sábado, 25 de novembro de 2017

AS COMMODITIES AMBIENTAIS E A MÉTRICA DO CARBONO - Por Amyra El Khalili

De acordo com o Ministério da Agricultura, em 2013 o agronegócio brasileiro atingiu a cifra recorde de 99,9 bilhões de dólares em exportações. Soja, milho, cana ou carne ganham os mercados externos na forma de commodities: padronizadas, certificadas e atendendo a determinados critérios e valores regulados internacionalmente.
No entanto, as monoculturas extensivas não deveriam ser a única alternativa de produção brasileira. A movimentação econômica envolvendo as commodities convencionais exclui do processo de produção e das decisões os pequenos e médios produtores, campesinos, extrativistas, ribeirinhos, as populações indígenas e as populações tradicionais. Sem grandes incentivos governamentais, sem investimento para atingir os elevados padrões de qualidade nacionais e internacionais ou sem capacidade produtiva para atingir os mercados, estes permanecem sempre à margem do sistema (COSTA, Andriolli. IHU On Line 2014).
Foi com base no raciocínio de inclusão e empoderamento dos excluídos que cunhei, a partir da minha experiência como operadora de commodities durante a guerra Irã-Iraque e da militância na questão árabe-israelense, a expressão “commodity ambiental “, como provocação contra o modelo de produção de commodities tradicionais/convencionais.
Uma commodity tradicional/convencional é a matéria-prima extraída do ecossistema que é manufaturada e ajustada de acordo com um critério internacional de exportação adotado entre transnacionais e governos. Por outro lado, a commodity ambiental também terá critérios de padronização, mas adotando valores socioambientais e um modelo econômico totalmente diferente.
O conceito commodity ambiental está em permanente construção, mas, atualmente, representa o produto manufaturado pela comunidade de forma artesanal; integrada ao ecossistema, não promove impacto ambiental. Já a commodity convencional privilegia a monocultura, a transgenia, a biologia sintética, a geoengenharia e a mecanização, com seus lucros concentrados nos grandes proprietários e corporações. A ambiental é pautada pela diversificação de produção, pela produção agroecológica e integrada, e privilegia o associativismo e o cooperativismo.
Comoditização e financeirização da natureza
A comoditização da natureza é transformar o bem comum em mercadoria. Ou seja, a água, que na linguagem jurídica (art. 225 da Constituição brasileira), é chamada de bem difuso, de uso comum do povo, deixa de ser bem de uso público para ser privatizada, para se tornar mercadoria. A financeirização é diferente; é a ação de tornar financeiro o que deveria ser apenas econômico e socioambiental.
Isto porque a melhora da qualidade de vida também é uma questão econômica. Uma região em que as pessoas conseguem conviver com a natureza e têm acesso à água limpa, por exemplo, oferece um custo financeiro menor. É onde se vive melhor e se gasta menos. Isto também tem fundamento econômico.
No caso da financeirização da natureza, por exemplo, seria nossa obrigação de pagar por serviços que a natureza faz de graça para todo mundo e que nunca foram contabilizados na economia, como, entre outros “serviços”, sequestrar o carbono da natureza.
Commodity convencional versus Commodity ambiental
Uma commodity convencional é a matéria-prima extraída do ecossistema, que é manufaturada e padronizada de acordo com um critério internacional de exportação adotado por transnacionais e governos. Excluem-se, desse processo e respectivas decisões, os pequenos e médios produtores, os extrativistas e ribeirinhos, entre outros. O ouro, por ser minério, não é uma commodity; enquanto está na terra, é um bem comum. Ele se torna quando transformado em barras, registrado em bancos, devidamente certificado com padrão de qualidade avaliado e adequado a normas de comercialização internacional.
A commodity ambiental também terá critérios de padronização, mas adotando valores socioambientais e um modelo econômico totalmente diferente. O conceito está em construção e debate permanente, mas hoje chegamos à seguinte conclusão: a commodity ambiental é o produto manufaturado pela comunidade de forma artesanal; integrada ao ecossistema, não provoca o impacto ambiental como ocorre na produção de commodities convencionais.
A convencional (soja, milho, café, boi, pinus etc.) é produzida como monocultura; já a ambiental exige a diversificação da produção, respeitando os ciclos da natureza de acordo com as características de cada bioma. A convencional caminha para a transgenia, para a biologia sintética e geoengenharia; a outra, caminha para a agroecologia, a permacultura, a agricultura alternativa e de subsistência, estimulando e valorizando as formas tradicionais de produção que herdamos de nossos antepassados. A convencional tende a concentrar o lucro nos grandes produtores; já a ambiental o divide em um modelo associativista e cooperativistas para atender à maior parte da população que foi excluída do outro modelo de produção e financiamento.
O Brasil concentra sua política agropecuária em alguns poucos produtos da pauta de exportação (soja, cana, boi, pinus, eucaliptos, café, algodão, entre outros). A comoditização convencional promove o desmatamento, que elimina a biodiversidade, com a abertura das novas fronteiras agrícolas. Nós somos produtores de grãos, mas não existe apenas essa forma de geração de emprego e renda no campo.
