domingo, 24 de junho de 2018

Porque não começar a meditar: quando a prática vira aspirina By Nando Pereira (Dharmalog.com)

Meditar pelas razões adequadas é um ponto vital no tocante à meditação ser um instrumento de transformação profunda ou apenas uma maquiagem para estados superficiais e enganosos para si e para os outros. — Ricardo Sasaki, em “Porque não começar a meditar“


Meditação é o novo preto, como se diz, quando se quer referir a uma nova moda estabelecida. Mas junto da divulgação e expansão dessa inestimável prática de auto-conhecimento, estão vindo junto  confusão, superficialidade e banalização. Mesmo entre pessoas com algum nível de dedicação, do meio do Yoga e da saúde, há uma empacotação padronizada da meditação como uma espécie de massagem rejuvenescedora para a mente. Por conta disso, já há algum tempo começaram a aparecer alertas de professores e mestres buscando esclarecer o que a meditação épara que deve se praticar e quais os fundamentos genuínos dessa prática. Entre os alertas, não só a superficialidade da prática em si que é ressaltada, mas a possibilidade do agravamento do narcisismo, de se “ser alguém melhor” e de se mascarar, assim, uma série de neuroses, estilos de vida desequilibrados e rotinas doentes.
No final do ano passado li um artigo de Ricardo Sasaki, diretor da Comunidade Buddhista Nalanda do Brasil, intitulado “Porque não começar a meditar“, que traz importantes e salutares esclarecimentos à atual (e enorme) onda de cursos de meditação, mindfulness e variantes. Na essência do artigo está uma lembrança sobre a profundidade necessáriaà prática e informações sobre as intenções e expectativas ligadas a ela — geralmente de calma, prazer, felicidade e melhoria geral do estado da pessoa que pratica.
“Vários motivos levam as pessoas a começar a meditar, e nem sempre elas são os mais apropriadas. Um desses motivos é o de, por meio da meditação, obter experiências agradáveis. Isso está ligado à ideia generalizada de que o objetivo da vida é desfrutar de felicidade e de prazer”, ressalta Sasaki. Outro instrutor brasileiro de meditação, Sérgio Veleda, fundador do Vale do Ser, que promove retiros de meditação Vipassana no Rio Grande do Sul, alerta para transformação da meditação em uma “nova aspirina“, se referindo ao uso e à expectativa que muitas pessoas que associam a prática a um tipo solucionador de estresse, de ansiedade, de nervosismo e toda espécie de “dor-de-cabeça”.
Essas recentes visões críticas não se restringem ao território nacional. Em julho passado, o autor americano phD em Psicologia Clínica Thomas Jointer lançou um livro intitulado “Mindlessness“, que poderíamos traduzir aproximadamente como o contrário de Mindfulness, ou por “Desatenção” ou “Falta de Consciência“. O subtítulo do livro é “The Corruption of Mindfulness in a Culture of Narcissism“, ou A Corrupção de Mindfulness em uma Cultura de Narcisismo. Ainda que preserve e elogie as origens e a técnica de meditação que virou Mindfulness no Ocidente, que chama de “mindfulness autêntico”, ele faz críticas severas e alerta para a possibilidade de muitas pessoas estarem apenas desenvolvendo uma preocupação narcisista crônica, sofisticada, “espiritual”. Jointer classifica essa versão da prática de impostora: “A verdadeira mindfulness está sendo usurpada por uma impostora, e a impostora é barulhenta e tão prepotente que substituiu a original no entendimento geral do que é mindfulness, ao menos para um monte de pessoas que a praticam”.


Num artigo há alguns anos, no jornal The Guardian, o psicoterapeuta e escritor Mark Venon escreveu que “o Budismo é o novo ópio do povo“. Com alguma acidez, no artigo Venon argumenta que a ciência oriental budista e a meditação “servem perfeitamente ao moderno consumismo” (poderíamos ajustar essa afirmação para dizer que “a ciência budista pode ser manipulada de tal maneira a servir aos interesses do moderno consumismo”). O argumento é que, enquanto as práticas forem usadas como aliviadoras dos sintomas do consumismo e do modo-de-viver materialista, será de fato apenas um complemento, um “regulador hormonal” do próprio consumismo e materialismo. Como uma estátua de Buda no canto da sala, que ao invés de ser o símbolo da prática, é apenas um ornamento de aparência “espiritualizada”. O problema não seria das práticas em si, ou do Budismo, obviamente, e sim da maneira com que se aproximada disso tudo, e do modo como se pratica.
“Está é a escolha: transformação genuína ou uma estátua brilhante do Buda no canto da sala”.



