz Alexandre
Vilela, gerente técnico do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Cidades como São Paulo, Guarulhos, Valinhos,
Campinas e Itu já preveem racionamento ou já fazem rodízio de abastecimento
entre os bairros. O risco da seca levou o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, a fazer um pedido incomum à presidente Dilma Rousseff. Alckmin pediu
que águas do Rio Paraíba do Sul, que abastece regiões do Rio de Janeiro e do
Vale do Paraíba, fossem despejadas no Sistema Cantareira. Trata-se de um pedido
emergencial delicado, por envolver o compartilhamento de água entre sistemas em
Estados diferentes, administrados por empresas diferentes. Até o fechamento desta
edição, não havia um cenário claro sobre a posição dos governos federal e
fluminense a respeito.
A seca em São Paulo veio unir-se a problemas
crônicos do Brasil. Alguns são naturais, como a falta d’água em Estados com
áreas semiáridas, como Ceará, Piauí, Paraíba, Alagoas, Bahia, Rio Grande do
Norte e parte de Minas Gerais. Outros problemas não são tão naturais, como a
contaminação dos rios usados para o abastecimento, resultado da falta de
tratamento de esgoto e saneamento básico. Na região Norte, somente 13% dos
domicílios têm acesso a rede coletora de esgoto. A situação é crítica. No
Pará, a falta de saneamento multiplica, talvez por dez, a incidência de
doenças”, afirma Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, uma
organização dedicada a promover o saneamento. Essa situação é mais crítica no
Norte, mas o problema está disseminado pelo país, incluindo as capitais mais
ricas. Num ranking de saneamento calculado pelo Banco Mundial, o Brasil fica
num vergonhoso 112º lugar entre 200 nações.
Uma pesquisa da Agência Nacional de Águas (ANA)
feita no ano passado encontrou água “ruim” ou “péssima” em 44% dos pontos de
coleta em cidades no país. Tratá-la e torná-la adequada ao consumo fica mais
caro e demorado, quando não inviável. Ela está contaminada principalmente com
esgoto doméstico, consequência previsível das estatísticas: quatro em cada dez
moradores das cidades brasileiras não contam com saneamento básico (fora das
cidades, a situação é ainda pior – mais da metade dos brasileiros não tem
saneamento).
O Instituto Trata Brasil calcula que, se toda a
população recebesse serviço de esgoto, haveria efeitos mensuráveis não só de
corte da poluição que chega aos mananciais, mas também de redução nas mortes
por doenças gastrintestinais, queda nas faltas ao trabalho no país todo e até
melhoras nos resultados escolares dos estudantes. “Resolver os problemas nos
serviços de água e esgoto no Brasil não exige adotar ou criar tecnologia nova.
É só usar o que já existe e administrar o sistema”, diz Rubem La Laina Porto,
professor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e especialista em
recursos hídricos.
Parte da solução para esses problemas tem de vir
dos governos. O governo federal apresentou, em 2013, um novo Plano Nacional de
Saneamento Básico (Plansab). Tem a pretensão de ser um guia de longo prazo para
o setor, um mapa para a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033.
Como guia, ele já nasce velho. O Plansab foi assentado sobre premissas
otimistas demais. Dos três cenários apresentados, mesmo o mais pessimista supõe
que o Brasil, nos 20 anos à frente, crescerá 3% ao ano e que o governo
conseguirá investir de forma crescente em projetos de infraestrutura com boa
qualidade, com execução competente, capaz de respeitar prazos.
No momento, nada disso corresponde à realidade. O
país cresce menos que o necessário, o governo investe de forma irregular, e os
projetos desandam por não haver, no setor público, administradores capazes o
bastante. Mesmo assim, o Plansab serve como referência do que precisa ser
feito. Ele prevê uma necessidade de investimentos de R$ 508 bilhões ao longo de
20 anos. Ao governo federal, caberiam investimentos a partir de R$ 13,5 bilhões
por ano (a média de 2011 a 2013 foi de R$ 8,2 bilhões por ano). Mas planejar e
investir em grandes obras não é a única forma de os governos federal, estaduais
e municipais combaterem os problemas.
Governos têm papel fundamental para criar um
ambiente de normas que incentivem o bom uso da água e a difusão dos serviços de
esgoto. Isso inclui atrair empresas dispostas a investir no setor – num péssimo
sinal, o Plansab coloca a maior participação do setor privado como um elemento
de seu cenário mais pessimista. Inclui também fazer campanhas educativas contra
o desperdício de água e definir tarifas que desincentivem os perdulários e
premiem os poupadores. Cabe aos governos fiscalizar e punir rigorosamente
poluidores, desmatadores, ocupantes irregulares de margens de mananciais e
ladrões de água. Por fim, os governos deveriam cobrar padrões mais rigorosos na
construção civil. A expansão imobiliária dos últimos anos foi uma imensa chance
desperdiçada. Por todo o país, admitiu-se a construção de edifícios com
tecnologia e concepções ultrapassadas, devoradores de água e energia, que em
pouco ou nada contribuíram para levar, ao seu entorno, mais verde e mais
terreno permeável.
O poder público deveria avaliar iniciativas como a
do Green Building Council (GBC, ou Conselho de Construção Verde), uma entidade
privada e multinacional que atesta a responsabilidade ambiental de novos empreendimentos.
O GBC Brasil trabalha com uma certificação internacional já bem conhecida, a
LEED, para todo tipo de edificação. E elabora uma outra, nacional, chamada
Referencial Casa, apenas para projetos residenciais. Ela é testada em nove
projetos e deverá ficar pronta em maio. O Referencial deverá incentivar
construções com instalações (chuveiros, torneiras, descargas, medidores) que
reduzam o desperdício de água. O LEED, em suas versões anteriores, dava
prioridade à economia de energia e deixava a água em segundo plano. Tende a
ficar mais equilibrado. “Na versão quatro, que passou a valer no ano passado, o
tema água é o que mais ganhou importância”, diz Felipe Faria, diretor do GBC
Brasil. Trata-se de uma iniciativa valiosa, mas ainda com pouco efeito sobre as
cidades brasileiras. Há apenas 140 prédios certificados no país, todos
projetados para gastar de 30% a 50% menos água que o usual em projetos do mesmo
porte.
Soluções de um único tipo não resolverão problemas
tão complexos. Outro caso exemplar no país é o Projeto Oásis, criado em 2006
pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O projeto prevê
pagamentos a proprietários de terras que preservem a vegetação em torno de
nascentes. A ação se dá por meio de parcerias da Fundação com outras organizações,
como prefeituras, ONGs e empresas. Os parceiros fiscalizam semestralmente a
conservação da área. A Fundação remunera 228 proprietários, donos de mais de
2.000 hectares, que abrigam mais de 700 nascentes. Precisamos de cada uma
delas.