Pense-se na capacidade da riqueza da nossa biodiversidade e o que poderíamos produzir com a diversificação no Brasil: doces, frutas, sucos, polpas, bolos, remédios naturais, chás, condimentos, temperos, licores, bebidas, farinhas, cascas reprocessadas e vários produtos oriundos de pesquisas gastronômicas. Sem falar em artesanato, reaproveitamento de resíduos e reciclagem. O meio ambiente não é entrave para produzir; muito pelo contrário.
Na commodity ambiental, utilizamos critérios de padronização reavaliando os critérios adotados nas commodities convencionais. Por isso, cunhei o termo para explicar a “descomoditização”. No entanto, diferentemente dos convencionais, os critérios de padronização podem ser discutidos; necessitam de intervenções de quem produz e podem ser modificados. Nas commodities ambientais, o excluído deve estar no topo deste triângulo, pois os povos das florestas, as minorias, os campesinos e as comunidades que vivem desde sempre nesses ecossistemas é que devem decidir sobre contratos, critérios e gestão destes recursos, uma vez que a maior parte dos territórios lhes pertence por herança ancestral.
Tomemos, como exemplo, as produções alternativas com as riquezas do Cerrado, que vem sendo ameaçado por monocultivos e pastagens:
- frutas regionais: – araticum, cagaita, baru, jatobá, mangaba, murici, cajuí, araçá, faveira, pequi, gabiroba, gueiroba, buriti, oiti-tucum, bacuri, ingá, muta, sapucaia, genipapo, mutamba.
- plantas medicinais: arnica, ipê, barbatimão, faveira, copaíba, aroeira, andiroba, mangabeira, açapeixe, favaca, favadanta jatobá, timbó, pára-tudo, cipó milhones, sucupira, sangra d´água.
- comestíveis - pequi, gabiroba, imbé, bacaba;
- óleos essenciais:– óleo de pequi, copaíba, babaçú, macaúba;
- madeira do cerrado:– aroeira, angico, jatobá, braúna, cedro do cerrado, landim, ipê, ata menjú, angelim;
- corantes: cedro do cerrado para cor vermelha;
- condimentos;
- biocidas,
- plantas e sementes ornamentais: bromélias, orquídeas etc.;
- minérios: pedras semipreciosas, pigmentos minerais a exemplo dos usados pelos artesãos da Serra Dourada-GO;
- animal silvestre criado em cativeiro: capivara, cutia, paca, aves, jaó, juriti, ema...
- produtos orgânicos: hortaliças, frutas, legumes e temperos;
- ervas medicinais convencionais;
- artesanato: usando pedras semipreciosas, folhas e flores secas, madeira ou cerâmica;
- produtos da culinária regional: arroz com pequi, galinha com gueiroba, galinha com pequi, pupunha.
Merecem destaque, no Cerrado, processos produtivos como a agricultura orgânica – processo em expansão na região -, e o manejo sustentável de recursos e áreas nativas; os processos de reaproveitamento e reciclagem de resíduos; os processos de gestão, como o zoneamento econômico ecológico, feito com participação comunitária e políticas públicas; a energia renovável – solar e eólica. O turismo (ecoturismo, turismo rural, de aventura), que usa os atrativos locais (paisagem, águas, cachoeiras, cavernas) e a cultura e folclore regional (culinária, festivais, etc.), que, na verdade, constituem alternativas de geração de emprego e renda para a população local.
Comercialização das Commodities Ambientais
Com o objetivo de estimular a organização social, cito um exemplo de comercialização associativista e cooperativista bem-sucedida. É o caso dos produtores de flores de Holambra (SP). Além de produzirem com controle e gestão adequados às suas necessidades, a força da produção coletiva e o padrão de qualidade fizeram com que seu produto ganhasse espaço e reconhecimento nacional.
Hoje veem-se flores de Holambra até na novela da Globo. Esta produção, porém, ainda está no padrão das commodities convencionais, pois envolve o uso de agrotóxicos. Mesmo assim, conseguiu adotar outro critério para decidir sobre padronização, comercialização e precificação, libertando-se do sistema de monocultura. A produção de flores é diversificada, o que faz com que o preço se mantenha acima do custo de produção, auferindo uma margem de lucro para seus produtores associados e cooperativados.
Inspirados no exemplo de comercialização da Cooperativa Agrícola de Holambra com o sistema de Leilão de Flores (Veiling) - uma bolsa que forma preço com estrutura e organização bem diferente das Bolsas de Valores, de Mercadorias e de Futuros cujos proprietários são banqueiros e corretores -, desenvolvemos um projeto de comercialização das commodities ambientais, além de novos critérios integrados e participativos de padronização com associativismo.
No entanto, o governo também precisa incentivar mais esse tipo de produção alternativa e comunitária. A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, exige normas de vigilância sanitária e padrões de industrialização que tornam inacessível às mulheres de Campos dos Goytacazes colocar suas goiabadas nos supermercados brasileiros (além de sua cidade). Quem consegue chegar aos supermercados para vender um doce? Com raras exceções, só as grandes empresas de alimentos industrializados.
