segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Ser livre – Descubra o que a filosofia chinesa, grega e alemã tem a contribuir nessa busca!


Nesse texto você acompanhará uma reflexão sobre o que é ser livre e quais são os obstáculos que nos impendem de exercer nossa vontade. Entenda como certos vícios nos impedem de agir como queremos e como podemos transformá-los em virtudes!
O que é liberdade?



Liberdade é algo almejado pela grande maioria das pessoas. É muito difícil ver alguém defender que é melhor a servidão ou a submissão. Mas é possível notar que, em geral, temos uma ideia confusa do que é liberdade. Queremos nossa liberdade de forma irrestrita, porém sabemos que isso nunca pode acontecer na vida em sociedade.

Inicialmente ser livre deveria ser algo simples. Tudo que seria preciso é a ausência de obstáculos entre nós e o que desejamos. Porém, esse conceito não é compatível com a realidade, pois sempre existirão obstáculos, sendo eles as determinações naturais ou sociais. A verdadeira liberdade só pode ser alcançada quando aprendemos a lidar com essas limitações e agir independente delas.

Os desafios de ser livre

O fato é que a maiorias de nós são “escravos”. Não no sentido de termos um senhor que nos obriga a executar tarefas desagradáveis. Mas no sentido de que não agimos de forma tão livre quanto gostaríamos. Muitas pessoas vivem a vida inteira sem conseguir as coisas que elas querem possuir e sem se tornar as pessoas que elas querem ser.

Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo da Grécia antiga, formulou ideias sobre a liberdade e as dificuldades de exercê-la. Ele aponta quais são os tipos de desafios que impedem que ajamos livremente. Aristóteles chama de vícios as paixões, nossas emoções mais profundas, e nossos impulsos naturais.

Esses vícios causariam prejuízos a nós, já que preocupados em sanar vontades arbitrárias das nossas paixões e da sociedade não poderíamos agir de acordo com a razão. Isso nos afastaria da boa vida e da felicidade.

Vícios Naturais

O ser humano é um animal. Mesmo que tenhamos uma grande capacidade racional, não passamos de um bicho engenhoso. Temos vários impulsos animalescos que nos mantêm vivos. Comer e beber são exemplos desses impulsos de sobrevivência .

Quando temos fome estamos sob um comando natural que só acabará ao ser saciado. Se estivermos famintos o bastante comeremos qualquer coisa. Por exemplo, quando temos pouco ferro no sangue podemos ter o impulso de comer terra ou tijolos. Isso se chama geofagia. Isso ocorre porque nosso corpo está gerando impulsos quase que irresistíveis. Nestes casos ele manda em nós.

Em geral isso não é um problema. Pelo contrário, isso nos ajuda a sobreviver. Mas, muitas vezes, o corpo toma o controle da nossa vida de forma sutil. A vontade de comer pode fazer uma pessoa comer indiscriminadamente, tornando-a obesa, hipertensa ou até mesmo provocando diabetes. Isso ocorre, pois, muitas vezes, nos tornamos escravos das necessidades do corpo. Comer é preciso, mas com moderação. E esse controle tem que vir da nossa razão, e não de um impulso natural.

Vícios Sociais

Além de ser um animal, o ser humano tem uma vida social. Isso quer dizer que as nossas relações com a cultura e com as pessoas tem um peso enorme nas nossas ações. Através do contato com a cultura podemos agir melhor com os outros utilizando a etiqueta.

Nossa forma de se vestir, as palavras que usamos e até mesmo que informações compartilhamos são ditadas pela relação com o outro. Ninguém se veste em casa como se vestiria para ir a um grande evento ou divide as mesmas informações com um conhecido e com um estranho.

A sociedade tem regras que tornam a vida mais fácil e pacífica, mas a pressão por ser socialmente aceito pode nos aprisionar se não estivermos conscientes dessas forças que nos influenciam. É muito comum ver pessoas prejudicando sua saúde em prol de um ideal de beleza, por exemplo. Muitas vezes essa pressão social é a causa de problemas de saúde como a anorexia e bulimia.

É comum que maus hábitos da sociedade nos afetem. Hoje em dia não há uma cultura da prevenção de doenças, mas sim uma cultura de remediação. Isso significa que as pessoas em geral não cuidam da sua saúde a não ser que elas estejam doentes. Isso faz que muitas pessoas se alimentem mal até que se descubram enfermas.

