Tomo refúgio em Buda, que me
mostra o caminho nesta vida.
Tomo refúgio no Darma, o caminho da compreensão e do amor.
Tomo refúgio na Sanga, a comunidade consciente e harmônica.
Nós vivemos em um mundo que é impermanente e repleto de sofrimento, e nos sentimos inseguros. Desejamos permanência, mas tudo está mudando. Desejamos uma identidade absoluta, mas não há entidades permanentes, nem mesmo àquela que chamamos de nosso “eu”. Buscar refúgio significa, em primeiro lugar, buscar um lugar que esteja fora de perigo, que seja permanentemente seguro, que possamos confiar por muito tempo. Queremos um lugar como o Céu, onde a figura estável e forte do Deus Pai nos protegerá, e não teremos que nos preocupar com coisa alguma. Mas o Céu está no futuro.
Em países budistas, muitas pessoas laicas recitam: “Tomo refúgio em Buda, tomo refúgio no Darma, tomo refúgio na Sanga”, mas elas se confiam nos monges e monjas para praticarem por elas. Elas apóiam a Sanga de praticantes ofertando comida, abrigo e outras coisas que ajudam a Sanga a ter sucesso na prática do Darma.
Elas sentem que a prática de uma pessoa que vive realmente feliz traz felicidade a muita gente. Isto é prática devocional.
Para estas pessoas, pronunciar as palavras “Tomo refúgio em Buda, tomo refúgio no Darma, tomo refúgio na Sanga” já é suficiente para elas terem paz e alegria. Mas na América do Norte e Europa, as pessoas laicas querem praticar a transformação. A comunidade de meditação vipassana no Ocidente, por exemplo, é formada por pessoas que praticam, (e não apenas confiando em monges e monjas), e por muitos professores laicos.
Tomo refúgio no Darma, o caminho da compreensão e do amor.
Tomo refúgio na Sanga, a comunidade consciente e harmônica.
Na tradição budista, toda vez que
você se compromete a estudar, praticar e observar os Cinco Treinamentos
da Consciência Plena, você também se refugia nas Três Jóias. Praticar
os Cinco Treinamentos da Consciência Plena significa ter fé no caminho
da consciência plena, da compreensão e compaixão, pois estes
treinamentos são compostos destes três elementos. As Três Jóias também
se constituem dos mesmos elementos. Consciência plena, compreensão e
compaixão são valores universais que transcendem os limites culturais.
Em toda tradição espiritual existe algo equivalente aos Cinco
Treinamentos da Consciência Plena e às Três Jóias...
Quando
estávamos no ventre de nossa mãe, nós nos sentíamos seguros – protegidos
do calor, do frio, da fome e outras adversidades. Embora ainda não
fôssemos conscientes da forma como somos agora, nós sabíamos de algum
modo que aquele era um lugar seguro. No momento em que nascemos e
entramos em contato com adversidades, começamos a chorar, e desde então
estivemos ansiando pela segurança do ventre de nossa mãe.
Nós vivemos em um mundo que é impermanente e repleto de sofrimento, e nos sentimos inseguros. Desejamos permanência, mas tudo está mudando. Desejamos uma identidade absoluta, mas não há entidades permanentes, nem mesmo àquela que chamamos de nosso “eu”. Buscar refúgio significa, em primeiro lugar, buscar um lugar que esteja fora de perigo, que seja permanentemente seguro, que possamos confiar por muito tempo. Queremos um lugar como o Céu, onde a figura estável e forte do Deus Pai nos protegerá, e não teremos que nos preocupar com coisa alguma. Mas o Céu está no futuro.
Na literatura asiática, alguns
poetas expressaram a crença de que eles viviam num lugar feliz e fora de
perigo antes de terem sido exilados na Terra, e quando morressem, eles
seriam capazes de retornar àquele estado de bem aventurança e de
felicidade. Outros asiáticos acreditavam que eles foram deuses em suas
vidas passadas, mas devido aos erros cometidos, foram exilados na
Terra. Eles acreditavam que, se
desempenhassem ações meritórias nesta vida, seriam
capazes de retornar àquele lugar seguro. O desejo de tomar refúgio e de
retornar a um local que seja seguro e fora de perigo é universal. Em
vietnamita, as palavras para “tomar refúgio” são literalmente “voltar e
confiar”.
Mas como podemos nos sentir
seguros agora? As coisas são impermanentes. Se uma semente de milho não
fosse impermanente nunca se transformaria numa espiga. Se sua filha não
fosse impermanente, nunca se transformaria numa linda moça. Se as
ditaduras não fossem impermanentes, não haveria esperança de serem
substituídas. Precisamos de impermanência e deveríamos ficar felizes e
dizer: “Que a impermanência tenha vida longa, para que a vida seja
possível!” No entanto, nas profundezas do nosso ser, nós ansiamos pela
permanência.
No budismo existem dois tipos de
práticas: a devocional e a transformadora. Praticar devoção é confiar
primeiramente no poder de outro ente, que pode ser um Buda ou Deus. Na
prática transformadora você confia mais em você mesmo e no caminho que
está seguindo. Ser um devoto do Darma é diferente de praticar o Darma.
Quando você diz: “Tomo refúgio no Darma”, você pode estar demonstrando a
sua fé no Darma, mas isto não é a mesma coisa que praticar o Darma.
Dizer: “Eu quero me tornar um médico” é uma expressão da sua
determinação de praticar medicina. Mas para se tornar um médico, você
tem que passar sete ou oito anos estudando e praticando medicina. Quando
você diz: “Tomo refúgio em Buda, no Darma e na Sanga”, isto pode ser
apenas a sua intenção de praticar. Não é porque você fez esta afirmação
que você já está praticando. Você entra no caminho da transformação
quando você começa a praticar àquilo que você pronuncia.
Mas
pronunciar palavras tem um efeito sim. Quando você diz: “estou
determinado a estudar medicina”, isto já tem um impacto na sua vida,
mesmo antes de você se dirigir a uma escola de medicina. Você quer fazer
aquilo e por causa da sua determinação e desejo, você encontrará um
jeito de ir à escola. Quando você diz: “Tomo refúgio no Darma”, você
está expressando confiança no Darma. Você vê o Darma como algo benéfico,
e quer se orientar naquela direção. Isto é devoção. Quando você estuda e
aplica o Darma na sua vida diária, isto é uma prática transformadora.
Em toda religião existe a distinção entre práticas devocionais e
transformadoras.
Muitos budistas recitam os Três
Refúgios como uma prática devocional. Precisamos ter fé e confiança para
praticar. No Budismo, fé e confiança estão interligadas e às vezes
significam a mesma coisa. Mas a fé cega não é encorajada. Nós temos de
compreender, contatar, experimentar e verificar as coisas antes de
realmente acreditarmos nelas. Buda, Darma e Sanga são coisas que podemos
entrar em contato. Não são assuntos de especulação. Buda foi um ser
humano que viveu na História. Nós conhecemos a vida e ensinamentos dele.