E o questionamento que está sendo feito é justamente este. Abrir espaço para que pessoas como as produtoras de doces saiam da margem do sistema econômico. Que elas também possam colocar o seu doce na prateleira e este concorra com um doce industrializado, com um preço que seja compatível com sua capacidade de produção. Não é industrializar o doce de goiaba, mas manter um padrão artesanal de tradição da goiabada cascão. Se não tivermos critérios fitossanitários, entre outros critérios, para trazer para dentro essa produção que é feita à margem do sistema, elas vão ser sempre espoliadas e não terão poder de decisão. O que se pretende é que se crie um mercado alternativo e que esse mercado tenha as mesmas condições, e possa, sobretudo, decidir sobre como, quando e o que produzir.
O termo commodities ambientais é, por vezes, utilizado de maneira distorcida, como que fazendo referência às commodities convencionais, mas aplicada a assuntos ambientais, como os créditos de carbono, ou classificando as matrizes ambientais, que são bens comuns e/ou processos (água, energia, biodiversidade, florestas, minério, reciclagem e redução de poluentes – água, solo e ar), à commoditização e financeirização da natureza, quando as commodities ambientais são as mercadorias originadas destas matrizes.
Nunca dissemos que matrizes ambientais são mercadorias e tampouco propusemos instrumentos econômicos para mercantilizá-las e financeirizá-las, mesmo que o entendimento do senso comum procure resumir a expressão “commodities ambientais” ao conjunto de mercadorias e suas matrizes, já que uma (a commodity) não existirá sem preservar a conservar a outra (matriz).
Pelo contrário, a defesa das commodities ambientais, e suas matrizes, consiste justamente no direito de uso dos bens comuns pelas presentes e futuras gerações e no princípio da “dignidade da pessoa humana”. Tal proposta seria inconstitucional e contrária ao que está sendo discutido há 20 anos. A estratégia “commodities ambientais” foi adotada, há 20 anos, para construir coletivamente uma cultura de resistência, exatamente para combater a degradação ambiental, a exclusão social com suas desigualdades e, principalmente, o poder autofágico do sistema financeiro.
Esta apropriação indevida foi feita pelos negociantes do mercado de carbono. Eles buscavam um termo diferente da expressão “créditos de carbono”, uma palavra que já denuncia um erro operacional. Afinal, se se pretende reduzir a emissão, por que creditar permissões para emitir? Contadores, administradores de empresa e profissionais do setor financeiro não entendiam como se reduz emitindo um crédito que entra no balanço financeiro como ativo e não como passivo.
Como o nome créditos de carbono não estava caindo na graça de gente que entende de mercado, adotaram a expressão commodities ambientais para tentar justificar créditos de carbono. Na verdade, porém, estavam comoditizando a poluição, com a devida financeirização. É o que consideramos prática de assédio conceitual sub-reptício: quando se apropriam de ideias alheias, esvaziam-nas em seu conteúdo original e as preenchem com conteúdo espúrio. É importante salientar que esse “modus operandi” está ocorrendo também com outras iniciativas e temas, como as questões de gênero e etnia, bandeiras tão duramente conquistadas por anos de trabalho, e que nos são tão caras.
Mercado de Ativos Ambientais
Depois de muita crítica e de várias intervenções no meio especializado em finanças, trocaram a nomenclatura para reduções certificadas de emissão (RCEs); mesmo assim, a confusão persistiu, exigindo um longo e complexo debate sobre qual seria a natureza jurídica e tributária dos “créditos de carbono”, uma vez que a tal mercadoria não existe.
De acordo com o “Projeto de Fortalecimento das Instituições e Infraestrutura do Mercado de Carbono no Brasil”, de autoria dos escritórios Leoni Siqueira Advogados e ASM Asset Management, financiado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial), com recursos do Programa de Assistência Técnica do Fundo Fiduciário para o Desenvolvimento de Políticas e Recursos Humanos (PHRD) do governo japonês, para o Banco Mundial, Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBOVESPA) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), como proposta para a “Regulamentação dos Ativos Ambientais no Brasil”, os créditos de carbono, ou RCE (Redução Certificada de Emissão), são um ativo financeiro com natureza jurídica de título mobiliário impróprio de legitimação.
Segundo o parecer jurídico e tributário publicado na Revista da Receita Federal – Estudos Tributários e Aduaneiros (2015), “ A natureza jurídica e a incidência de tributos federais sobre os negócios jurídicos envolvendo as Reduções Certificadas de Emissão (RCE) (Créditos de Carbono)”, do auditor-fiscal e julgador da Sétima Turma da Delegacia da Receita Federal de Julgamento de São Paulo, Mauro José Silva, no qual foi analisada a definição da expressão “commodity ambiental” (EL KHALILI, 2009):
O artigo trata da incidência de tributos federais nos negócios jurídicos que envolvem RCEs, abordando a natureza jurídica de tais certificados e apontando a nossa conclusão sobre a carga tributária aplicável, bem como traz a posição oficial do fisco federal sobre a tributação. A discussão sobre a natureza jurídica analisa as seguintes alternativas: bem incorpóreo, commodity ambiental, título ou valor mobiliário e derivativo, concluindo ser adequado compreender as RCEs como bem incorpóreo [...]
[...] Assim sendo, Gabriel Sister concluiu, acertadamente, que a commodity pressupõe a existência material de um bem que se sujeitará à distribuição para consumo. Como as RCEs representam bens intangíveis, fica afastada a possibilidade de enquadrá-las na definição de commodity. Como não admitimos que as RCEs são commodities, como gênero, não há espaço para que sejam admitidas na espécie das commodities ambientais, em sentido jurídico.