— Mark Venon, em “Buddhism is the new opium of the people“
Recentemente, esbarrei com um site de moda recomendando livros de mindfulness. Numa das recomendações, dizia que era “um livro gracinha, rápido e tipo pocket que cabe na bolsa”. No Facebook, vi o anúncio de vagas para um workshop de mindfulness que dizia, em sua última linha, “corra que ainda dá tempo”. A meditação está aí empacotada para consumo, servindo aos propósitos do sistema neurótico, perpetuando-o com o perfume da última tendência. Talvez haja boa intenção em ambos os casos, mas ainda assim propagaram a prática com o viés superficial.
Tenho ouvido eu mesmo, diversas vezes em eventos ou comentários na Internet, a citação da prática da meditação como se fosse uma espécie de “massagem” ou de pomada de alívio do estresse cotidiano. Essas referências variam: “Preciso chegar em casa e meditar, porque hoje o dia foi tenso“,  ou “preciso começar a meditar de manhã cedo, senão não vou aguentar essas semanas que virão“, ou “agora que comecei a meditar não me incomodo mais tanto com Fulano ou Sicrano“. Ainda que sejam experimentadas sensações de paz e clareza, nestes casos específicos a meditação está sendo vista como algo que alivia mas mantém a estrutura estressada, desequilibrada e iludida da pessoa que pratica. Exatamente como um remédio de dor-de-cabeça, usada com o fim de aliviar o sintoma, e não a causa da doença.
Esse é o caminho do materialismo espiritual, um termo muito bem explicado pelo grande mestre budista Chögyam Trungpa Rinpoche — veja este post “A “fraude gigantesca” que é o ego e como distorce a espiritualidade e até a meditação, por Chögyam Trungpa”.
John Kabat-Zinn, o médico americano que é hoje um dos maiores divulgadores de mindfulness nos Estados Unidos, reconhece que hoje é necessário mais do que apenas a prática sozinha, que é preciso seriedade e profundidade. “Se isso é apenas mais uma moda, não quero ter nada a ver com isso“, ele diz, numa matéria publicado no jornal inglês The Guardian, em outubro de 2017. E justifica porque divulga tanto a técnica: “Se nos últimos 50 anos eu tivesse encontrado algo mais significativo, mais curador, mais transformador e com mais potencial social, eu estaria fazendo isso”.
Na mesma matéria, a psicóloga Catherine Wikholm diz que não há uma “pílula Buda“, e que há uma divulgação equivocada da meditação. Muitas vezes, ela alerta, ao invés de calma e estresse reduzido, pode haver justamente o contrário, pois ao sentarmos em silêncio e sem mais nenhuma atividade disponível, o que geralmente reprimimos com toneladas de atividades aparece a pleno vapor. Além disso, ela ressalta um ponto fundamental:
Para a mente secular, a meditação preenche um vácuo espiritual; traz a esperança de nos tornarmos pessoas melhores, indivíduos mais felizes num mundo mais pacífico. Entretanto, o fato de que a meditação foi projetada originalmente não para nos tornar mais felizes, mas para destruir nosso sentido de eu individual — quem sentimos e achamos que somos na maior parte do tempo — é geralmente ignorada nas matérias da ciência e da mídia sobre ela, que focam quase exclusivamente nos benefícios que os praticantes podem esperar da prática”.



— Caterine Wikholm, em “Seven Common Myths About Meditation“
Voltamos ao ponto de Sasaki aqui, onde ele diz que podemos fazer da prática uma “transformação profunda ou apenas uma maquiagem para estados superficiais e enganosos para si e para os outros”. Uma maquiagem para estados superficiais e enganosos. Se essa for a alternativa, e se é isso que boa parte da mídia e dos praticantes estão
Bhikkhu Bodhi, um monge budista Theravada e importante tradutor das obras centrais do Budismo, aborda as opções de motivação e abrangência da prática pela possibilidade dela ser feita no contexto espiritual em que foi criada ou de maneira “secular”, como muitos vem propondo. Segundo ele, a meditação pode ser praticada fora do contexto da escola e da sabedoria em que foi ensinada, mas que isso obviamente vai limitá-la.
Quando praticada no âmbito do entendimento naturalístico, a meditação do insight pode trazer uma calma maior, compreensão e equanimidade, até mesmo pode se experimentar insight. Ela pode purificar a mente de degenerações mais grosseiras e pode gerar uma aceitação tranquila dos problemas da vida. Por essas razões, esse modo de prática não deveria ser depreciado. Entretanto, de um ponto de vista mais profundo, essa apropriação da meditação budista permanece incompleta. Ela ainda está confinada à esfera da existência condicionada, ainda atada ao ciclo de karma e de seus frutos.