Podemos usar o nosso tempo, energia e inteligência para entrar em
contato com Buda. Confiança e fé verdadeiras surgem do estar em contato,
e não apenas do fato de alguém dizer algo que se espera que
acreditemos.
Podemos alcançar diretamente o
Darma. O Darma existe de forma escrita, na tradição e na prática das
pessoas. Onde as pessoas estão praticando o Darma, podemos ver os frutos
das práticas delas. O Darma é algo concreto que nós podemos estar em
contato, experimentar verificar, e isso faz surgir confiança e fé reais.
A Sanga é a
comunidade que pratica o Darma. Uma boa Sanga expressa o Darma. Quando
vemos uma Sanga praticante que revela algum grau de paz, calma e
felicidade e transformação, fé e confiança surgem dentro de nós. Imagine
que sou alguém que, por muito tempo, nunca acreditou em coisa alguma, e
nunca teve paz alguma. Mas, de repente, vejo uma comunidade de pessoas
que através da prática se transformaram até certo ponto. Agora tenho fé e
confiança e isto me traz um pouco de paz. Devoção no budismo não é
aceitar uma teoria sem tocar a realidade.
Em países budistas, muitas pessoas laicas recitam: “Tomo refúgio em Buda, tomo refúgio no Darma, tomo refúgio na Sanga”, mas elas se confiam nos monges e monjas para praticarem por elas. Elas apóiam a Sanga de praticantes ofertando comida, abrigo e outras coisas que ajudam a Sanga a ter sucesso na prática do Darma.
Elas sentem que a prática de uma pessoa que vive realmente feliz traz felicidade a muita gente. Isto é prática devocional.
Para estas pessoas, pronunciar as palavras “Tomo refúgio em Buda, tomo refúgio no Darma, tomo refúgio na Sanga” já é suficiente para elas terem paz e alegria. Mas na América do Norte e Europa, as pessoas laicas querem praticar a transformação. A comunidade de meditação vipassana no Ocidente, por exemplo, é formada por pessoas que praticam, (e não apenas confiando em monges e monjas), e por muitos professores laicos.
Quando o praticante laico Anathapindika
estava prestes a morrer, o Venerável Sariputra, sabendo o quanto
Anathapindika amava Buda e tinha fé no Darma e na Sanga, convidou-o a
meditar nas Três Jóias. Anathapindika sentiu grande alívio e foi então
convidado por Sariputra para meditar em outros assuntos geralmente
reservados aos monges e monjas. Essas experiências aguaram as sementes
de paz e alegria em Anathapindika.
Alguns
meses antes de morrer, Buda ensinou aos discípulos dele a tomar refúgio
em si mesmo. “Bhikkhus, sejam uma ilha dentro de si. Não tomem refúgio
em nada mais. Tomem refúgio no Darma. Usem o Darma como suas lâmpadas.
Usem o Darma como suas ilhas”. Ele se preparou muito bem para a morte.
Buda
disse: “O meu corpo físico não estará aqui, mas o meu corpo dármico
(Dharmakaya) estará com vocês para sempre. Se quiserem tomar refúgio no
meu corpo dármico, vocês podem fazer isso a qualquer momento”.
Posteriormente, na história do Budismo, o corpo do Darma se tornou a
natureza ou o espírito de Buda, isto é, o verdadeiro Buda que está
disponível através dos tempos. Se soubermos tocar o Darmakaya, ele
estará disponível a nós, aos nossos filhos e netos a qualquer momento.
Compreender claramente que o corpo físico não é tão importante quanto o
corpo dármico foi um conforto para os discípulos de Buda. Hoje em dia,
há tanto sofrimento e perigo dentro de nossa sociedade; é como uma
forte corrente tentando nos puxar para dentro do oceano de aflição. Para
nos proteger, também podemos praticar sendo ilhas dentro de nós.
Sanghakaya
é uma palavra nova. Cada Buda e cada praticante têm o seu próprio corpo
de Sanga. Um ou uma Buda só pode ser um ou uma Buda quando o Darma está
dentro dele ou dela. Sem o Darma, alguém não pode ser chamado de Buda.
Buda e Darma são dois, porém um. Buda não existe sem o Darma. O Darma
não pode existir sem um Buda. Uma Sanga é uma comunidade que pratica o
Darma. Se não houver Sanga, quem praticaria o Darma? O Darma não será
palpável se não houver praticantes. Se você quiser que o Darma seja
praticado, você precisa da Sanga. A Sanga, portanto, contém Buda e
Darma. Buda, Darma e Sanga interexistem. Eles poderiam ser chamados da
Trindade Budista: triratna (ou ratna traya), as Três Jóias. Na triratna,
cada jóia contém as outras duas. Quando você toma refúgio em uma, você
toma refúgio em todas as três. Quando você confia e tem fé na Sanga e
pratica com uma Sanga, você está expressando sua confiança em Buda e no
Darma. É crucial praticar os Treinamentos da Consciência Plena com uma
sanga, uma comunidade de praticantes. Você precisa de uma Sanga para ter
o apoio à sua prática. Uma verdadeira Sanga sempre possui Buda e Darma
no coração.
No Budismo, a prática devocional
está baseada no que pode ser visto, ouvido e tocado. Se não estivermos
em contato com o Buda físico, não conseguiremos estar em contato com o
corpo dármico de Buda, ou com o corpo-sanga de Buda. Como temos
informações sobre a vida do Buda físico, nossa devoção está bem
aterrada. Isto também se dá no Cristianismo. Jesus é alguém que podemos
entrar em contato. As informações sobre a vida e ensinamentos dele estão
disponíveis.
No Anguttara Nikaya, Buda diz que
quando você estiver se sentindo agitado, amedrontado, inseguro ou
fraco, se você praticar tomando refúgio em Buda, no Darma e na Sanga, o seu
medo e instabilidade se dissolverá. Ele contou a estória da luta entre
Sakra, o rei dos deuses e os asuras. Sakra ordenou suas tropas de
devas, ou soldados celestiais, para que hasteassem sua bandeira de sete
jóias; para que toda vez que eles estivessem inseguros para lutar contra os
asuras, olharem a bandeira, que encontrariam a força e confiança que
precisavam. Isto é natural. Se você confia no seu comandante, lutará bem
enquanto soldado. Quando você acredita numa boa causa, terá a coragem
de lutar por ela. Buda usou este exemplo para falar sobre tomar refúgio.
Quando você tem dúvidas, fraqueza e agitação, se focar sua atenção em
Buda, Darma e Sanga, tornar-se-á firme novamente. Este é o fruto da
prática dos Três Refúgios na sua forma devocional.