REDD e Risco Sistêmico
Os defensores da REDD (Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação) promovida pelos créditos de compensação (Carbono) afirmam que, apesar de esse recurso oferecer aos países industrializados uma permissão para poluir, com a compensação, o governo estabelece um limite para estas transações. Tal afirmação não encontra respaldo na realidade. Esse controle tanto não é feito de maneira adequada que, em 2012, foi levantada uma polêmica no parlamento europeu de grupos que exigiam que a Comunidade Europeia retivesse 900 milhões de permissões de emissão autorizadas após o mercado ter sido inundado por estas permissões (cap and trade). São permissões auferidas pelos órgãos governamentais que as venderam quando a cotação dos créditos de carbono estava em alta, e que caíram para quase zero.
Então, na teoria, pode ser muito bonito, mas entre a teoria e a prática há uma distância oceânica. Há também o seguinte: ainda que se tenha o controle regional, a partir do momento em que um título desses vai ao mercado financeiro e pode ser trocado entre países e Estados em um sistema globalizado, fica a questão: quem controla um sistema desses? Se internamente, com nossos títulos, às vezes ocorrem fraudes e perda de controle, tanto com a emissão quanto com as garantias, como se vai controlar algo que está migrando de um canto para outro? É praticamente impossível controlar volumes vultosos de um mercado intangível e de difícil mensuração.
Movimento No-Redd Rice
A China e a Califórnia planejam utilizar os arrozais como fonte para créditos de carbono, o que provocou uma reação da comunidade ambiental com o movimento No-Redd Rice.
O REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) é a compra de um título em créditos de carbono sobre uma área de floresta que deve ser preservada. Trata-se de mais um exemplo de financeirização da natureza, pois vincula a comunidade local a um contrato financeiro em que ela fica impedida de manejar a área por muitos anos, enquanto a outra parte do contrato continua produzindo e emitindo poluição do outro lado do mundo. Há também projetos de REDD que aliam a conservação com a preservação ambiental, mas com complexas e polêmicas condicionantes que têm culminado em mais degradação e violação dos direitos humanos, conforme denúncias apuradas com o Dossiê ACRE.
No caso do arroz com REDD, acontece o seguinte: com o entendimento de que uma floresta sequestra carbono, e que é possível emitir créditos de carbono sobre uma área preservada de floresta, o argumento é que a plantação também sequestra. O transgênico, inclusive, sequestra mais carbono do que a agricultura convencional, porque a transgenia promove o crescimento mais rápido da planta e acelera o ciclo do carbono. Então, qualquer coisa que se plante na monocultura intensiva, como a cana ou a soja, também vai sequestrar carbono. Por isso é que o agronegócio deseja emitir créditos de carbono também para a agricultura. Podemos dizer que não sequestra? Não; realmente sequestra! Mas, e quanto aos impactos socioambientais?
O movimento internacional contra o REDD com arroz está se posicionando, por se entender que isso pressionará toda a produção agropecuária mundial, tornando os médios e pequenos produtores, os campesinos, as populações tradicionais, as populações indígenas novamente reféns das transnacionais e dos impactos socioambientais que este modelo econômico, comprovadamente excludente, está causando, além de afetar diretamente o direito à soberania alimentar dos povos, vinculando o modelo de produção à biotecnologia e com novos experimentos bio-geo-químicos.
O problema é que, se o crédito de carbono foi criado com o objetivo de diminuir os impactos ambientais, não se pode submeter a possibilidade de solução do problema a uma monocultura que gera impactos da mesma forma.
Outra coisa importante é que, mesmo que o conceito commodity ambiental continue em construção coletiva e em permanente discussão, hoje nós temos a certeza do que não é uma commodity ambiental. As commodities ambientais não são transgênicas, nem podem ser produzidas com derivados da biotecnologia — como biologia sintética e nem geoengenharia. Não são monocultura; não podem se concentrar em grandes produtores, não causam doenças pelo uso de minerais cancerígenos (amianto), não usam produtos químicos, nem envolvem a poluição ou fatores que possam criar problemas de saúde pública, pois estes elementos geram enormes impactos ambientais e socioeconômicos.
A produção agrícola, como é feita hoje, incentiva o produtor a mudar sua produção conforme o valor pago pelo mercado. Então, se a demanda for de goiaba, só se planta goiaba. Nas commodities ambientais, não. Não é o mercado, mas o ecossistema que tem o poder de determinar os limites da produção. Com a diversificação da produção, quando não é temporada de goiaba é a de caqui; se não for caqui, na próxima safra tem pequi e na seguinte, melancia. Se começarmos a interferir no ecossistema para manter a mesma monocultura durante os 365 dias do ano, vamos gerar um impacto gravíssimo.
Binômio Água e Energia