Como ser livre

Para não sermos escravos de nossos corpos e nem das imposições sociais é necessário construir uma noção de autonomia. Analisando a etimologia dessa palavra, Kant (1724-1804), explica que autonomia é criar suas próprias leis: auto = próprio; nomos = leis.
Assim, ser autônomo nesse caso é usar a nossa razão para definir o fim de nossas ações.

Nesse sentido, a liberdade só pode ser alcançada quando fazemos as coisas por elas mesmas. Assim chegamos a outro conceito, a heteronomia: hetero = outro; nomos = leis.

Seria algo como seguir as leis dos outros. Não podemos agir só porque nosso corpo temum determinado desejo ou porque a sociedade pede certas ações. Agir sem pensar é ser escravo sem saber.

Escolhendo pela coisa em si

Imagine que você está escolhendo sua profissão. Você quer ser médico. Mas qual é a sua motivação? Se você for um médico porque sua família (e a sociedade como um todo) prestigia essa profissão você está sendo um escravo dos status social e das imposições dos outros. Agir pelas leis dos outros, é heteronomia.

Para ser um médico “livre” seria necessário que sua motivação fosse pela profissão em si. Ser médico significa cuidar da saúde das pessoas e zelar pelo bem estar delas. E isso não depende do status da profissão ou da remuneração. Isso é uma questão de dever, de ser autônomo. Um bom médico criou para ele uma lei que ele usará todos os seus conhecimentos para salvar vidas independentemente das circunstâncias.

Como transformar o vício em virtude

Ser uma pessoa livre, que age por sua própria lei baseada na razão, não é tarefa fácil. É preciso combater nossas inclinações naturais e pressões sociais. É preciso ter autoconhecimento e reflexão. Ser livre e autônomo é criar para si uma lei que deve ser seguida a risca, independente de fatores externos. Porém, isso só é possível com uma enorme força de vontade.

A arte marcial pode desenvolver nossa força vontade

Há diversas maneiras para treinar nossa força de vontade, o Kung Fu é uma delas. Nessa arte marcial chinesa treinamos nosso corpo para resistir às tentações corporais e mentais. Nas aulas temos que seguir os comandos do instrutor e, muitas vezes, queremos beber água ou sentar para descansar as pernas. Contudo não é sempre que o instrutor permitirá isso.

Nas primeiras graduações, o aluno acha que a sensação de sede e cansaço são impossíveis de resistir, como se fosse uma ordem absoluta do corpo. É normal sentir isso, pois, na maioria das vezes, estamos acostumados a seguir a vontade do seu próprio corpo. No entanto, com o tempo percebemos que se pode sentir sede e continuar treinando. Ele pode estar cansado e dar o seu máximo, na aula, no trabalho e nas suas relações de afeto.

Isso não acontece da noite para o dia, primeiro há um momento de heteronomia, onde o instrutor dá os comandos, mas com o tempo o aluno desenvolve a autonomia e o instrutor se torna um guia. Um aluno faixa preta treina com ou sem a presença do instrutor, pois ele já está em um estado de autonomia. Por isso é preciso treinar por um bom tempo para realmente se libertar de amarras que não foram impostas por nós mesmos.

A arte marcial pode desenvolver bons hábitos

De maneira similar o Kung Fu nos faz abandonar hábitos ruins para criar hábitos de excelência.

É comum se atrasar para compromissos, no entanto, em uma academia de Kung Fu isso é sempre motivo de advertência. Chegar com antecedência faz parte da vida marcial do aluno desde a faixa branca. Se ele não se tornar pontual ele sempre encontrará dificuldades na dinâmica de aula.

Esse cuidado com a pontualidade é só um exemplo das várias virtudes que um artista marcial deve cultivar. Especialmente nas artes chinesas devemos seguir esses preceitos éticos que são fundamentados na cultura e filosofia chinesa. No confucionismo, por exemplo, temos o espírito ritual, que diz respeito à reverencia que devemos ter nas nossas ações diárias.

Com hábitos condizentes com o dever e o compromisso a pessoa passa a ter um cuidado a mais com ela mesma. Ela passa a ter respeito com suas palavras, compromissos e desejos. Ela não deixará que qualquer flutuação emocional ou pressão social faça que ela desista de algo que ela quer. 

No final das contas, o Kung Fu é uma arte que nos ajuda a criar leis para nós mesmos que servirão de base para a realização de metas, objetivos e sonhos. Sem a autonomia é impossível ser livre. É só através de muito trabalho árduo, treino, paciência, perseverança e reflexão que conseguiremos destruir as amarras externas à nossa vontade.

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