terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Sem chuva, crise da água pode virar catástrofe e para jurista cidadão pode processar Estado

A crise hídrica se agrava a cada dia nas regiões mais ricas e populosas do Brasil (Grande São Paulo e região de Campinas) e, sem chuvas suficientes, a situação está próxima de uma catástrofe no abastecimento de água para a população e para o funcionamento dos setores produtivos. Medidas de restrição do uso da água já estão sendo estudadas para as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, onde está a Região Metropolitana de Campinas (RMC). Um apagão na energia elétrica  é cada vez mais provável, diante do esgotamento dos reservatórios das hidrelétricas. A paralisação de trechos da Hidrovia Tietê-Paraná tem provocado prejuízos. 
Para o Dr.Paulo Affonso Leme Machado, um dos principais nomes do Direito Ambiental no país, os órgãos competentes do Estado podem vir a ser acionados na Justiça pelo cidadão ou por organizações da sociedade civil em caso de falta de água.
Os reservatórios do Sistema Cantareira, que abastece metade da Grande São Paulo, chegaram em 21 de novembro, a 9,7% de sua capacidade. Desde o dia 15 de novembro já está sendo usada a segunda e última cota do Volume Morto do conjunto de reservatórios, formados por águas da bacia do rio Piracicaba. Mas os demais reservatórios que servem a Grande São Paulo, que tem quase 20 milhões de habitantes e responde por 20% do PIB brasileiro, também estão em situação muito preocupante.  No Alto Tietê, o nível está em 6,4%; no Sistema Guarapiranga, em 33%; no Alto Cotia, em 28,4%; no Rio Grande, em 64,3%); e no Rio Claro, em 33,3%.
Em outras regiões de São Paulo e outros estados o cenário também é inquietante. Os reservatórios das hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional estavam com 26,87% de sua capacidade em 20 de novembro, o que confirma a possibilidade de interrupções no fornecimento de eletricidade, se persistir a falta de chuvas intensas. Em algumas regiões a situação dos reservatórios é muito crítica. Na área da bacia do rio Grande, nas divisas de São Paulo e Minas Gerais, em cinco dos seis reservatórios o volume útil está em menos de 15%. Na bacia do rio Paraíba do Sul, em cinco dos oito reservatórios o volume útil também está abaixo de 15%.
A crise hídrica já afeta vários setores da economia. A paralisação da Hidrovia Tietê-Paraná em vários pontos já provoca grandes prejuízos. Um dos trechos onde a navegação foi suspensa, no percurso de 2,4 mil quilômetros da Hidrovia, foi o do situado entre o km 128 do reservatório de Três Irmãos e a eclusa inferior de Nova Avanhandava, em Buritama (SP). O Comitê da Bacia Hidrográfica do Entorno do Lago de Furnas, no Sudeste de Minas Gerais, estima em mais de R$ 35 milhões o prejuízo acumulado para o setor de turismo e de pesca com a estiagem que já dura dois anos naquela região.
Nesta sexta-feira, aSecretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), do Ministério da Integração Nacional, reconheceu a situação de emergência, devido à seca e à estiagem, em Quixabeira, na Bahia; Japonvar, Josenópolis, Pirapora, Sabará, São João do Pacuí e Varzelândia, em Minas Gerais; e Frei Paulo e Poço Verde, em Sergipe.
A estiagem também tem levado à multiplicação dos focos de queimadas. Até esta quinta-feira, 20 de novembro, já foram registrados 165.679 focos em todo país, pelo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 66% a mais do que no mesmo período do ano passado. No estado de São Paulo já foram detectados 4.658 focos no período, 141% a mais do que no ano anterior. No Rio de Janeiro já são 1400 focos, 264% a mais do que em 2014. Em Minas Gerais, 12.165 focos, 134% a mais do que em 2014.
Os especialistas observam que é necessário chover muito durante o Verão para que os reservatórios comecem 2015 com níveis razoáveis. Do contrário, a crise hídrica no ano que vem pode ser ainda pior. O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, observou na semana passada em audiência na Câmara dos Deputados que em janeiro de 2014 os reservatórios do Sistema Cantareira, em seu conjunto, já estavam muito abaixo da média histórica. Os reservatórios estavam com menos de 30% de sua capacidade, menos do que o volume em janeiro de 2013 (menos de 50%) e janeiro de 2012 (menos de 70% da capacidade).
Nesta semana, a ANA promoveu reunião no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com os usuários de água das bacias PCJ, para discutir as regras de restrição do uso de água nessa região, em caso de alta criticidade nos recursos hídricos. O mesmo acontecerá com a porção mineira da bacia do rio Piracicaba.
Responsabilidade do Estado – Para o professor Dr.Paulo Affonso Leme Machado, um dos principais nomes do Direito Ambiental no Brasil, os órgãos competentes do Estado podem ser acionados, via ação popular ou ação civil pública, em caso de falta de água. Ele lembra que o artigo 11 da Lei 9433, da Política Nacional dos Recursos Hídricos, de 1997, estabelece o direito de acesso à água, nestes termos: “O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. Do mesmo modo, lembra, a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 225 estipula que  “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O jurista nota que a mesma lei 9433 prevê, em seu artigo 1, que “em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Ou seja, em caso de restrições, são estes setores que devem se servir prioritariamente da água, e depois os setores industrial e agrícola, observa o Dr.Paulo Affonso Leme Machado.
Na sua opinião, a Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos não precisa ser revista, à luz da atual crise hídrica. “A Lei dá chance para muitas ações. O que ocorre não é por omissão da lei, mas das pessoas e poderes constituídos que não a respeitam”, afirma o jurista, autor entre outros livros de “Direito Ambiental Brasileiro” (Malheiros Editores), já em 22ª edição. (Por José Pedro Martins)

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