Água virtual é a quantidade necessária para a produção das commodities destinadas à exportação. No Oriente Médio, ou em outros países em crise de abastecimento, como não há água para a produção agrícola extensa, a alternativa é importar alimento de outros países. Quando se está importando alimento, também se importa, com a água, o que este país investiu para tê-la ou mantê-la, e que o outro deixou de gastar.
O que se defende, na nossa linha de raciocínio, é que, quando exportamos commodities convencionais (soja, milho, boi etc.), se pague também por esta água. No entanto, não se paga nem a água, nem a energia ou o solo gasto para a produção daquela monocultura extensiva. A comoditização convencional, no modelo seguido no Brasil desde sua descoberta, é altamente consumidora de energia, de solo, de água e biodiversidade, e esse custo não está agregado ao preço da commodity. O produtor não recebe este valor, pois vende a soja pelo preço formado na Bolsa de Chicago. Quem compra commodity quer pagar barato; sempre vai pressionar para que este preço seja baixo.
Crise Hídrica
Ainda sobre a água, se é na escassez dos recursos que estes passam a ser valorizados como mercadoria, pode-se afirmar com segurança que é iminente uma crise mundial no abastecimento hídrico.
Consideremos esta questão a mais grave e mais emergencial no mundo. Sem água não há vida; ela é essencial para a sobrevivência do ser humano e de todos os seres vivos. A falta de água é morte imediata em qualquer circunstância. No Brasil, não estamos livres do problema da água, como, aliás, o provou, em 2014-2016, a crise hídrica do Sul e Sudeste do País.
Muita da água está sendo contaminada com despejo de efluentes, agrotóxicos, químicos e poderá ser também com a exploração de gás de xisto, por exemplo, que, para fraturar a rocha, utiliza uma técnica que pode contaminar as águas subterrâneas e o ar com emissão de gás.
Os pesquisadores e a mídia dão ênfase muito grande às mudanças climáticas, que, sem aprofundar a discussão sobre as causas, é consequência. Dá-se destaque ao mercado de carbono como “a solução”, sem dar prioridade à causa, que é o binômio água e energia. O modelo energético adotado no mundo colabora para esses desequilíbrios climáticos, provavelmente o maior responsável entre todos os fatores. Nossa civilização é totalmente dependente de energia fóssil. No Brasil temos um duplo uso da água: para produzir energia (hidrelétricas), e para produção agropecuária e industrial, além do consumo humano e dos demais seres vivos.
É necessário produzir tanta energia porque nosso padrão de consumo é altamente consumidor de recursos naturais. Seguimos barrando rios e fazendo hidrelétricas. Quando barramos rios, matamos todo o ecossistema que é dependente do ciclo hidrológico. Caso o binômio água e energia seja resolvido, também será resolvido o problema da emissão de carbono. Quando se resolve a questão hídrica, recompõem-se as florestas, as matas ciliares, a biodiversidade. O fluxo de oxigênio no ambiente e a própria natureza trabalharão para reduzir a emissão de carbono. Se não atacarmos as causas, ficaremos circulando em torno das consequências, sem encontrarmos uma solução real e eficiente para as presentes e futuras gerações.
Referências:
COSTA, Andriolli. As commodities ambientais e a financeirização da natureza. Entrevista especial com Amyra El Khalili - http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/527511-as-commodities-ambientais-e-a-financeirizacao-da-natureza-entrevista-especial-com-amyra-el-khalili. Acesso: 22 janeiro de 2014. Capturado em: 16 fev. 2017.
ÁVILA, Fabiano. “ Permissões para poluir não são commodities”, afirma Amyra El Khalili. Entrevista Instituto Carbono Brasil. Acesso em: 11 mai. 2012. Capturado em: 16 fev. 2017.
BM&F Bovespa e Santander fecham parceria no setor de mercado de carbono. Acesso em: 17 mai. 2012. Capturado em: 16 fev. 2017.http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2012/05/17/bmf-bovespa-e-santander-fecham-parceria-no-setor-de-mercado-de-carbono.jhtm
SIQUEIRA, Leoni Advogados e ASM Asset Management. Projeto de Fortalecimento das Instituições e Infraestrutura do Mercado de Carbono no Brasil. Proposta para a “Regulamentação dos Ativos Ambientais no Brasil”. Edição Banco Mundial, BM&FBOVESPA e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), 2010.
SILVA, Mauro José. “A natureza jurídica e a incidência de tributos federais sobre os negócios jurídicos envolvendo as Reduções Certificadas de Emissão (RCE) (Créditos de Carbono)”, Revista da Receita Federal – Estudos Tributários e Aduaneiros, 2015. v. 2 nº 1, 2015. Acesso em: 16 fev. 2017. Publicado em 26 fev. 2016. Acesso em: 16 fev. 2017
Evento na Bolsa discute o Mercado de Ativos Ambientais. Acesso 11.08.2015. Capturado em 16.02.2017.
EL KHALILI, Amyra. Carbono na COP22: um eficiente indexador para combustíveis fósseis. Acesso em: 21 nov. 2016. Capturado em: 16 fev. 2017. http://port.pravda.ru/news/sociedade/23-11-2016/42176-cop_indexador-0/
______. A construção de outro modelo de finanças depende de uma estratégia socioambiental. Capturado em: 8 fev. 2017. Publicado em: 8 fev. 2017. http://revista.rebia.org.br/2017/97/1073-a-construcao-de-outro-modelo-de-financas-depende-de-uma-estrategia-socioambiental
DOSSIÊ ACRE - Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Regional Amazônia. Documento Especial para a Cúpula dos Povos - O Acre que os mercadores da natureza escondem. 2012. Acesso em: 24 jul. 2016. Capturado em 8 fev,2017. http://www.cimi.org.br/pub/Rio20/Dossie-ACRE.pdf