— Bhikkhu Bodhi, em “Two Styles of Insight Meditation“
Como seria, então, a prática mais integral, mais “apropriada” — dentro do contexto dos ensinamentos budistas, por exemplo? Sasaki diz que ela deve estar dentro de uma dimensão de “estudo, reflexão ética e sabedoria“. Os ensinamentos do Buda contemplam oito passos, chamados de Caminho Óctuplo, onde apenas um deles é atribuído à meditação: Compreensão Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Correta e Concentração Correta. Esses oito passos podem ser agrupados em três temas, que poderíamos  traduzir rusticamente por: Sabedoria (panna), Ética (sila) e Meditação(samadhi). Uma meditação budista, então, deveria estar sendo ensinada e praticada dentro desse âmbito maior, que abre a prática para seus reais objetivos, ao lado da Sabedoria e da Ética. Se praticada dentro desses preceitos, Bhikkhu Bodhi diz que então “ela se torna a chave para abrir as portas da imortalidade, o meio para ganhar a liberdade que jamais poderá ser perdida“.
Numa tentativa por outra via, o monge budista Theravada Ajahm Brahm lançou recentemente um livro chamado “Kindfulness” , um trocadilho com mindfulness inserindo a palavra “kind” (gentil, amoroso, bondoso) no início, no lugar de “mind” (mente). A intenção é trazer para a prática algo mais amplo e tão importante quanto mindfulness, colocando ênfase no relaxamento, na tranquilidade e na amorosidade da prática. Indiretamente ele está enfatizando também a parte da Sabedoria e da Ética que são parte do mesmo caminho.
No seu nível mais profundo, de onde ela mesmo surge e é ensinada, a meditação não é remédio, alívio ou complemento: é onde o âmago da prática existencial e espiritual acontece. É onde o treinamento mais revolucionário da mente é realizado e revelado. É a prática em que se transforma toda visão, se vê toda ilusão e se experimenta aquilo que transcende o praticante e sua mente. É literalmente a hora da verdade. “Há um motivo para se chamar a meditação de ‘treinamento’. Nem todos os seus momentos serão de prazer ou conforto”, diz Sasaki. “O curso do processo meditativo poderá ser de eventuais enfrentamentos com fantasmas, vícios, apegos arraigados, aversões, pensamentos obsessivos. (…) Ao longo do treinamento será percebido que felicidade genuína é bem diferente de experiências agradáveis, e que é possível ser feliz mesmo em meio a dores e desconfortos”.
“Um bom motivo para começar a meditar é quando se percebeu que deve haver alguma coisa a mais na vida além daquilo que todos em geral estão fazendo. Esse é um motivo que começa a ser válido, pois se baseia em uma intuição de que há algo a mais na vida. Algo mais profundo do que o lugar comum por onde as pessoas transitam, fisicamente e no pensamento, em suas vidas cotidianas.”



— Ricardo Sasaki, em “Porque não começar a meditar“
Sem essa motivação profunda, orientada para a verdade e sem concessões a prazeres ou idéias preconcebidas sobre bem estar e espiritualidade, a prática não se sustenta. Ficará para sempre com água nas canelas. Talvez até seja uma boa academia para a mente, mas nos deixará para sempre do lado de fora da vida, perambulando no samsara.
Yoga originalmente é uma ciência para o nirvana, o moksha, a libertaçao de perambular repetitivo nos mundos iludidos da mente. Em seu objetivo último, o Yoga busca a liberação do ser dessas ilusões, a auto-realização, a iluminação. Não é “só” uma prática de meditação, mas compreende um caminho de várias dimensões, como os Yamas e Nyamas, que são preceitos éticos, como o Pranayama, Ásanas, a concentração (“Dharana”), entre outros. De acordo com a ciência dos Yoga Sutras de Patanjali, temos “dhyana” como a meditação, mas há outras sete dimensões que precisam ser igualmente observadas e praticadas. Sem esses outros sete passos, a meditação de acordo com Patanjali não pode ser realmente realizada, nem samadhi (o oitavo braço, a “absorção”) ser verdadeiramente experimentado. O meditar da ciência yogue exige uma dedicação não só de tempo de treinamento e disciplina, mas também (ou principalmente) dedicação do âmago do ser em sua busca. Sem aspirinização.
O grande mestre budista Ajahn Chah costumava perguntar às pessoas que começavam a praticar com ele no seu mosteiro o seguinte: “Você veio aqui pra morrer?“. À primeira vista parecia uma provocação estranha, mas era extremamente profunda e direta, pois questionava a motivação da prática e até onde o praticante estava preparado para ir. A meditação sempre fez parte do caminho espiritual, dos ensinamentos dirigidos às inquietações existenciais e espirituais, e sempre ocupou um lugar-chave nas principais escolas de sabedoria onde surgiu e/ou foi desenvolvida, como no seu berço, o Yoga. Sem inquietações, sem frustração séria com a (própria) vida, sem alguma profunda e crítica confusão interior, sem uma busca pela Verdade, as chances de se atingir profundidade genuína com a meditação são muito pequenas. Provavelmente a prática será uma forma de “aprimorar” a vida de quem pratica, sem maiores libertações nem aprofundamentos. Pensar-se-á a meditação como algo que “me ajudou”, mas que fundamentalmente me manteve no cansaço e ilusão do samsara.
O Buda dizia que só trilhamos o caminho da prática espiritual quando estamos com a exaustão do samsara, que poderia ser traduzido como “não aguento mais minha vida”.



— Alcio Braz, em “O Grande Silêncio”
O Buda ele mesmo, em seu momento mais crítico, sentou embaixo de uma árvore em meditação e se propôs nada menos que o seguinte: “Mesmo que o sangue se esgote, mesmo que a carne se decomponha, mesmo que os ossos caiam em pedaços, não arredarei os pés daqui, até que encontre o caminho da iluminação“.
Original em http://dharmalog.com/2018/06/05/porque-nao-comecar-a-meditacao-aspirina/

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Frentes frias podem aumentar mortalidade por AVC