Mas tomar
refúgio também pode ser uma prática transformadora. O que faz Buda ser
Buda é a iluminação, o Darma vivo, que é fruto da prática. O tripitaka,
as três cestas de ensinamentos, é Darma, mas não é Darma vivo. O Darma
enquanto fitas de áudio, de vídeo e livros não é Darma vivo. O Darma
vivo deve ser observado em um ou uma Buda, alguém totalmente iluminado
ou iluminada, ou naqueles que ainda não estão inteiramente iluminados,
mas que estão realmente praticando. A essência do Darma é a iluminação,
que significa compreender, estar consciente.
A prática
da consciência plena é a chave à iluminação. Quando você se torna
consciente de algo, você começa a ter iluminação. Quando você bebe um
copo d’água consciente de estar bebendo um copo d’água, profundamente com
todo o seu ser, a iluminação em sua forma inicial está presente. Estar
iluminado é estar iluminado de algo. Estou iluminado do fato de estar
bebendo um copo d’água. Posso conseguir alegria, paz e felicidade
somente por causa desta iluminação. Quando você olha para o céu azul e
está consciente do seu azul, o céu azul se torna real, e você se torna
real. Isto é iluminação, e iluminação faz surgir vida verdadeira e a
verdadeira felicidade.
A essência de um Buda é a
consciência plena. Toda vez que você retorna a sua respiração e pratica
respirando profundamente com total consciência você está sendo um Buda
vivo. Quando você não tem certeza do que fazer, retorne à sua respiração
– inspire e expire conscientemente – e tome refúgio na consciência
plena. A melhor coisa a fazer nestes momentos de dificuldade é voltar-se
para dentro de si e permanecer plenamente consciente. Quando estiver na
cama sem conseguir dormir, a melhor coisa a fazer é retornar à sua
respiração. Você fica seguro e feliz sabendo que independentemente do que
possa acontecer você está fazendo a melhor coisa que você pode fazer. Tomar
refúgio em Buda, não enquanto devoção, mas enquanto uma prática real é
muito confortante. Toda vez que você se sentir confuso, furioso,
perdido, agitado, ou temeroso, você sempre tem um lugar onde pode
retornar. A consciência plena da respiração é a sua própria ilha. É
muito segura. “Ser uma ilha para si mesmo” significa que você deve saber
retornar para dentro de si em caso de raiva, instabilidade ou perda.
Esta prática de tomar refúgio é muito concreta. Quando você retorna à
sua respiração – inspirando e expirando profundamente – e acende a luz
da consciência plena dentro de si, você está fora de perigo. Neste
estado de consciência plena, você é verdadeiramente você mesmo. A
lâmpada já está acesa, e é grande a possibilidade de você ver as coisas
com maior clareza.
Suponhamos que você esteja num
barco cruzando o oceano. Se for pego numa tempestade, fique calmo e não
entre em pânico. Para realizar isto, retorne à sua respiração para
ser você mesmo. Estando calmo, sendo verdadeiramente a sua própria
ilha, você saberá o que fazer e o que não fazer. Se não souber, o barco pode
virar. Nós nos destruímos fazendo coisas que não deveríamos. Tome
refúgio na consciência plena e verá coisas mais claramente e saberá o
que fazer para melhorar a situação. Esta é uma prática muito profunda. A
consciência plena faz surgir concentração e concentração faz surgir
insight e sabedoria. Este é o lugar mais seguro para nos refugiarmos agora, e
não somente no futuro.
A segurança e estabilidade que a
sua ilha pode proporcionar dependem de sua própria prática. Tudo depende
de sua prática: assar um bolo, construir uma casa, jogar voleibol. Se
você for um principiante que pratica voltando-se para dentro de sua ilha
toda vez que se sentir triste, desfrutará alguma consciência plena,
concentração e paz. No momento que você começa a prática, Buda Darma e
Sanga ficam disponíveis, em certa medida, para você. Mas isto não pode
ser comparado à consciência plena, concentração e paz de alguém que vem
praticando há muito tempo. Inicialmente, Buda pode ser apenas alguma
informação que você leu sobre o Buda histórico, o Darma somente o que
você ouviu de um amigo, e a Sanga uma comunidade que você contatou uma
ou duas vezes. Na medida em que continuar praticando, Buda, Darma e
Sanga se revelarão mais inteiramente a você. Seu Buda não é idêntico ao
meu. Ambos são Budas, mas o grau pelo qual aquilo é revelado depende da
prática da pessoa.
Buda ensinou que existem três
características fundamentais da vida: a impermanência, a inexistência do eu
autônomo e nirvana. Um ensinamento que contradiga qualquer um destes
Três Selos não é um autêntico ensinamento de Buda. Se não soubermos que
tudo é impermanente, sofreremos. Se não soubermos que tudo está
destituído de autonomia, sem uma identidade absoluta, sofreremos. Mas há
a possibilidade de não sofrermos graças ao nirvana. Nirvana é a ausência
de delusão relativa à natureza da impermanência e inexistência de um eu
autônomo. Se você olhar profundamente dentro da verdadeira natureza da
realidade, e compreender a natureza da impermanência e inexistência do
eu autônomo, estará livre do sofrimento. Você pode pensar que nirvana é o
oposto da impermanência e da inexistência do eu autônomo. Mas se
continuar praticando verá que nirvana se encontra dentro do mundo da
impermanência e da inexistência do eu autônomo.
Visualize o
oceano com incontáveis ondas sobre ele. Por um lado vemos que todas as
ondas começam (nascem) e terminam (morrem). Elas podem ser grandes ou
pequenas, altas ou baixas. Se olharmos dentro da natureza delas, nós
veremos que as ondas são impermanentes e sem uma identidade autônoma.
Mas se olharmos mais profundamente, veremos que as ondas também são
água. No momento em que a onda compreende que é água, todo o medo da
morte, da impermanência e inexistência do eu autônomo desaparecerá. A
água é simultaneamente onda e não-onda, embora ondas se constituam
somente de água. Noções de grande ou pequeno, alto ou baixo, início e
fim, podem ser aplicados às ondas, mas a água está livre de todas estas
distinções. Nirvana pode ser encontrado no coração da vida que está
caracterizado por nascimento e morte. Por isso, se você praticar tomando
refúgio profundamente, um dia saberá que você está livre do nascimento e
morte. Você está livre dos tipos de perigos que estiveram lhe
assaltando. Quando for capaz de ver isto, você será capaz de construir
um barco para passear nas ondas do nascimento e morte, sorrindo, como um
bodisatva. Você não mais temerá nascimento e morte. Você não tem que
abandonar este mundo e procurar algum paraíso distante para ser livre.