Amyra El Khalili

É professora de economia socioambiental e editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z! e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book Commodities ambientais em missão de paz: novo modelo econômico para a América Latina e o 

sábado, 11 de novembro de 2017

Uso da Amazônia e de outras florestas como “moeda” é tema-chave para Brasil na Conferência do Clima - Por Helena Borges

A DELEGAÇÃO BRASILEIRA chegou rachada à 23ª Conferência do Clima da ONU (COP23), que começou nesta segunda (6). No centro do cabo de guerra estabelecido entre os dois grupos de porta-vozes brasileiros está a Amazônia e o posicionamento histórico do Brasil de deixar suas florestas fora do mercado de carbono — espécie de “bolsa de valores verde” que possibilita que empresas poluidoras paguem por ações de compensação aos estragos feitos ao planeta.
De um lado, políticos dos estados amazônicos, grandes empresas e representantes de países nórdicos querem que os “serviços ambientais” prestados pelas florestas sejam precificados. Do outro, ativistas sociais e o corpo técnico dos ministérios do Meio Ambiente e de Relações Exteriores afirmam que a prática não é eficaz no combate ao aquecimento global e vulnerabiliza o controle da terra.

O mundo inteiro pelo clima?

A conferência é uma reunião internacional anual organizada pela ONU que busca desenhar medidas que controlem minimamente os avanços do aquecimento global. A edição deste ano começou com um clima de derrota. É o primeiro encontro desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar o país do Acordo de Paris.

Firmado em 2015 e amplamente celebrado à época por ter conseguido o compromisso inédito de reduzir emissões de gases em todos os 195 países envolvidos, o tratado internacional é flexível. Cada país participante determina seus próprios objetivos e estratégias para alcançá-los. O documento de Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, na sigla em inglês) do Brasil, por exemplo, promete reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa em 37% em relação aos níveis de 2005.

A meta do conjunto é permitir que a temperatura do planeta respeite o limite máximo de 2ºC de aquecimento até 2100. Há especialistas que pressionam por 1,5ºC, mas as estimativas atuais são de que, se o ritmo atual for mantido, o aumento será até maior que a meta: 3ºC pelo menos.

O relatório de abertura do evento alertou para o cenário negativo do futuro e para os sinais do presente: vivemos um momento recorde em desastres naturais, combinado ao aumento do nível do mar e da concentração de carbono, principal substância entre as que provocam o efeito estufa, na atmosfera. Ao anunciar os novos dados, o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial Petteri Taalas afirmou ser “urgente” aos países “elevar o nível de ambição se queremos cumprir seriamente os objetivos do Acordo de Paris“.

Dois lados da “moeda verde”

O mercado de carbono surgiu com o Protocolo de Quioto, que foi criado em 1997 mas que só entrou em vigor em 2005, após mais da metade dos países signatários ratificar o acordo.

A regra é a seguinte: cada tonelada de gás carbônico não emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento pode ser negociada como “crédito” junto a países que poluem mais. Essa troca é chamada de “offset”. As florestas são reconhecidos “sumidouros” de carbono, por conta da absorção pelas árvores. Por isso, o cálculo é de que, se o Brasil entrar nesse mercado, as florestas nacionais podem render US$ 70 bilhões ao país em dez anos.

No entanto, a legislação brasileira proíbe o “offset florestal”, ou seja, o uso da flora brasileira para compensar danos ao meio ambiente causados por outros países ou por empresas.

Os ambientalistas brasileiros se dividem sobre essa posição. Parte deles acredita que este dinheiro pode ser bem utilizado. Outra parte acredita que a financeirização das matas não resolve a questão climática global, afinal de contas, os gases nocivos continuam sendo emitidos. Uma carta entregue aos ministérios do Meio Ambiente e de Relações Exteriores, assinada por cerca de 50 entidades, explica por que o offset florestal não pode ser considerado uma compensação:

“Apresentam uma falsa equivalência entre o carbono proveniente dos combustíveis fósseis, que está acumulado debaixo da terra, e aquele que é acumulado pelas florestas. A capacidade que árvores e ecossistemas têm de remover e fixar carbono da atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queimam combustíveis fósseis”.

O Brasil como peça fundamental no xadrez das florestas

Dentro da conferência do clima, o principal assunto a ser debatido são as fontes de energia. Nesse aspecto, o Brasil costuma ser um negociador secundário, porque a energia proveniente das hidrelétricas é considerada renovável, apesar de causar inúmeros danos ao meio ambiente e a comunidades tradicionais que moram nas regiões das usinas.

Uma eventual mudança de posição do Brasil em relação ao mercado de carbono durante a COP 23 teria repercussão mundial

O principal tópico que martela a mente de representantes brasileiros na conferência, portanto, é o assunto florestal. Uma eventual mudança de posição do Brasil em relação ao mercado de carbono durante a COP 23 teria repercussão mundial, conforme explica a The Intercept Brasil o professor Rômulo da Rocha Sampaio, doutor em Direito Ambiental pela Pace University (EUA) e professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro:

“Uma mudança na postura brasileira pode influenciar não apenas os demais países amazônicos como também todos os outros. Porque dentro do assunto ‘florestas’, o Brasil sai do papel de coadjuvante e passa a ser liderança. O Brasil guarda em si o problema e a solução: é um dos principais emissores de gases poluentes [7º colocado no mundo e 1º na América Latina] e tem um verdadeiro sumidouro de gás carbônico, a Amazônia.”