Com a chegada do frio nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, as quedas de temperatura podem ser acompanhadas pelo aumento no número de mortes por acidente vascular cerebral (AVC), principalmente entre a população com mais de 65 anos. 
Essa associação entre a queda de temperatura e o aumento na incidência de AVC foi demonstrada em um estudo que envolveu dados de mortalidade e dados de estações meteorológicas de 2002 a 2011 na cidade de São Paulo. Os autores verificaram também que entre os idosos a incidência de AVC associado a quedas na temperatura média é maior entre as mulheres. 
Resultados do trabalho estão em artigo que acaba de ser publicado no International Journal of Biometeorology por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Católica de Santos (Unisantos).
No Brasil, as doenças crônicas – como doenças cardiovasculares, diabetes e câncer – são responsáveis pela maior parte das mortes em homens e mulheres. Entre as doenças cardiovasculares, o AVC é a principal causa de morte, sendo responsável por 10% de todas elas. 
“Nos Estados Unidos, país de clima temperado onde os invernos são gelados, foi estabelecida uma relação entre o aumento na mortalidade por AVC e as máximas e mínimas de temperatura. No caso do Brasil, mesmo entre as populações das regiões Sul e Sudeste, de clima subtropical, ainda não havia sido realizado um estudo semelhante”, disse o médico Alfésio Luís Ferreira Braga, professor da Unisantos e coautor da pesquisa.
Para averiguar a existência de uma possível relação entre variação térmica e AVC na cidade de São Paulo, a geógrafa Priscilla Venâncio Ikefuti utilizou dados coletados pelo Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo (PRO-AIM). A pesquisa foi coordenada por Ligia Vizeu Barrozo, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
A análise das séries temporais dos dados revelou a ocorrência de 55.633 casos de mortalidade por AVC na cidade de São Paulo entre 2002 e 2011. As temperaturas médias diárias do ar e a umidade relativa do ar foram obtidas a partir de dados coletados pela Estação Meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. 
O estudo utilizou a temperatura média, em vez de mínima e máxima, por ser uma média de várias observações no mesmo dia e servir como boa estimativa de exposição ao calor ou ao frio, segundo os pesquisadores. A temperatura média mensal do ar na cidade de São Paulo entre 2002 e 2011 foi de 21 ºC, variando de 15 ºC a 25 ºC, dependendo da estação do ano. 
A fim de ajustar os efeitos da poluição atmosférica na mortalidade, foram coletadas as médias diárias de matéria particulada, ozônio, dióxido de enxofre e dióxido de nitrogênio nas 14 estações de medição de poluentes da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) espalhadas pela cidade.
Com as informações em mãos, Ikefuti partiu para a modelagem estatística dos dados. Foram construídos modelos de regressão de dados (com base no chamado modelo Quasi-Poisson) para estimar os efeitos da temperatura média na mortalidade por AVC e seus subtipos na população total e também entre as pessoas acima de 65 anos.
O estudo mostrou que a temperatura média diária estava associada à mortalidade por AVC e que o risco relativo variou de acordo com a idade e o sexo. Temperaturas mais baixas (abaixo de 15 ºC) foram consideradas estatisticamente mais significativas para mortalidade por AVC do que temperaturas mais altas (acima de 22 ºC).
Partindo-se do universo total de mortes por AVC na capital paulista entre 2002 e 2011, Ikefuti constatou uma média diária de 15,24 mortes no período, sendo ligeiramente superior entre as mulheres (7,99 casos por dia) do que entre os homens (7,25 casos por dia). Durante o período de estudo, essa pequena diferença se tornou expressiva, com cerca de 2 mil mortes a mais de mortes por AVC em mulheres do que em homens.
Entre as pessoas com mais de 65 anos, foram registrados mais casos de AVC hemorrágico em mulheres (5.236 mortes, uma média diária de 5,81 casos) do que em homens (4.071 mortes, média diária de 4,6 casos).
Quando se observam os dados de cada subtipo de AVC, foi identificado no período um total de 29.433 mortes, sendo 12.183 mortes por AVC isquêmico e 17.250 mortes por AVC hemorrágico.
Isquêmico e hemorrágico
O acidente vascular cerebral é uma séria condição médica que ocorre quando o suprimento de sangue que vai para o cérebro é rompido. Há dois subtipos de AVC, o isquêmico e o hemorrágico. 
O AVC isquêmico, também conhecido como isquemia cerebral, é o tipo mais comum (mais de 80% dos casos). Ocorre por causa da obstrução de um vaso sanguíneo no cérebro, que interrompe o fluxo de sangue no local, fazendo com que a área cerebral irrigada por aquele vaso deixe de receber sangue e morra.
Os fatores de risco para a ocorrência do AVC isquêmico são idade (mais frequente quanto maior a idade), tabagismo, hipertensão arterial, obesidade, alto nível de colesterol, histórico familiar de doenças cardíacas ou diabetes  e alcoolismo.
A forma mais grave de AVC é o hemorrágico (10% a 15% dos casos), também conhecido como derrame. Ocorre quando um vaso sanguíneo rompe dentro do cérebro, causando hemorragia e o inchaço na região cerebral onde houve o sangramento, o que prejudica e degenera o tecido nervoso, causando nos casos leves sequelas irreversíveis, e nos casos mais graves o óbito.