Buda
raramente conversava sobre nirvana, o incondicionado, porque ele sabia
que se falasse sobre isso, iríamos passar todo nosso tempo falando sobre
isso, e não praticando. Mas ele fez algumas poucas afirmações sobre
nirvana. Vamos ler uma afirmação retirada do Udana VIII, 3: “Na verdade,
existe algo que não nasceu; não se originou; não se criou e não se
formou. Se não houvesse algo que não nasceu; não se originou; não se
criou e não se formou; seria impossível escapar do mundo nascido,
originado, criado e formado.” O Budismo originário não tinha o sabor
ontológico que vemos no Budismo posterior. Buda Shakyamuni lidou mais
com o mundo dos fenômenos. Os ensinamentos dele eram muito práticos.
Teólogos gastam muita tinta, tempo e respiração falando sobre Deus. Isto
é exatamente o que Buda não queria que os discípulos dele fizessem,
porque ele queria que eles tivessem tempo de praticar samatha (parar,
acalmar), vipassana (compreender profundamente), tomar refúgio nas Três
Jóias, nos Cinco Treinamentos da Consciência Plena e assim por diante.
Em outras
passagens, os ensinamentos de Buda nos revelam o incondicional. Por
exemplo, ele diz: “Quando as condições são suficientes, percebemos os
olhos como sendo existentes. Quando as condições são insuficientes,
percebemos os olhos como sendo inexistentes. Os olhos não vieram de
algum lugar no espaço. Os olhos não vão para algum lugar no espaço”. A
idéia de vir, ir, ser e não ser são representações e conceitos a serem
extintos. Se existe algo que você não consegue falar sobre, é melhor não
falar sobre aquilo. Wittgenstein disse a mesma coisa em seu tratado
Tractatus Lógicos-Philosophicus: “No que se refere ao que não se pode
falar a respeito, não deveríamos dizer coisa alguma.” Nós não
conseguimos falar sobre algo, mas podemos experimentá-lo. Podemos
experienciar o que não nasce e não morre; o que não tem início nem fim,
porque isto é a própria realidade. A forma de experimentar isto é
abandonando o nosso hábito de perceber tudo através de conceitos e
representações. Os teólogos gastaram milhares de anos falando sobre Deus
enquanto representação. A isso se chama onto-teologia, que fala sobre o
que não deveríamos falar.
O Buda que
experienciamos aqui e agora é a consciência plena. A consciência plena é
uma formação mental como qualquer outra formação mental. Ela tem uma
semente em nossa consciência individual e em nossa consciência coletiva.
Esta é uma jóia preciosa enterrada profundamente na Terra para nós
descobrirmos e explorarmos. Quando desenterramos esta jóia, podemos
transformar toda a situação. Assim Buda surge – não a partir do nada, do
não-ser, mas de uma semente búdica, de uma natureza búdica. A natureza
búdica é, antes de tudo, a consciência plena. A prática da consciência
plena é a prática de dar à luz a Buda no momento presente. Este é o Buda
real. É por isso que Buda é às vezes descrito no budismo Mahayana como o
Tathagata, àquele que veio da substantivação, da realidade tal como ela
é. A substantivação não pode ser descrita com palavras ou conceitos.
Nirvana, a verdade absoluta, a realidade tal como ela é, são objetos de
nossa verdadeira percepção e discernimento. Mas um objeto de percepção
sempre inclui o sujeito de percepção. Com consciência plena, podemos ver
claramente a natureza da realidade. A consciência plena com o apoio da
concentração, respiração consciente e investigação profunda, torna-se um
poder que consegue penetrar profundamente e diretamente no coração dos
fenômenos. Isto não é especulação ou uso de conceitos e palavras, mas
compreensão direta. Finalmente, a verdadeira natureza da realidade se
revelará a nós enquanto substantivação. A realidade como ela é não pode
ser descrita com palavras e conceitos, mas pode ser penetrada através do
prajña, compreensão verdadeira. Em cada um de nós, a semente da
consciência plena pode ser descrita como o ventre de Buda
(tathagatagarbha).
Todos nós somos mães de Buda,
porque todos nós estamos grávidos de Buda. Se soubermos cuidar do nosso
bebê Buda, um dia este Buda se revelará a nós. Por isso, em Plum Village
nós nos curvamos com as mãos juntas para cumprimentar uns aos outros,
dizendo silenciosamente: “Um lótus para você, um Buda a ser”. Vemos a
outra pessoa como a mãe de um futuro Buda. Em cada um de nós existe um
Buda-embrião, a semente da consciência plena, e é nisto que
precisamos nos refugiar em nossa vida diária. Diz-se que Buda tem dez
nomes, e o primeiro Tathagata significa “aquele que veio da
substantivação, que permanece em substantivação e retornará à
substantivação.” Tal como Buda, nós viemos da substantivação,
permanecemos em substantivação e retornaremos à substantivação. Não
temos lugar algum para ir, não viemos de lugar algum, e estamos indo a
nenhum lugar.
Não é somente a verdade absoluta
que não pode ser falada a respeito. Não é somente Buda que é assim.
Nós também somos assim. Nada pode ser concebido e falado a respeito. Um
copo de suco de laranja é em si mesmo uma realidade absoluta. Não
conseguimos falar sobre um suco de laranja para alguém que nunca o
provou. Independente do que dissermos a outra pessoa, ela não terá uma
verdadeira experiência do suco de laranja. A única maneira é bebendo-o. É
como uma tartaruga dizendo a um peixe sobre a vida na terra seca. Você
não consegue descrever terra seca para um peixe. Ele jamais
compreenderia como alguém poderia ser capaz de respirar sem água. As
coisas não podem ser descritas através de conceitos e palavras. Elas só
podem ser encontradas pela experiência direta.
Quando
Wittgenstein disse: “O que não se pode falar a respeito não deveria ser
falado a respeito”, você poderia pensar que existem coisas que
conseguimos falar sobre elas e coisas que não conseguimos. Mas de fato
nada pode ser falado a respeito, percebido ou descrito por
representações. Se você fala sobre coisas que não experimentou você está
desperdiçando o seu tempo e o tempo das outras pessoas também. Na
medida em que continua praticando tomar refúgio, você verá isto cada vez
mais claramente, e poupará muito tempo, papel e iniciativas de
publicações, e terá mais tempo para curtir o seu chá e viver a vida
diária em estado de consciência plena.
O segundo
nome de Buda é Arhat, que significa “aquele que é digno de nosso apoio e
respeito”. O terceiro é Samyaksambuddha, “aquele cujo conhecimento e
prática são perfeitos”. O quarto é Vidyacaranasampana, “aquele que está
equipado com conhecimento e prática”. O quinto é Sugata, “aquele que é
bem vindo”. O sexto é Lokavida, “aquele que conhece bem o mundo”. O
sétimo é Anutta-rapurusa-damyasarathi, que significa “líder insuperável
das pessoas a serem treinadas e ensinadas”. O oitavo é
Sastadeva-manussana, “professor dos deuses e humanos”. O nono é Buddha,
“o iluminado”. O décimo é Bhagavat “o abençoado”. Toda vez que tomamos
refúgio em Buda, tomamos refúgio no ser que possui estes atributos.
