sábado, 29 de dezembro de 2018

Felicidade em 3 segundos

Antes de mais nada, torna-se necessário explicar quem seria esse ex-guru do Google. Trata-se de Chade-Meng Tan, um ex-engenheiro que começou a trabalhar para o Google em 2000. Apesar de ter desempenhado um papel fundamental na construção da famosa função de busca, entre outras proezas tecnológicas, ele ficou ainda mais conhecido por suas aulas de meditação mindfulness (uma categoria de meditação também chamada de “atenção plena”).

Chade-Meng costumava ajudar outros funcionários da empresa a realizar exercícios para mente, papel este que acabou lhe rendendo o apelido de “bom companheiro”. O chamado guru da felicidade eventualmente mudou completamente de ramo, passando a ensinar meditação em um instituto e a escrever livros sobre o assunto.
Na última obra lançada, “Joy on Demand” (algo como “Alegria por Demanda”), o Chade-Meng descreve sua própria trajetória e conta que passou de alguém “constantemente triste” para uma pessoa bem mais feliz.
Tá bem, como ele chegou lá?
Em seus 20 e poucos anos, ele descobriu que não estava preso em uma “auto-aversão” e que o temperamento era uma coisa maleável.

Três segundos

Ele percebeu que reformular a mentalidade com êxito tem menos a ver com horas de terapia e mais a ver com exercícios mentais, incluindo um que ajuda as pessoas a reconhecer as “finas fatias de alegria” da vida.
Um exemplo disso é quando estamos com sede e bebemos água, experimentamos uma fatia fina de alegria tanto no espaço quanto no tempo. Normalmente, esses eventos são banais: um pedaço de sua comida preferida, a sensação de entrar em uma sala com ar condicionado em um dia quente, o momento de conexão ao receber uma mensagem de um velho amigo etc.
Mesmo que eles durem pouco, apenas dois ou três segundos, esses pequenos momentos de alegria se somam, e quanto mais você os nota, mais vai experimentar a felicidade.
Fatias finas de alegria ocorrem na vida em todos os lugares. Uma vez que você começa a perceber isso, algo acontece. Alegria se torna algo com o qual você pode contar. Isso porque você familiarizou sua mente com alegria, explica Chade-Meng Tan.
Essa ideia de Tan está baseada na pesquisa neurológica sobre como formamos hábitos. Comportamentos habituais são controlados pela região de gânglios basais do cérebro, que também desempenha um papel no desenvolvimento de memórias e emoções.
Quanto melhor você se torna em algo, mais fácil é repetir o comportamento sem muito esforço cognitivo.
O exercício da “fatia fina de alegria” de Tan contém um gatilho, uma rotina e uma recompensa, tudo que é necessário para construir um hábito. O gatilho é o momento agradável, a rotina é percebê-lo, e a recompensa é o sentimento da própria alegria.
O exercício também ajuda o cérebro a realizar mais facilmente práticas formais de meditação. Você se torna mais consciente, e essa percepção é uma prática meditativa importante em si.
Em resumo, tudo que você precisa começar a fazer é prestar atenção nos pequenos momentos bons do seu dia. Sinta os pequenos prazeres e com isso ensine sua mente.

Saboreando a vida

A ciência está ao lado da teoria de Tan, há outras evidências que se alinham com seu pensamento. Um pequeno estudo realizado por psicólogos da Universidade de Loyola, por exemplo, mostrou que, entre os adultos com mais de 55 anos de idade, aqueles que relataram uma melhor capacidade de saborear a vida eram mais propensos a relatar maior satisfação em geral com ela, independentemente de problemas de saúde.
As pessoas parecem ficar melhores em “saborear os momentos” à medida que envelhecem. Um pequeno estudo de 2014 feito por professores de marketing da Dartmouth College descobriu que as pessoas mais velhas são mais propensas a se definir a partir dos seus momentos positivos cotidianos.
Na adolescência e juventude, por outro lado, as pessoas gostam de se definir citando momentos extraordinários, como uma formatura ou a compra do primeiro carro.
Momentos comuns que compõem a vida cotidiana tendem a ser esquecidos quando o futuro parece sem limites”, escreveram os autores do estudo. “No entanto, essas experiências comuns contribuem cada vez mais para a felicidade conforme as pessoas realizam que seus dias estão contados



quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Em livro, psicólogos usam ciência para explicar como meditação funciona