Diminuição do metabolismo e menopausa
A diferença entre o total dos casos de AVC (55,6 mil) e a soma dos casos de AVC hemorrágico e isquêmico (29,4 mil) corresponde aos casos (26,2 mil) que não foram classificados como doenças hemorrágicas ou isquêmicas ou outras doenças cerebrovasculares. Isso não quer dizer que entre aqueles 26,2 mil casos sem especificação não existam casos de AVC hemorrágico ou isquêmico, mas apenas que não foram assim notificados. 
Observando-se as estatísticas para cada subtipo de AVC, verificou-se no caso do AVC hemorrágico uma média de mortalidade diária de 4,72 casos, e de 3,34 casos para o AVC isquêmico, para todas as idades. Nos dois casos, a incidência foi maior entre as mulheres. 
Quando todos os dados foram confrontados com as temperaturas médias na cidade de São Paulo no período analisado, descobriu-se que, para todos os tipos de AVC, o risco relativo era maior quando a temperatura média era mais baixa (abaixo dos 15 ºC). 
Quando a temperatura média registrada se manteve na faixa entre os 17 ºC e os 24 ºC, o risco relativo não se mostrou significativo. No entanto, quando a temperatura média foi superior aos 26°C, o risco relativo de AVC isquêmico se revelou significativo para o sexo masculino acima de 65 anos.
Especificamente em relação ao AVC hemorrágico, os resultados do risco relativo mostram que temperaturas mais baixas parecem ser um fator de risco para esse subtipo, especialmente abaixo de 10 ºC, tanto para homens quanto para mulheres. Acima dos 65 anos, no entanto, as temperaturas médias mais baixas representaram maior risco de AVC hemorrágico para as mulheres, um resultado que não era esperado e que surpreendeu os pesquisadores. 
“No início do estudo, achávamos que quando houvesse uma variabilidade acentuada de temperaturas, tanto para o frio quanto para o calor, os resultados seriam semelhantes para os dois subtipos de AVC. Ou seja, nos dias de muito frio ou de muito calor haveria mais mortes de ambos os subtipos. Não foi o que ocorreu. No caso do AVC hemorrágico, o frio é um fator muito mais importante, especialmente entre as mulheres”, disse Ikefuti, que foi professora da Universidade Federal da Fronteira Sul e atualmente trabalha na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE). 
Uma explicação para o AVC ser mais comum entre os idosos é resultado da diminuição do metabolismo na terceira idade. Em resposta a mudanças nas temperaturas, os idosos têm menor capacidade de manter a homeostase, ou seja, de regular o metabolismo de modo a manter constantes as condições fisiológicas necessárias à vida.
“Verificamos também que, para todos os casos de AVC e para o AVC hemorrágico em particular, o sexo mais vulnerável é o feminino. Os dados mostram que as mulheres têm, mesmo que ligeiramente, mais alta mortalidade média por AVC. O risco relativo do acidente, calculado para as variações da temperatura média, também foi maior entre mulheres do que em homens. De forma similar, as temperaturas médias mais baixas causaram maior impacto em mulheres, em ambos os subtipos de AVC”, disse Ikefuti. 
Ela explica que o estresse pelo frio resulta em elevação da pressão arterial, bem como em aumento na viscosidade do sangue e na contagem de plaquetas, subindo a pressão arterial de modo a poder causar um AVC hemorrágico. 
Os pesquisadores citam estudos recentes que destacam os principais fatores pelos quais as mulheres são mais suscetíveis ao AVC. A influência de alguns fatores de risco é mais forte em mulheres, como diabetes e hipertensão, porque as mulheres diferem dos homens de várias maneiras, incluindo anatomia, biologia vascular, imunidade, fatores neuroprotetores, coagulação, perfis hormonais, fatores de risco vascular, fatores de estilo de vida e papéis na sociedade.
De acordo com Braga, uma questão importante para explicar o maior risco de AVC entre as mulheres está na menopausa, quando o organismo diminui a produção do estrogênio, o hormônio do desenvolvimento de características femininas. A falta de estrogênio na menopausa sujeita a mulher ao maior risco de doenças vasculares, entre diversos outros sintomas.
“Nosso estudo contribui para a compreensão do impacto da temperatura sobre a mortalidade por AVC em um país tropical, onde a temperatura não seria, supostamente, um fator de preocupação para risco de AVC. O trabalho comprovou que, pelo menos na cidade de São Paulo, este não é o caso”, disse. 
“Apesar de a cidade estar em uma região subtropical, portanto com temperaturas médias mais elevadas do que as dos países temperados, a ocorrência de grandes variações diárias de temperatura, assim como a chegada de frentes frias ou de ondas de calor são, sim, fatores de risco para o AVC, especialmente entre os idosos, e principalmente entre as mulheres”, disse Braga.
O artigo Mean air temperature as a risk factor for stroke mortality in São Paulo, Brazil (doi: https://doi.org/10.1007/s00484-018-1554-y), de Priscilla V. Ikefuti, Ligia V. Barrozo e Alfésio L. F. Braga, está publicado em https://link.springer.com/article/10.1007/s00484-018-1554-y.
Artigo original em http://agencia.fapesp.br/frentes_frias_podem_aumentar_mortalidade_por_avc/28055/