Quando tomamos refúgio em nossa consciência plena, nós tomamos refúgio
na semente destes atributos dentro de nós.
No Budismo
Mahayana, o ventre do Tathagata, tathagatagarbha, é equivalente ao
Dharmakaya, corpo dármico. Quando falamos sobre substantivação ou
nirvana, estamos falando sobre algo que não deveria ser falado. Buda, na
maioria das vezes, conteve-se e não falou sobre estes assuntos, mas de
tempos em tempos ele aludia falando sobre outras coisas. O ensinamento
de que não há chegada, nem partida, nem ser nem não-ser já era muito
claro no Budismo originário. No Budismo Mahayana, estas idéias se
tornaram plenamente desenvolvidas, às vezes excessivamente
desenvolvidas. Não deveríamos nos perder tanto em coisas deste tipo.
Devemos preservar a natureza prática do Darma de Buda. Senão nos
tornaremos filósofos, não praticantes.
Quando
pratico tomando refúgio na minha respiração, eu digo: “Inspirando,
volto-me para dentro de mim. Expirando, eu tomo refúgio na minha própria
ilha. A consciência plena é Buda iluminando meu caminho”. Eu pratico a
respiração consciente como uma prática de tomar refúgio.
Nós
vivemos num mundo impermanente, e sem eu autônomo, um
mundo onde muitas ondas estão tentando nos arrastar. Praticamos
habitando a nossa consciência plena como sendo a nossa própria ilha. A
consciência plena é Buda em pessoa. Também é o Darma e a Sanga.
Praticando a respiração consciente nós, com a luz da consciência plena,
iluminamos dentro de nós os cinco skandhas ou agregados do ser, que são:
forma, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência. Existe
uma Sanga de cinco elementos dentro de nós, e pode haver uma falta de
harmonia entre estes elementos. O sofrimento resulta dos conflitos entre
os skandhas. A respiração consciente pode acalmar os conflitos e
restabelecer harmonia dentro de nós. Os frutos desta prática são paz e
alegria.
Quando você está profundamente
consciente, a natureza que não nasce e não morre, não chega e não parte
se revela a você, e o medo de perder isto ou aquilo desaparece. Você não
tem que abandonar este mundo. Você não precisa ir ao céu para
refugiar-se. Você não precisa esperar pelo futuro para ter refúgio. Você
toma refúgio aqui e agora. A profundidade do seu refúgio depende de sua
prática. Buda, Darma e Sanga estão sempre disponíveis. O ventre do
Tathagata está sempre presente. Nós precisamos apenas voltar lá para
estar fora de perigo.
Na igreja ortodoxa grega, os
teólogos falam sobre “teologia apophatic” ou “teologia negativa”.
Apophatic vem da palavra grega apophasis que significa negar. Você diz
que Deus não é isso, Deus não é aquilo, até se despojar de todos os
conceitos de Deus. O filósofo budista do século dois, Nagarjuna,
desenvolveu uma dialética similar para remover nossas idéias da
realidade. Ele não descreve a realidade, porque a realidade é o que ela é
e não pode ser descrita. Quando os Zens budistas falam sobre matar
Buda, eles querem dizem que o conceito de Buda deve ser morto para que o
Buda real seja diretamente experimentado.
A idéia de
Trindade na Igreja Ortodoxa Cristã é bem profunda e sofisticada. Às
vezes os nossos amigos da Igreja Ortodoxa dizem que a Trindade é o
programa social deles. Eles começam com o Espírito Santo e o Filho. O
Pai pode ser mais difícil de ser tocado, imaginado ou percebido. O Pai
pertence ao reino da inexpressividade e deve ser mantido neste reino
místico. Mas é possível tocar o Filho e o Espírito Santo. Similarmente,
no Budismo nós falamos sobre praticar com o Darma e a Sanga e depois
tocar nirvana, o ventre do Tathagata.
O Espírito
Santo cria o Filho, de forma que o Filho possa nos mostrar o caminho ao
Pai. Eu disse a um monge Cristão: “É muito mais seguro começar com o
Espírito Santo. Você tem a capacidade de reconhecer a presença do
Espírito Santo toda vez e onde quer que ele se manifeste. Ele é a
presença da consciência plena, compreensão e amor, a energia que anima
não somente Jesus, mas todos nós. Esta energia nos ajuda a reconhecer o
Cristo vivo e tocar a base do ser que é o Deus Pai. No Budismo, o
Espírito Santo é chamado de consciência plena, despertar, prajña, maitri
e karuna. Tocando estas energias você toca Buda e nirvana.”
A teologia
da morte de Deus, a idéia do Cristianismo ateísta e secular está muito
dentro deste espírito. Você depende da pessoa de Jesus Cristo e dos
ensinamentos dele, e da prática. Isto é muito inteligente e pragmático.
Se você começar com a idéia de Deus, poderá ficar emperrado. Na Igreja
Ortodoxa grega, a idéia de deificação, que a pessoa é um microcosmo de
Deus, é muito inspiradora. Já era evidente no século quatro, e é muito
parecida com a tradição asiática, que afirma que “o corpo de um ser
humano é um mini-cosmos”. Deus criou os humanos para que os humanos
possam se tornar Deus. Um ser humano é um mini-Deus, um micro-theos.
Isto se aproxima da idéia do Tathagata está em cada um de nós. Nós
estamos todos grávidos de Buda. De acordo com a teologia da deificação,
os humanos são criados para participar na divindade de Deus, não somente
enquanto criações separadas. A deificação é formada não só do espírito,
mas do corpo humano também. De acordo com o ensinamento da Trindade na
Igreja Ortodoxa, o Pai é a fonte da divindade que engendra o Filho. Com
sua “palavra” (logos, em grego), Ele faz surgir o espírito que está vivo
no Filho. Isto é comparável a natureza não-dual de Buda, Darma e Sanga.
A coisa
mais importante em um diálogo inter-religioso é que cada lado diga ao
outro como praticam. Se nos reunirmos por cinco ou dez dias, devemos ser
capazes de compartilhar uns com os outros como vivemos nossas vidas,
como praticamos tomar refúgio, como rezamos, meditamos e assim por
diante. Para mim, os Cinco Treinamentos da Consciência Plena são
práticas de consciência plena. Os Três Refúgios também são práticas de
consciência plena. “Tomo refúgio na Sanga” é muito mais uma prática; não
uma devoção.
No Cristianismo, o mistério é, às
vezes, descrito como sendo a escuridão. Desde os séculos três e quatro
na Igreja Ortodoxa grega, a idéia de escuridão já existia e se tornou
uma fonte de misticismo Cristão. Escuridão significa não conseguir
entender algo, não conseguir compreender algo claramente com o
intelecto; isto é misterioso. Quando Victor Hugo perdeu sua filha
Leopoldina, ele queixou-se dizendo que “O homem só enxerga um lado das
coisas, o outro lado está mergulhado na noite do mistério amedrontador”.
