O frenesi da globalização e seus
descontentes. Consta que tudo começou com o cozinheiro Carlo Petrini. Na década
1980, este italiano participou de uma campanha contra a abertura de uma loja McDonald’s
em Roma. Nasceu pouco depois o movimento Slow Food, voltado para a preservação
da cozinha regional e tradicional, contra a mesmice e a pressa do onipresente
fast-food. O sucesso cruzou fronteiras e atraiu seguidores em mais de 150
países. Na esteira, vieram o slow living, o slow travel e o slow cities. Como guarda-chuva,
cunhou-se o termo slow movement.
Um filósofo norueguês – Guttorm
Floistad – conferiu ao movimento poesia e princípios:
“A única coisa que podemos tomar
como certeza é que tudo muda. A taxa de mudança aumenta. Se você quer
acompanhar, melhor se apressar. Esta é a mensagem dos dias atuais. Porém, é
útil lembrar a todos que nossas necessidades básicas não mudam. A necessidade
de ser considerado e querido! A necessidade de pertencer. A necessidade de
estar próximo e de ser cuidado, e de um pouco de amor! E isso é conseguido
apenas pela desaceleração das relações humanas. Para ganharmos controle das
mudanças, devemos recuperar a lentidão, a reflexão e a capacidade de estarmos
juntos. Então encontraremos a verdadeira renovação”.
Agora, da terra do resistente
Asterix, nos chega uma nova onda do slow movement: a slow science. Seus arautos
condenam a cultura da pressa e do imediatismo que invadiu, nos últimos anos, as
universidades e outras instituições de pesquisa. A fast science, segundo os
rebeldes franceses, busca a quantidade acima da qualidade. Aprisionados pela
lógica do “produtivismo” acadêmico, os pesquisadores tornam-se operários de uma
linha insana de montagem. E quem não se mostrar agitado e sobrecarregado,
imerso em inúmeros projetos e atividades, será prontamente cunhado de
improdutivo, apático ou preguiçoso.
Os cientistas signatários da slow science entendem que o mundo da ciência sofre de uma doença grave, vítima da ideologia da competição selvagem e da produtividade a todo preço. A praga cruza os campos científicos e as fronteiras nacionais. O resultado é o distanciamento crescente dos valores fundamentais da ciência: o rigor, a honestidade, a humildade diante do conhecimento, a busca paciente da verdade.
A “mcdonaldização” da ciência produz
cada vez mais artigos científicos, atingindo volumes muito além da capacidade
de leitura e assimilação dos mais dedicados especialistas. Muitos trabalhos são
publicados, engrossam as estatísticas oficiais e os currículos de seus autores,
porém poucos são lidos e raros são, de fato, utilizados na construção da
ciência.
Os defensores da slow science
acreditam que é possível resistir à fast science. Sonham com a possibilidade de
reservar ao menos metade de seu tempo para a atividade de pesquisa; de livrarem-se,
vez por outra, das demandantes atividades de ensino e das tenebrosas atividades
administrativas; de privilegiar a qualidade em detrimento da quantidade de
publicações; e de preservar algum tempo para os amigos, a família, o lazer e o
ócio.
A eventual chegada da onda da
slow science aos trópicos deve ser observada com atenção. Por aqui, cruzará com
a tentativa de fomentar a fast science. Entre nós, o objetivo de aumentar a
produção de conhecimento levou à criação de uma slow bureau-cracy, que avalia e
controla o aparato científico. A implantação gradativa da lógica fast, com seus
indicadores e suas métricas, pretende definir rumos, estabelecer metas, ativar
as competências criativas da comunidade científica local e contribuir para a
construção do futuro da augusta nação. Boas intenções!
Os efeitos colaterais,
entretanto, são consideráveis. A lógica fast está condicionando os cientistas
operários a comportamentos peculiares. Sob as ordens de seus capatazes
acadêmicos ou por iniciativa própria, eles estão reciclando conteúdos para
aumentar suas publicações; incluindo, em seus trabalhos, como autores, colegas
que pouco ou nada contribuíram; e assinando, sem inibição, artigos de seus
alunos, aos quais eles pouco acrescentaram. Tudo em prol da melhoria de seus
indicadores de produção.
Enquanto as antigas gerações vão
se adaptando, aos trancos e barrancos, ao modo fast, as novas gerações de
pesquisadores já são formadas sob os princípios da nova doutrina. Aqui, como ao
norte, vão adotando o lema da fast science: publish or perish (publique ou desapareça).
E, se o objetivo é publicar, vale tudo, ou quase tudo.
Para onde vão os cientistas e a
ciência? O destino não é conhecido,mas eles estão indo cada vez mais rápido.
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