Daniel Goleman e Richard Davidson, psicólogos e autores do livro "A Ciência da Meditação", estavam entre os muitos jovens americanos de classe média que, ao longo dos anos 1960 e 1970, deixaram os confortos do Ocidente e se enfurnaram no Himalaia, em busca de um guru que os conduzisse à iluminação. Ao menos no caso deles, anos de estudo das tradições contemplativas do Oriente conseguem conviver bastante bem com doses salutares de ceticismo.
É o que se depreende da leitura da obra, um guia informativo e moderado dos estudos feitos nas últimas décadas sobre a neurociência da meditação. Embora Goleman e Davidson tenham contato regular com o Dalai Lama e outros mestres budistas e hinduístas, suas conclusões são cautelosas: sim, meditar parece fazer bem, de modo geral, mas está longe de ser um negócio mágico. 

Por isso mesmo, argumentam os autores (ambos com experiência em pesquisa empírica sobre o tema e praticantes da meditação), cada modalidade de meditação provavelmente trará benefícios diferentes, em níveis diferentes, de acordo com a intensidade e a qualidade da prática.Aliás, como os dois fazem questão de frisar, "meditação" é um termo amplo demais. As disciplinas mentais/espirituais oriundas da Ásia que acabaram ficando debaixo desse guarda-chuva conceitual quando foram transplantadas para o Ocidente são quase tão diversificadas quanto as tradições religiosas onde nasceram. Para demonstrar isso, Goleman e Davidson apresentam o que equivale a um pequeno tratado de metodologia em pesquisa biomédica.

Não basta, por exemplo, colocar meia dúzia de sujeitos numa turma de "mindfulness" (hoje a modalidade mais popular de meditação, cujo objetivo, grosso modo, é focar a atenção no momento presente) e, depois de um mês de treino, entrevistá-los para ver se agora eles se consideram mais focados e calmos.




A análise cuidadosa dos resultados desse tipo de estudo pouco controlado, bem como sua comparação com pesquisas metodologicamente mais exigentes, revela que a mera presença de um grupo de colegas simpáticos e de um instrutor empolgado é capaz de produzir um aumento no bem-estar dos participantes que seria equivalente, no fundo, ao efeito placebo de um medicamento (quando uma substância inócua, oferecida a um paciente que confia em seu médico, parece produzir uma melhora).

ACADEMIA ESPIRITUAL

Outra abordagem metodológica valiosa envolve a comparação do efeito das práticas de meditação com outro tipo de atividade –relaxamento, fisioterapia etc. Em ambos os casos, o resumo da ópera é que a prática casual de qualquer modalidade de meditação, por períodos curtos, dificilmente terá algum efeito positivo duradouro.

Como ocorre quando os músculos são exercitados, a intensa "ginástica" cerebral da meditação também só produz uma mente verdadeiramente possante com o tempo e a prática constante. Embora os primeiros benefícios de abordagens como a "mindfulness" –melhora na memória de curto prazo, menor ativação em áreas cerebrais ligadas ao estresse e à raiva– apareçam após algumas dezenas de horas de prática, a questão é saber até que ponto é possível produzir "traços alterados", como dizem os autores do livro –ou seja, verdadeiras transformações da personalidade dos meditadores.

A resposta que eles podem oferecer por enquanto? Sim, os meditadores de "nível olímpico" –grandes mestres e iogues, gente capaz de passar meses ou anos em retiros espirituais– de fato parecem ter certos superpoderes, por falta de um termo melhor. Análises de ressonância magnética funcional, por exemplo, indicam que esse tipo de indivíduo é capaz de lidar com a dor intensa de maneira muito diferente do comum dos mortais.

Embora eles sintam a intensidade do estímulo doloroso de modo muito semelhante ao de outras pessoas no instante em que ele acontece, é possível testemunhar uma diminuição muito rápida do impacto dessa dor em seus cérebros –como se, de fato, eles conseguissem observar os efeitos da dor de forma distanciada, e não como algo que toma conta da identidade deles.Da mesma forma, análises preliminares desses grandes iogues sugerem uma capacidade de retardar os efeitos do envelhecimento sobre a anatomia cerebral, às vezes produzindo uma "idade cerebral" algumas décadas mais jovens que a "idade cronológica" do sujeito.

Se não dá para passar onze anos numa caverna do Nepal, o que fazer para tentar conseguir alguns dos tais "traços alterados"? Não tem milagre, dizem os pesquisadores: perseverança, um mestre confiável e trabalho duro são a chave –uma receita de iluminação que não difere muito da que caracteriza a ciência.