No Budismo, o mistério é descrito em termos de luz. No Sutra
Avatamsaka, Buda é luz. Se você for tocado por um dos feixes de luz, se
tornará iluminado. No Sutra Avatamsaka, Buda estava dando uma palestra
na forma de Buda Vairocana, isto é, Buddha Dharmakaya, e humanos,
deuses, Budas e bodisatvas, carpinteiros, reis, policiais, todos ali
reunidos experimentaram bem aventurança porque eles tinham sido tocados
pelo feixe de luz emanado por Buda. No Budismo, a palavra avidya
significa falta de sabedoria, discernimento e luz. Vidya, compreensão, é
feita de luz. Tudo o que é místico e maravilhoso está no lado da luz,
não no lado da escuridão. Mesmo que não possa ser apreendido pelo
conhecimento conceitual, é luz.
Numa
pequena estória, Alphonse Daudet fala sobre um pastor numa montanha que
fez o sinal da cruz quando ele viu uma estrela cadente. A crença popular
é que no momento em que você vê uma estrela cadente, uma alma está
entrando no céu. Fazer o sinal da cruz é uma forma de tomar refúgio na
Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Quando você acredita que algo é a
encarnação do mal, você sustenta uma cruz para afugentar aquilo para
longe. No Budismo popular, quando as pessoas vêem algo que elas acham
maléfico, também invocam o nome de Buda. Esta é a prática da devoção.
Quando há luz, a escuridão desaparece.
Mas se
aprendemos o princípio da não-dualidade, nossa compreensão muda. Uma
prática da consciência plena é recitar este verso quando acendemos a luz
do quarto:
O esquecimento é escuridão,
consciência plena é luz.
Estou
acendendo a consciência plena para que brilhe sobre toda vida.
Nós
poderíamos compreender isto como um tipo de luta entre a luz e a
escuridão, mas na realidade, é um abraço. Quando a consciência plena é
praticada continuamente será suficientemente forte para abraçar o seu
medo ou raiva, e transformá-los. Recitar um mantra não é como segurar
uma cruz para afugentar o mal para longe. Deve ser praticado de um modo
não violento e não dualístico.
No
Cristianismo, tomar refúgio está expresso pelo corpo de Jesus. Para
algumas pessoas, a imagem da cruz expressa excessivo sofrimento. Deve
haver formas de representar o Pai, o Filho e o Espírito Santo enquanto
paz, alegria e felicidade que não seja através da imagem da cruz.
Algumas pessoas dizem que elas se sentem mais em paz quando vêem a
imagem de Buda sentado, sorrindo. Olhar para uma pessoa que foi
crucificada por dois mil anos pode ser insuportável. Eu gosto muito do
fato desta prática estar manifesta em um corpo, mas que tal uma imagem
de Jesus segurando um cordeiro? Isto poderia ser mais atraente. Quando
praticamos a meditação sentada, ela se expressa no corpo. Quando
praticamos prostrações também é um ato de tomar refúgio. Todos os cinco
elementos estão todos focados em uma direção: o mastro da consciência
plena.
No Cristianismo, a Eucaristia é
um ato de tomar refúgio em Jesus, Deus. Quase nada se diz sobre
experienciar profundamente o Darma e a Sanga. Sem a Sanga, a comunidade
da igreja, e sem o ato de comer o pão e beber o vinho em estado de
consciência plena, não haveria Jesus. A Sanga tem sido importante no
Cristianismo. As pessoas nunca celebram a Eucaristia a sós, mas sim
juntas enquanto uma Sanga. Na igreja originária, a expressão “Nós todos
somos um corpo” era muito usada. Mas a hierarquia da igreja se tornou
opressiva e conseqüentemente a Sanga se enfraqueceu.
Na prática
Budista, nós enfatizamos a Sanga. Diz-se que abandonar a Sanga é
como um tigre partindo da sua montanha. Um tigre que desce à planície
pode ser capturado e morto pelos humanos. Um praticante sem uma Sanga
pode abandonar a prática dele.
Sanga
significa comunidade. Existem quatro comunidades: dos monges, das
monjas, das mulheres laicas e a dos homens laicos. Eu adiciono elementos
de apoio que não são humanos, como árvores, almofadas, rochas, água e
pássaros. Um seixo, uma folha, uma dália, uma árvore, um pássaro e um
caminho estão todos pregando o Sutra Saddharmapundarika, se soubermos
como escutá-los. No Sutra da Terra Pura (Sukhavativyuba) está dito que
quando o vento sopra através das árvores, podemos ouvir o ensinamento
dos Quatro Pilares da Consciência Plena, do Caminho Óctuplo, dos Quatro
Poderes e assim por diante. Todo o cosmos está fazendo um sermão e
praticando o Darma de Buda. Se estivermos atentos, podemos tocar esta
Sanga.
Qualquer pessoa que queira
praticar precisa de uma Sanga. Temos que estabelecer pequenas Sangas a
nossa volta para apoiar nossa prática. Sem uma Sanga, quando ficamos
exauridos, não temos os meios de nos nutrir. Criando uma pequena
Sanga, podemos encontrar uma Sanga maior à nossa volta e dentro de nós.
A prática
de tomar refúgio pode ser feita todo dia, muitas vezes ao dia. Toda vez
que você se sentir indisposto, agitado, triste, temeroso ou preocupado,
estes são momentos de você retornar à sua ilha da consciência plena. Se
você pratica retornando à sua ilha enquanto não estiver experimentando
dificuldades, enquanto não estiver com um problema, será muito mais
fácil e mais agradável. Não espere até que uma onda lhe derrube para
voltar à sua ilha. Pratique retornando à sua ilha, vivendo plenamente
consciente cada momento de sua vida. Se a prática se tornar um hábito,
quando os momentos difíceis chegarem será natural e fácil fazê-la.
Caminhar, respirar, sentar para comer em silêncio e beber chá em estado
de consciência plena são todas práticas de tomar refúgio. Cada prática
de consciência plena contém todas as outras práticas. Se você apenas
praticar tomando refúgio, estará também praticando o Caminho Óctuplo, os
Quatro Pilares da Consciência Plena e tudo o mais. Uma porta do Darma
contém todas as outras portas.
Tomar
refúgio não é uma questão de crença. Esta prática está muito aterrada em
nossa experiência. Você sabe que tem a semente da consciência plena
dentro de si. Você tem a ilha dentro de si. Esta não é uma questão
metafísica. A sua inspiração e expiração estão à sua disposição; sua
semente de consciência plena está sempre presente. Tomar refúgio é uma
questão de prática diária. Nos templos Budistas, nós usamos as palavras
công phu (kung fu em chinês), que significa “prática diária”, não “artes
marciais”. Um bom aluno ou professor sempre retorna e toma refúgio na
consciência plena da respiração quando está furioso ou preocupado.