Governadores da região amazônica de olho nos créditos de carbono

Do lado dos que defendem a entrada do Brasil no mercado de carbono está o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. No início de outubro, o político do Maranhão classificou como “serviços” as atividades florestais de absorção do carbono — algo que as árvores fazem durante sua fotossíntese, gratuitamente — e demandou uma recompensa financeira por isso, abrindo o caminho do discurso pró-mercado: “Para que a floresta continue a fornecer seus serviços ambientais serão necessários recursos estruturantes”.

O senador Jorge Viana (PT-AC), que preside a Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso, segue a mesma linha. Para ele, “a floresta precisa ser vista como um ativo econômico”.

Não à toa, parlamentares e governadores da região amazônica são a principal força política pela liberação do crédito de carbono. Como a floresta amazônica é responsável por boa parte do trabalho de “filtragem do ar” do planeta — 17% do CO2 absorvido por toda vegetação global —, a entrada nesse mercado de compensação funcionaria como uma valiosa fonte de recursos para os estados da região.

De olho nesse potencial orçamentário, o Fórum de Governadores da Amazônia Legal (que reúne os chefes do Executivo de Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) prepara uma ofensiva pesada durante a COP.

Primeiro, antes da conferência, criaram o Consórcio Interestadual da Amazônia legal, que tem como objetivo “intermediar financiamento internacional e atuar como interlocutor entre os estados e investidores”. Embaixadores da Noruega e da Alemanha estiveram presentes no lançamento, reafirmando o interesse dos dois países pelo monitoramento da floresta Amazônica, bem como um representante do Banco Mundial.

Já na COP 23, no dia 14 de novembro, estão organizando na cidade alemã um “Dia da Amazônia”. O objetivo é atrair recursos via cooperação internacional e iniciativa privada. Também deverá ser apresentado um relatório do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que debateu o uso de florestas para gerar créditos de compensação a países poluidores.

O grupo foi criado logo após a COP 22, realizada em Marraquexe no ano passado, como resposta do governo brasileiro às pressões que já existiam para reconsiderar o posicionamento anti-mercado de carbono.

Isso deu mais peso às organizações mais endinheiradas, já que elas conseguem enviar mais representantes aos encontros do grupo de trabalho e contabilizar, assim, mais votos.

Foram convidados especialistas favoráveis e contrários à adoção do “offset florestal”. A expectativa era de debate aberto e democrático. No entanto, diversos participantes relataram a The Intercept Brasil que foram surpreendidos por mudanças metodológicas ao longo da elaboração do relatório e reclamam da pressão por um relatório favorável à entrada do Brasil no mercado de carbono.

Pedro Telles, especialista em clima do Greenpeace, foi um dos participantes das reuniões. Ele lembra que o acordo original era de “levantar propostas diversas para cada setor e identificar consensos e dissensos”. No entanto, explica, houve uma mudança nos rumos — feita sem diálogo, de acordo com relato de parte dos participantes — para que fossem realizadas votações levando em conta cada pessoa presente às reuniões, e não cada instituição por elas representadas. Isso deu mais peso às organizações mais endinheiradas, já que elas conseguem enviar mais representantes aos encontros do grupo de trabalho e contabilizar, assim, mais votos.

Um texto que supostamente seria a primeira versão do relatório final circulou pelo corpo técnico do Ministério do Meio Ambiente e gerou desconforto por tentar mensurar o tamanho de cada grupo (contra e a favor dos offsets florestais) a partir das votações. Representantes de organizações não governamentais e acadêmicos especializados em estudos amazônicos ameaçam fazer uma manifestação de repúdio.

O especialista do Greenpeace é um dos que se preocupam com o tom que será apresentado no texto final:

“Houve críticas quanto ao processo de tomada de decisão sobre posicionamentos do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, adotado sem diálogo adequado. O processo acabou favorecendo atores com mais recursos humanos e financeiros para acompanhar reuniões decisivas, e portanto favorecendo seus interesses. Isso é especialmente problemático quando falamos de temas polêmicos como offsets florestais. O problema foi reportado aos responsáveis, e esperamos que o relatório final leve essas críticas em consideração, não tendo uma escrita tendenciosa.”