sexta-feira, 15 de junho de 2018

E-book COMMODITIES AMBIENTAIS EM MISSÃO DE PAZ


Este e-book celebra a trajetória pacifista de três décadas da economista e ambientalista Amyra El Khalili, como resultado dos primeiros dez anos da construção econômica socioambiental na América Latina e no Caribe (1996 a 2006). Trata-se da compilação de alguns de seus principais artigos e entrevistas reproduzidas, discutidos e apresentados em listas na internet, em diversas publicações, palestras, debates, congressos, conferências e seminários no Brasil e no exterior.

Nesta obra, você refletirá sobre temas como economia de mercado, meio ambiente e finanças sustentáveis, redes solidárias e suas estratégias, mudanças climáticas e mercados emergentes, financiamentos de projetos e negócios socioambientais, conflitos sociopolíticos, espiritualidade e esperança, guerra e paz.

Amyra é um exemplo de ativismo a serviço da paz entre os povos, entre os gêneros masculino e feminino, entre progresso e preservação ambiental. Sua militância pela dignidade humana, pelo respeito à mulher, contra a discriminação de ordem racial e étnica, tem merecido o respeito e admiração de quantos privam de sua amizade e daqueles que leem os seus artigos.

Como economista, Amyra empenhou-se, acima de tudo, em demonstrar que é possível conciliar uma alternativa à economia de mercado com a proteção do meio ambiente.
O selo Heresis Sustentabilidade é honrado pela possibilidade de participar da importante divulgação deste trabalho pioneiro.

Baixe gratuitamente: http://amyra.lachatre.org.br

quinta-feira, 7 de junho de 2018

O Guia para a Felicidade - O Sofrimento por Friedrich Nietzsche



Todos nós temos fases ruins na vida. todos enfrentamos dificuldades que parecem intransponíveis. quando isso acontece, muitas vezes temos vontade de desistir.

Friedrich Nietzsche acreditava que todos os tipos de sofrimento e fracasso deveriam ser bem-vindos no caminho para o sucesso e vistos como desafios a serem superados. Praticamente sozinho entre os filósofos, considerava os infortúnios como algo vantajoso na vida.

Ele escreveu: "A todos com quem realmente me importo, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos, indignidades, o profundo desprezo por si, a tortura da falta de autoconfiança e a desgraça dos derrotados".

Em sua visão, para conquistar algo que valha a pena o homem tem de fazer um grande esforço.

Friedrich Nietzsche entendia de esforço, tanto físico quanto mental. Sua vida foi muito difícil. Ele viveu em permanente luta contra doenças: vertigens, dores de cabeça, enjôos, provavelmente em decorrência da sífilis que contraiu jovem, num bordel em Colônia. Era obrigado a estar sempre se mudando, em busca de um local cujo clima não agravasse seu estado.

Seus livros não fizeram sucesso enquanto ele estava vivo. Embora tenha recebido o título de professor universitário aos 24 anos, seu pensamento destoava do de seus colegas. Ele viu-se obrigado a se aposentar aos 35 anos. Pelo resto da vida, viveu com bem pouco dinheiro.

Ele tinha uma rotina definida: acordava às 5 horas da manhã, escrevia até o meio-dia e saía para caminhadas nas montanhas ao redor do lugarejo.

A vida amorosa de Nietzsche foi igualmente desastrosa. Todas as suas tentativas de seduzir mulheres foram em vão. Diversas vezes ele confessou sofrer com a solidão. Escreveu a um amigo casado: "Graças a sua esposa, as coisas são 100 vezes melhores para você do que para mim".

Terminou seus dias na loucura, depois do famoso colapso nervoso.

Foi confinado num sanatório onde, sob os cuidados da irmã e da mãe, permaneceu até sua morte, onze anos mais tarde, aos 56 anos.

Uma lição que a vida difícil ensinou a Nietzsche foi que toda conquista é fruto de luta e esforço constantes, embora imaginemos o sucesso como fácil e natural para algumas pessoas. Na visão de Nietzsche, não existe estrada reta até o topo. "Não falem de dons ou talentos inatos", escreveu. "Podemos listar muitas figuras importantes que não tinham talento, mas conquistaram seu mérito e transformaram-se em gênios, superando as dificuldades."

A essência da filosofia de Nietzsche é uma idéia simples: dificuldades são normais. Não devemos entrar em pânico nem desistir de tudo. Mas Nietzsche achava que não bastava sofrer. O segredo está em saber reagir bem ao sofrimento, ou, quem sabe, usá-lo para criar coisas belas.

Nietzsche dizia que o fracasso é um tabu em nossa cultura, tratado como se fosse uma coisa que só acontecesse a alguns coitados, mas ninguém fala a respeito. E, do outro lado, há o sucesso. Os dois são coisas distintas.

O interessante é a idéia de que na vida de qualquer um, mesmo sendo uma boa vida, sempre haverá um grau de fracasso. Como você pode apreciar o sucesso se não tiver fracassado antes?

Nietzsche dizia que, diante de problemas, devemos nos espelhar nos jardineiros. Os jardineiros deparam-se com plantas que tem raízes feias. Pois eles são capazes de cultivar algo que parece feio a princípio, até extrair a beleza que há nele.

Para Nietzsche, essa é uma metáfora de como devemos agir na vida: pegar situações que nos parecem horríveis e fazer nascer algo belo delas. lsso só depende de nós mesmos.