Quando
recebemos más notícias e nos sentimos abalados, a melhor coisa a fazer
neste momento é tomar refúgio. No ocidente, quando você tem que dar uma
má notícia a alguém, você pede para a pessoa se sentar. Pedir para
sentar é bom, porque você teme que a pessoa desmaie. Mas você também
pode pedir a ela para inspirar e expirar e se tornar calma e forte. Até
mesmo notícias boas podem fazer a pessoa desmaiar. Se você ouvir que
ganhou dez milhões de dólares na loteria, pode ter um ataque cardíaco e
morrer.
Nem sempre é fácil praticar
tomando refúgio deste jeito. Devido a nossa tendência de acreditar em um
“eu” autônomo, nós precisamos praticar profundamente para compreender a
natureza da inexistência de chegada e inexistência de partida. Senão,
ficaremos com a idéia fixa de que antes de termos nascido, estávamos em
algum lugar e quando morrermos, nós vamos para algum lugar. Por não
saber onde estamos indo, sentimos medo. O ensinamento da Terra Pura
garante as pessoas que se elas praticarem bem agora, elas renascerão na
Terra Pura de Buda Amida. Existem outras Terras Puras também, como a
Abhirati de Aksobhya. Muitos budistas querem renascer no Céu de Tushita
para estarem com Buda Maitreya, pois quando chegar hora deste Buda
renascer na Terra, elas querem vir com ele. Para renascer na Terra Pura
você tem que praticar recordando-se de Buda (buddharusmrti). Durante sua
vida cotidiana, você invoca o nome de Buda e foca sua atenção em Buda.
Esta é uma forma de tomar refúgio. Você pratica ou visualizando Buda com
as suas trinta e duas lindas marcas ou invocando o nome dele. O nome de
Buda pode fazer surgir às boas qualidades de Buda. Durante o tempo em
que estiver praticando, você habitará este tipo de refúgio em Buda. Você
está próximo a ele, à ilha. Você água dentro de si a semente da
budeidade, isto é, consciência plena e benevolência. Depois aprende do
seu professor que a Terra Pura está dentro do seu coração. Estes são
passos graduais em direção ao ensinamento de inexistência de chegada e
inexistência de partida. Muitas pessoas precisam de um lugar para ir
antes de compreenderem que não têm que ir a lugar algum.
Precisamos
nos lembrar que as Terras Puras são impermanentes. No Cristianismo, o
Reino de Deus é o lugar aonde você vai para a eternidade. Mas no
Budismo, a Terra Pura é um tipo de universidade onde você praticará com
um professor por algum tempo, se graduará e então retornará mais uma
vez. Um ser iluminado chamado Buda Amida pediu às pessoas que tinham
afinidade com a prática para vir praticar com ele, para que elas
pudessem se graduar um dia e se tornar pessoas totalmente iluminadas. Se
você compreender que a Terra Pura está dentro do seu coração, como no
ensinamento do Sutra Avatamsaka, você não precisa de tempo ou de um
local distante para instituir uma Terra Pura. Você pode fundar uma
Sanga, uma mini-Terra Pura, em casa, neste exato momento.
Eu
gostaria de re-frasear as fórmulas clássicas para se tomar refúgio:
“Voltando, tomando refúgio em Buda dentro de mim, eu me comprometo a
realizar o Grande Caminho para fazer surgir a mente mais elevada”. A
mente mais elevada é bodhicitta [lê-se: boditchita], a intenção ou
determinação de praticar e ajudar incontáveis seres vivos até que você
alcance a total iluminação. Existem pessoas que praticam apenas para
aliviar os sofrimentos delas sem pensar no sofrimento dos outros. Esta
não é a mente mais elevada.
“Retornando,
e tomando refúgio no Darma dentro de mim, eu me comprometo a alcançar
compreensão e sabedoria tão vastas quanto o oceano”. O Darma vivo pode
ser tocado somente através da manifestação de um Buda, uma Sanga ou um
bom praticante.
“Retornando, e tomando refúgio na
Sanga dentro de mim, eu me comprometo, juntamente com todos os seres, a
ajudar a construir uma Sanga livre de obstáculos”. Se você estiver
motivado pelo desejo de estabelecer uma pequena Sanga para praticar e
alegrar os amigos com a prática, você está praticando o terceiro
refúgio. Se você sofre porque não tem confiança na sua prática e
sente-se à beira de deixar a Sanga, isto é desastroso. Se você se sente
infeliz na Sanga, se acha sua Sanga muito difícil de lidar, é melhor se
esforçar para continuar com ela. Não precisamos de uma Sanga perfeita.
Uma imperfeita já é suficientemente boa. Podemos dar o melhor de nós
para nos transformar em um elemento positivo da Sanga e animar o resto
do grupo, apoiando-o com nosso esforço.
Os Três
Refúgios é uma prática muito profunda. Nós simplificamos as frases com
palavras simples para que até mesmo os jovens possam compreendê-las
facilmente:
Tomo refúgio em Buda, aquele que me
mostra o caminho nesta vida.
Tomo
refúgio no Darma, o caminho da compreensão e do amor.
Tomo refúgio na Sanga, a comunidade
consciente e harmônica.
Sabemos que as Três Jóias
interexistem. Sem o Darma e a Sanga, Buda não é Buda. Até mesmo os
Budas-a-ser precisam de um corpo dármico e um corpo-sanga. Somos nós
quem decide construí-los. O nosso corpo dármico deve ser um corpo vivo e
não somente um conjunto de dogmas ou idéias. O nosso corpo-sanga deve
ser uma comunidade viva, e não apenas um sonho de procurar uma terra ou
procurar pessoas da mesma opinião. A melhor maneira é manifestar isto
aqui e agora: fazer desta Sanga uma Sanga viva hoje, fazer o Darma que
aprendemos o Darma vivo hoje. Se formos determinados, tudo se reunirá.
Aprendendo com o Sutra sobre a melhor maneira de viver sozinho, nós
praticamos no momento presente para desfrutar o momento presente, que é a
nossa Sanga aqui e agora.
Um Buda
como Shakyamuni pode ser visto através do corpo dármico e do corpo-sanga
dele. Quando você entra em contato com o corpo dármico e o corpo-sanga
dele, você entra em contato com ele. Não deveríamos nos queixar por
termos nascido dois mil e seiscentos anos depois e, portanto, não
conseguimos contatá-lo. Estamos em contato com ele. Estamos em contato
com o corpo-dármico e corpo-sanga dele neste exato momento. Todos nós
Buda-a-ser precisamos nos expressar em nosso corpo dármico e em nosso
corpo-sanga. Quando alguém disser algo que nos provoque, podemos
retornar a nossa respiração e sorrir, e àquela pessoa terá a chance de
tocar o nosso corpo dármico. Quando agimos conscientemente e
compassivamente, nosso Darma é um Darma vivo. Toda vez que tivermos
alguma dificuldade ou frustração, se retornarmos a nossa respiração e
permanecermos em nossa ilha de consciência plena, todos poderão tocar o
nosso Darma vivo. Quando temos um grupo de amigos que se apóiam
mutuamente na prática do Darma, toda vez que alguém se junta a nós para
beber chá, toca o nosso corpo-sanga.
Buda disse
que o corpo dos ensinamentos dele permaneceria com os alunos dele, mas
fazê-los duradouros seria uma decisão dos alunos. Se não praticarmos,
haverá somente livros e fitas, mas se praticarmos, o corpo dármico será
um Darma vivo. “Dharmakaya” posteriormente adquiriu o significado de
“espírito de Buda”, “energia de Buda”, “Buda verdadeiro”, “base de
Buda”. Desenvolveu um sabor ontológico: “a base de todos os seres”, “a
base de toda a iluminação”. Finalmente, tornou-se algo equivalente à
“substantivação”, “nirvana” e “tathagatagarbha” (“o ventre do
Tathagata”). Este é um desenvolvimento natural. O Darma é uma porta que
se abre a todos estes significados. Nossa única preocupação é saber
quanto tempo gastamos falando sobre estas coisas.
Dharmakaya
é a essência de Buda. Às vezes nós o chamamos de Vairocana, o Buda
ontológico, Buda enquanto base, a encarnação do Darma, sempre brilhando,
sempre iluminando as árvores, a grama, os pássaros, os seres humanos e
assim por diante; sempre emitindo luz. É este Buda que está pregando o
Sutra Avatamsaka agora e não somente há dois mil e seiscentos anos
atrás. Àqueles que entram em contato com Vairocana não precisa de
Shakyamuni. Shakyamuni é apenas um raio de luz enviado por Buda
Vairocana. Shakyamuni é o Nirmanakaya, o corpo transformação, um clarão
enviado pelo centro do fogo, um feixe de luz enviado pelo sol. Não
precisamos nos preocupar se um feixe de luz cessa de ser aparente. O sol
está sempre presente. O Dharmakaya está sempre presente. Se você não
conseguir ouvir Shakyamuni diretamente, mas estiver suficientemente
aberto, poderá ouvir Vairocana. Além de Shakyamuni, muitos Budas de
transformação estão dando sermões. As árvores, os pássaros, os bambus
violeta, as crisântemos amarelas, todos estão dando sermões do mesmo
Darma que Shakyamuni ensinou há dois mil e seiscentos anos atrás.
Podemos entrar em contato com o Nirmanakaya através de cada um deles.
O primeiro
corpo é o Dharmakaya, o segundo corpo é o Sambhogakaya, e o terceiro
corpo é o Nirmanakaya. Sambhogakaya é o corpo de bem aventurança. Você
pode entrar em contato com este corpo porque Buda realizou o desejo de
iluminação plena. Consciência plena está na base da compreensão,
compaixão, paz e felicidade. Quando inspiramos e expiramos e nos
tornamos conscientes do céu azul, nós o apreciamos. Quando nos servimos
de chá em estado de plena consciência, estamos em contato. Paz, alegria e
felicidade são frutos da consciência plena. Buda pratica a consciência
plena e tem paz, alegria e felicidade imensuráveis, e podemos tocar este
corpo de deleite. Toda vez que você tocar algo em harmonia, algo que
brilha, tocará o Sambhogakaya de Buda. Este é o corpo-gratificação, o
corpo-deleite, que simboliza a paz e felicidade de Buda, frutos de sua
prática.
O corpo-gratificação pode ser
descrito de duas formas. A primeira é o deleite próprio; e a segunda é o
deleite experimentado pelos outros. Quando você pratica a consciência
plena, você se deleita com o fruto da sua prática dentro de si. Àqueles a
sua volta também se deleitam com a sua felicidade e frutos de sua
prática. Quando alguém está feliz e em paz, esta felicidade e paz
irradiam ao redor daquela pessoa para os outros se deleitarem. Se
praticar bem, você será capaz de enviar muitos Sambhogakayas para dentro
do mundo para ajudar a aliviar o sofrimento dos seres vivos. Uma pessoa
tem a capacidade de transformar muitos seres vivos se souber explorar a
semente de iluminação dentro dela.
Uma vez
quando estava num avião, eu tive este pensamento: Se o piloto anunciasse
que o avião estava prestes a cair, o que eu faria? Estava claro pra mim
que eu praticaria a respiração e sorriso conscientes. Estas seriam a
melhor coisa que eu poderia fazer naquele momento. E se, lá embaixo,
você soubesse que eu estava praticando respirando e sorrindo durante
àquele momento difícil, você ficaria seguro de si. É fundamental que nós
não esperemos até um momento crítico desses para começar a prática.
Eu sempre
pratico a respiração consciente durante as decolagens e aterrissagens.
Isto não quer dizer que durante o vôo eu não o faça, mas eu nunca me
esqueço de praticar nesses momentos. Não é porque eu esteja com medo,
mas se tornou um hábito. Eu viajo tanto. Eu também tenho o hábito de
praticar meditação caminhando nos aeroportos. Eu sempre tento ir cedo ao
aeroporto, para não ter que me apressar quando estiver lá. Todos estão
apressados, mas sei que é possível estar inteiro praticando a meditação
andando até mesmo lá.
As Três Jóias e os Cinco
Treinamentos da Consciência Plena são ensinamentos sobre a prática da
consciência plena. As Três Jóias envolvem todo ensinamento e são os
fundamentos de toda prática. Este é o tipo de prática que você consegue
mensurar. Você será capaz de ver o progresso que está fazendo. Sua
confiança e fé nas Três Jóias serão fortalecidas a cada dia.
Poderia soar
como se a prática devocional e a prática transformadora fossem
totalmente distintas, mas isto não é correto. Ambas são práticas vivas.
A prática devocional pode também ser transformadora. A prática
devocional se apóia mais no outro, embora também haja um esforço próprio.
A prática transformadora confia naquilo que já existe dentro de nós,
mas como precisamos de uma Sanga e de um professor, no final também
contamos com o outro. A distinção não é absoluta, mas há uma distinção.
A prática
da consciência plena se encontra tanto na prática devocional como na
transformadora. Muitas pessoas acham que a prática da consciência plena é
a única prática Budista. A respiração consciente une corpo e mente.
Esta é a primeira condição para você entrar em contato com qualquer
coisa que você queira entrar em contato, até mesmo um ser superior.
Quando você pratica a respiração consciente, torna-se pacífico e forte, e
o seu ser já fica mais elevado.
[Capítulo
extraído do livro For a Future to Be
Possible – Commentaries on the Five Mindfulness Trainings,
revised edition 1998, Parallax Press. Tradução por Tâm Vãn Lang]
Fonte: http://sangarecife.blogspot.com.br/p/as-tres-joias-buda-darma-e-sanga.html
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