O Brasil tem
a maior reserva
de água doce do planeta. Concentram-se aqui 12% de todos
os recursos hídricos globais.
O que explica, então, a crise
de abastecimento pela qual passa o Estado de São Paulo, o
mais populoso e rico do país?
A seca histórica
que atinge o Sudeste há dois anos, a maior dos últimos 84 anos, efeito contínuo
de uma massa de ar quente que estacionou na região, justifica parte do
problema. Mas não é prudente atribuir o baixo nível de água apenas às mudanças climáticas pelas
quais passa a Terra, e que fazem proliferar climas extremos.
O Brasil é exemplo de descaso na administração de seus recursos hídricos.
Em todo o país, desperdiçam-se 40% da água captada, que vaza por encanamentos
precários, de manutenção quase inexistente. Em São Paulo, a perda é de 31,2%. É
falha que poderia ser corrigida com melhorias anunciadas desde 2004, quando o
estado passou por crise similar.
Muito pouco foi feito. Sem o desperdício,
haveria água de
sobra. O descaso, porém, não é exclusividade brasileira. Países como China e
Índia descuidam de suas reservas, usando-as sem critério. Com isso, o planeta
vê dezenas de trilhões de litros indo pelo ralo.
É assustador observar como tratamos
o elemento essencial à vida,
limitado e insubstituível. Se gastarmos todos os combustíveis fósseis que
existem, teremos outrasfontes
energéticas, como a solar e a eólica. Vivemos dezenas de
milhares de anos sem combustíveis fósseis. Sobrevivemos, e sobreviveríamos sem
eles. Mas, se dermos cabo dos estoques
de água, não haverá alternativa. Água é tudo.
Estima-se o valor do atual mercado global de água doce em
425 bilhões de dólares. Se o estoque um dia acabar, o que é muito improvável,
ou for seriamente comprometido, o que é possível, entrará em risco a sobrevivência da humanidade.
Tomem-se os atuais exemplos de São Paulo e Minas Gerais para entender que
danos, ainda plenamente administráveis, a falta d’água pode provocar.
Na capital paulista, pesquisa Datafolha
divulgada recentemente revelou que 60% dos moradores ficaram sem água nos
últimos trinta dias. No interior, o cenário se agrava. Alguns municípios, a
exemplo de Cristais Paulista, multam quem desperdiça água. Em Itu, há protestos
de rua, e caminhões-pipa precisam de escolta para não ser atacados. Ao prejudicar
a economia e o abastecimento, a seca dá
início a perigosos conflitos.
Desde 1990, a disputa por água foi
motivo de 2 200
conflitos diplomáticos, econômicos ou militares pelo
planeta. A tensão deve se intensificar. A ONU calcula que faltará água
limpa para 47% da população global até 2030. Diz o
urbanista americano Michael
Klare, autor do livro The
Race for What’s Left (em inglês, A Corrida pelo que Sobrou),
sobre disputas por recursos naturais: "A água virou o novo combustível
fóssil, causa de batalhas ferrenhas. Guerras que aumentarão em número e
dimensão, já que a demanda cresce, enquanto a oferta diminui".
A resposta para a crise hídrica parece
simples: temos de consumir menos e diminuir drasticamente o desperdício. Mas
são atitudes difíceis de ser implantadas, já que dependem de uma mudança
radical de costumes. A demanda de água per capita nos Estados Unidos ultrapassa
os 500 litros, dez vezes o recomendado pela ONU. Enquanto isso, áreas pobres
quase não têm acesso ao recurso. Moçambique é dono de um dos piores cenários,
onde há apenas 4 litros de água limpa por morador.
Para controlar o gasto, todo cidadão
precisa rever seus hábitos cotidianos, como deixar a torneira aberta enquanto
escova os dentes ou tomar longos banhos. Mas soa injusto cobrar exclusivamente
uma nova postura individual. São essenciais também políticas públicas que
repreendam o desperdício.
A Califórnia é exemplo mundial nesse
aspecto. São Paulo vê secar seu principal reservatório, o da Cantareira, cujo
nível está em 3%. Seu primeiro estoque de volume morto, cota que repousa no fundo das
represas, abaixo do túnel que costuma drenar a água, e, por isso, mais suja que
o usual, deve desaparecer no próximo mês.
A segunda parcela segurará o
abastecimento por poucos meses. Enquanto isso, o governo promete entregar obras
que aumentarão a captação
de água, e já se cogitou importar recursos hídricos de outros
estados. São apenas paliativos, que em nada ajudarão a longo prazo se o
desperdício não for controlado. Para o Brasil e para o mundo, a crise da água
serve como alerta. Se não cuidarmos dos escassos recursos que temos,
desenharemos um futuro
cada vez mais árido.
Fonte:http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/tudo-agua-807918.shtml
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