Original em : https://theintercept.com/2017/11/09/conferencia-do-clima-empresarios-pressionam-por-financeirizacao-de-florestas-mas-governo-resiste/

sábado, 4 de novembro de 2017

Mídias socioambientais: por que financiá-las? - Por Amyra El Khalili

Meio ambiente não é uma pauta simples. Exige de quem relata muita atenção, pesquisa, leitura e respaldo de diversas fontes. Por se tratar de um tema multidisciplinar, falar sobre meio ambiente tornou-se um ato pedagógico. É necessário traduzir os dialetos para que os mortais leitores consigam alcançar sua importância e envergadura nos debates e compreender o que isso pode significar no dia-a-dia de cada cidadão. O que uma coisa tem a ver com a outra, como, por exemplo, o que água tem a ver com florestas?
Num país de dimensões continentais, colonizado por várias etnias e com uma cultura extrativista, é natural que as pautas socioambientais sofram todo tipo de resistência, retaliação e como não poderia deixar de ser, divergências entre os modelos implantados pelas cartilhas econômicas ortodoxas que reproduzem a mentalidade de países industrializados, como preconiza o tão ambicionado “desenvolvimento sustentável”.
Há de se compreender que, entre os desafios de informar, está o de educar, de conscientizar. Portanto quando nos referimos a uma mídia especializada, como são as mídias socioambientais estamos, em primeiro lugar, nos posicionando como “educadores”, aqueles que formarão quadros para liderar, estimular e orientar jovens para assumir responsabilidades e representar as futuras gerações. Estes que estão aí, saindo das faculdades ou entrando nelas, à procura de empregos, outros em busca de oportunidades para estarem  na mesma pirâmide social a que o atual modelo de produção e consumo aspira.
Quando as mídias socioambientais procuram no seio de suas redes a estratégia para suas organizações, estão também se confrontando com o mesmo desafio que nós, desta teia, enfrentamos ao fomentar um modelo econômico sustentável.
Há tudo por e para se fazer, uma vez que esta casa fora construída sobre uma perspectiva ultrapassada em relação às necessidades de produção e consumo e à capacidade de se obter a matéria-prima, os insumos utilizados pela indústria, pela agricultura e o comércio, predatoriamente extraídos do meio ambiente para suportá-los.
As mídias socioambientais acabam por produzir uma quantidade enorme de informação, tendo que pesquisá-la, traduzi-la, estudá-la, para digerir tudo isso no menor espaço que lhe é disponibilizado na grande mídia. Quando se consegue, precisa disputá-lo a tapas com as pautas convencionais para introduzi-la nos cadernos de economia, ciência, agricultura, entre outros. Mas, a mais complexa e desafiadora de todas as situações é quando este tema se cruza com finanças.
Finanças é o “forrobodó do Ó”.
Assunto árido, chato, enfadonho e cheio de números, dados, estatísticas, curvas e percentuais. Difícil até para os mais apaixonados. Procurar uma narrativa que atraia o interesse do leitor comum - daquele que mal sabe o que a intervenção do Banco Central no mercado tem a ver com o salário mínimo, ou se isso vai aumentar ou diminuir as tarifas de água, luz e gás - é quase uma tragédia grega. Quando há algum êxito, por menor que possa parecer, é preciso comemorar com bandas e fanfarras.
No entanto, tenho-me deparado com relatórios, propostas e projetos “inspirados” em artigos, debates, informações, comentários e centenas de textos produzidos pelas mídias socioambientais em redes de comunicação on line. Muitos destes trabalhos convertem-se em consultorias bem cobradas, regiamente bem pagas. Lamentavelmente sequer citam as fontes. Poderiam, ao menos, citar: mídias socioambientais. Nem isso os incautos que se utilizam destes serviços têm coragem de fazer.
E assim caminha a humanidade. Para o abismo, evidentemente. Nem a fonte mais pura dos mananciais aguenta tanta usurpação deliberada e irresponsável desta turba. É o que chamamos de “ecoparasitismo”.
As mídias socioambientais têm literalmente financiado a migração do modelo neoclássico ortodoxo para fomentar uma economia sustentável. Muitas vezes pagam e, na maioria dos casos, com voluntarismo, boa vontade, compromisso e abnegação, sem ter a contrapartida dos que dela se utilizam para manter seus empregos, suas consultorias, seus cargos nos governos, seus currículos de bacharéis, mestres e PhDs promovendo suas palestras, cursos, eventos e campanhas publicitárias. É uma tremenda falta de respeito com este setor, que tem contribuído diuturnamente, suando em bicas para uma revolução socioambiental sem derramar o sangue dos outros.
Como todo projeto tem começo, meio e fim, também terá que apresentar “resultados” no curto prazo; uma hora, inevitavelmente, a fonte secará. O fôlego vai acabar. Quem precisou uma vez, retornará. E como águas revoltosas, as informações que municiaram tantas propostas podem se converter em números contra aqueles que não souberam delas tratar.
Será uma reviravolta contra aqueles que não souberam tratar deste “assunto” com o respeito e a responsabilidade que estas mídias merecem, pois democratizar a informação socioambiental é, em especial, fornecer graciosamente tudo aquilo que tem custo, valor, e não vem de bandeja para ninguém. Mídias socioambientais também têm seu preço. Não pague para ver!
Agora, respondam: por que as mídias socioambientais deveriam continuar a financiar uma “Economia Sustentável”?
Afinal, quem são os maiores interessados?
Nota: Palestra proferida no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado entre os dias 12 e 14 de outubro de 2005, na cidade de Santos (SP). Painel: “Meio Ambiente e Economia Sustentável”.
Referência: 
EL KHALILI, Amyra. Mídias ambientais: financiando uma “economia sustentável”. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 5, n.29, p.3579-3580, set./out.2006.

Amyra El Khalili
É professora de economia socioambiental e editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z! e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book Commodities ambientais em missão de paz: novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe.