Com 20% da floresta desmatada outros
20% degradados, a floresta amazônica já começa a falhar em seu papel de
regulação do clima da América do Sul, diz o biogeoquímico Antônio Nobre, do
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
A pedido de ONGs ambientalistas
coordenadas pela ARA (Articulação Regional Amazônica), Nobre publicou um
relatório revisando 200 estudos sobre o cenário de pesquisa na área, e concluiu
que a floresta já dá sinais de desgaste em seu papel de bombear umidade do
oceano para o interior da América do Sul, entre outros problemas.
O papel de "bomba d'água
biótica" que a floresta exerce, demonstrado por trabalhos anteriores do
próprio Nobre, pode estar em risco.
A consequência disso, afirma o
cientista, é que chuvas dentro do bioma e também num polígono ao sul do
continente, a leste dos Andes, podem não chegar com a mesma regularidade.
Para reverter a situação, Nobre diz que
a solução é não apenas parar o desmatamento mas também iniciar um amplo
processo de reflorestamento, pois a seca que a região Sudeste vive hoje já pode
ser resultado da destruição da Amazônia.
Nobre diz ter ficado
"assombrado" com a quantidade de evidências recentes que encontrou
para esse fenômeno em estudos de revisão publicados em revistas científicas
indexadas. Mas preferiu publicar suas conclusões primeiro em um relatório em
linguagem voltada ao público em geral.
"Falar disso para os cientistas é
meio como pregar o pai-nosso para o vigário", disse Nobre ontem num evento
em São Paulo, onde o trabalho foi lançado. A decisão de publicar um estudo em
linguagem acessível também se deu por uma vontade de prestar contas de suas
pesquisa à sociedade, diz o cientista.
"É uma decisão arriscada da minha
parte, mas o 'peer review' [sistema de revisões independentes adotado por
revistas científicas técnicas] dificulta muito esse tipo de analise
integrativa", afirmou.
O relatório de Nobre, intitulado
"O Futuro Climático da Amazônia", cita trabalhos mais atualizados do
que aqueles apresentados no último relatório do IPCC (painel do clima da ONU),
por exemplo, que não previa problemas tão graves na região.
O painel foi mais reticente em afirmar,
por exemplo, que a Amazônia pode se transformar em uma savana no futuro,
impulsionada pelo aquecimento global, conclusão antes tida como mais segura.
"Como nenhum modelo climático
atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba
biótica de umidade, principalmente nos potenciais efeitos das mudanças na
circulação do vento, suas projeções podem ser incertas", escreve Nobre no
relatório.
Para o cientista, outro fator também
vinha sendo subestimado em alguns modelos matemáticos que tentam reproduzir a
interação entre a floresta e o clima: a degradação florestal, os trechos de
vegetação que já perderam boa parte de suas árvores e sua biodiversidade, mas
que aparecem como floresta intacta em fotos de satélites.
Isso faz com que 40% da floresta esteja
prejudicada em diferentes níveis, porcentagem similar à que alguns estudos
previam como o ponto de virada no qual a floresta não mais conseguiria se
sustentar sozinha, incapaz de garantir a própria umidade.
"A gente já está chegando nesse
'tipping point', e a capacidade de compensação do sistema não está mais
aguentando", diz.
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