A inveja, por exemplo, pode gerar só amargura. Mas, se conduzida do jeito certo, pode nos estimular a disputar com um rival e produzir algo maravilhoso.

A ansiedade pode nos deixar em pânico, mas também pode nos levar a uma análise do que está errado, gerando, assim, paz de espírito.

Era por isso que Nietzsche desejava o infortúnio a seus amigos. Por acreditar que as dificuldades eram um mal necessário e que, se cultivadas com a aptidão necessária, podiam levar à criação de coisas belas.

- Você desejaria o fracasso a seus amigos?
- Não. A sensação do fracasso, sim.
- Por quê?
- Porque a sensação de fracassar é terrível, mas a sensação de se reerguer depois contextualiza as duas sensações. O depois fica muito mais saboroso.

Se Nietzsche dedicou-se a pensar nas melhores reações aos problemas, ele também refletiu sobre quais seriam as mais desastrosas. E concluiu que uma das piores era afogar as mágoas. Um dos traços mais marcantes de Nietzsche era seu horror pelo álcool. Era mais que uma questão de gosto pessoal. Ele dizia que qualquer pessoa que quisesse ser feliz não deveria chegar perto de bebidas alcoólicas.

Imaginar que seja bom escapar dos problemas tomando 1 ou 2 drinques de vez em quando é ter uma visão equivocada da análise nietzschiana da relação entre sofrimento e felicidade.

A felicidade não vem da fuga dos problemas, e sim do ato de cultivá-los para extrair algo positivo deles. A última coisa que Nietzsche recomendaria seria afogar as mágoas.

Nossas preocupações são pistas valiosas do que está errado com a nossa vida e podem apontar o caminho para torná-la melhor.

Embora tenha tido uma vida difícil, não devemos achar que Nietzsche viveu se lamentando o tempo todo. Muitas vezes, ele falava de satisfação, sobretudo quando estava nas montanhas. Mas, por satisfação, ele queria dizer algo mais abrangente do que a sensação de bem-estar que talvez possamos imaginar.

Como diz a famosa frase de Nietzsche: "Aquilo que não me mata só me fortalece".

Nem tudo aquilo que nos faz sofrer é necessariamente ruim, assim como nem tudo que nos dá prazer necessariamente nos faz bem. "Considerar o sofrimento como algo mau a ser abolido", Nietzsche escreveu, "é o cúmulo da idiotice".

segunda-feira, 4 de junho de 2018

“Carpe Diem”, o belo e encantador poema de Walt Whitman que irá motivá-lo a lutar por seus sonhos

Carpe Diem é uma frase em latim de um poema de Horácio, e é popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. É também utilizada como uma expressão para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inúteis ou como uma justificativa para o prazer imediato, sem medo do futuro.


Vindo da decadência do império Romano o termo Carpe diem era dito para retratar o “cada um por si”, devido o império estar se desfazendo, naquele momento a visão de que cada dia poderia ser realmente o último era retratado pela frase que hoje é utilizada como uma coisa boa, porém sua origem vem do desespero da destruição de um grande império antigo.
No filme “A Sociedade dos Poetas Mortos”, o personagem de Robin Williams, Professor Keating, utiliza-a assim:
“Mas se você escutar bem de perto, você pode ouvi-los sussurrar o seu legado. Vá em frente, abaixe-se. Escute, está ouvindo? – Carpe – ouve? – Carpe, carpe diem, colham o dia garotos, tornem extraordinárias as suas vidas.”
O poema relacionado à ideia de Carpe Diem, de autoria de Walt Whitman, utilizado como mote no filme:
Aproveita o dia (Walt Whitman)
Aproveita o dia,
Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer que as palavras e as poesias sim podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela, sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…
Walter Whitman (1819 – 1892) foi um jornalista, ensaísta e poeta americano considerado o “pai do verso livre” e o grande poeta da revolução americana.
Original em https://www.pensarcontemporaneo.com/3561-2

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Mídias socioambientais: financiando uma economia sustentável Por Amyra El Khalili

Quem atua no mercado financeiro costuma ouvir aquela afirmação: “O mercado sobe no boato e cai no fato”.
Se alguém me perguntasse “como você conseguiu saber que o petróleo teria suas cotações disparadas, com altas sucessivas até atingir a maior marca dos últimos 20 anos?”, responderia: mídias socioambientais.
Já tinha gritado que a US$ 26,00 o barril era para entrar comprando e que abaixo de US$ 34,00 o mercado nunca mais retornaria. Disse isso num evento em Brasília, sobre mudanças climáticas, e por isso fui ridicularizada. Como não opero mais commodities convencionais por questões de princípio, fiquei só observando quando o mercado do petróleo virou na cara de todos e começou a subir, subir, subir.
Neste caso, não era boato, não. Era guerra mesmo, conflitos, e a tão propalada invasão no Iraque. Mas antes disso tudo, quando gritei alto e bom som, nem se cogitava da 2ª Intifada Palestina, do 11 de setembro ou de quaisquer um desses fatos.
Depois de anos analisando mercados de capitais, balanços de empresas, conjunturas econômicas, comércio exterior, política internacional, índices e cotações, o que leio no jornal diário já não me convence mais. É certo que todo analista um dia se cansa. Descobre que a notícia de hoje foi o boato de ontem. E não tem mais confiança em dados de mesmos subsídios para tomar decisões.
Quando a internet não existia, operávamos com o sistema viva-voz, cotações on line de sinais por satélite. No traquejo do vaivém das bolsas, acompanhávamos informações instantâneas calculando com a cabeça na velocidade do computador. A matemática é apenas a constatação das nossas avaliações e a execução da ordem de compra e venda nos pregões, o resultado da confiança dos investidores em nós depositada. Estas variáveis todas juntas formam o preço.
Hoje, a moçada recém-formada sai da faculdade com um laptop repleto de programas e softwares com ‘ene’ calculadoras e mal consegue entender o que água tem a ver com floresta. Essa turminha não lê, não se informa e fica à deriva da mídia convencional, esperando o boato para fazer dele um fato, para azar dos investidores e players.
As mãos invisíveis do mercado

Se você olha essa mídia socioambiental como gritona, que só sabe denunciar e reclamar, pode ir mudando de ideia. Os melhores negócios e investimentos têm sido apontados por esta mídia, que tem o olhar sobre os fatos. A cada dia nascem mais e mais jornais de bairro, rádios comunitárias, blogs, sites, boletins, livros, revistas, vídeos que se incorporam às redes de comunicação na internet. A internet é o palco de transformação da mídia convencional, que acaba por se nutrir das informações produzidas pelas mídias socioambientais. Busca a informação de ponta que circula em redes.
Não espere que esta informação vá aparecer no balanço da empresa que se apresenta para captar dividendos com suas ações nas bolsas. É evidente que ela não apresentará seus passivos, suas deficiências, nem tampouco seus processos. Mas, se você acompanhar as mídias socioambientais, descobrirá se o setor de investimentos é ou não o mais apetitoso. Apesar de estas mídias excomungarem palavras-chave, como mercado, commodities, bolsas, economistas, são o melhor e mais transparente indicador econômico que você poderá ter. Ninguém mais do que as mídias socioambientais apontam onde dá lucro, por mais contraditório que seja, ou, pelo menos, onde você poderá ter um belo prejuízo.
Medo de quê? Quem não deve não teme!
Mídias socioambientais não vendem opinião; vendem espaço. Se seu negócio é bom, que seja para todos, incluindo seus investidores e parceiros, porque negócio bom para um só não é negócio, mas manipulação. Alguém vai quebrar ou ficará sem ‘mercado’.
As questões ambientais fazem parte da rotina de cada cidadão. Os jovens nas escolas querem saber o que é transgenia, biotecnologia, querem entender os debates e as denúncias que circulam na internet. Se antes seus universos se restringiam à televisão, à escola e a amigos, hoje acessam a internet, navegam em sites, procuram blogs, abrem comunidades no facebook.
A dona de casa quer entender por que aquele furacão com um simpático nome feminino destruiu a cidade do jazz nos EUA. Ela provavelmente nunca verá o lado pobre da grande nação Big Brother. O taxista quer compreender o que foi essa tal de ‘tsunami’, e por que o padre fez greve de fome pelo rio São Francisco, ou por que o jornalista Franselmo se imolou num protesto ambientalista. Minha mãe me pergunta por que a Amazônia está secando.
Os protestos ganham espaço na mídia e avançam sobre os olhares dos comuns. Não dá para ficar indiferente a esta realidade, ainda mais com a cobertura on line das mídias socioambientais.
Estas mídias estão atuando com suas ‘mãos invisíveis do mercado’. São ignoradas pelos grandes agentes financeiros, temidas por muitos empresários, tratadas pela conveniência dos governos e subestimadas pelo poder das mídias convencionais, que insistem em fazer de seus veículos a máxima da cartelização da informação, tendenciosa e concentradora, para fomentar o boato. Enquanto isso, as empresas anunciam nos mesmos veículos de sempre e gastam fortunas para terem suas marcas reconhecidas por sua “eminência parda, o mercado”, que somos todos nós, os consumidores.
E assim, as cotações das bolsas vão subindo, subindo, subindo no boato, e o mercado financeiro se esvaziando, se esvaziando no fato. “Me engana que eu gosto”. A questão é saber por quanto tempo os analistas sustentarão a enganação, traduzida em preço e prejuízos consideráveis. Não diga que a culpa é da política econômica, porque até isso as mídias socioambientais apontaram há tempo com as contradições entre os ministérios e os ministros. Foi você, meu amigo, que não viu, digo, não leu nas mídias socioambientais.
Os analistas do mercado de capitais, brokers, traders competentes e veteranos, se converteram em ativistas pela lógica da inteligência, pois se cansaram de ser enganados. Hoje, querem se nutrir desta mídia que aponta os fatos, doa a quem doer. Estes analistas aprenderam a respeitar essas “mãos invisíveis” e a não subestimar o poder de “sua eminência parda, o mercado”.
Colega, agora analise bem, faça suas continhas, consulte seus gráficos, acesse seus programas e me responda: Mídias socioambientais: por que alguém deveria financiá-las?


Referência:
El Khalili, Amyra. Commodities ambientais em missão de paz – novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe / Amyra El Khalili.  – Bragança Paulista, SP : Heresis, 2017. 336 p.

*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”.