segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Meditação: Não é o que você pensa - Por Wendy Hasenkamp. Mind and Life Institute


Você tem familiares, amigos, colegas que dizem que não conseguem meditar?
A neurocientista residente do Mind and Life Institute, Wendy Hasenkamp, explora os equívocos populares sobre meditação e as razões para se continuar tentando.



Quando eu explico para alguém que estou envolvida em pesquisa sobre meditação, não é incomum ouvir: “Ah, meditação – eu tentei. Mas não consigo meditar.”
Essa resposta me traz um misto de emoções com partes iguais de tristeza e frustração, junto com uma grande dose de motivação.
Tristeza porque as pessoas tiveram experiências com a meditação em uma perspectiva negativa e a associaram a uma sensação de ter fracassado. 

Frustração porque essa associação sempre vem de um mau entendimento cultural sobre o que é a meditação (e o que deve se sentir quando pratica). 

E motivação: para mudar essa percepção equivocada, para que aqueles que estiverem interessados possam experimentar os benefícios da prática da meditação.
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Se você fizer uma rápida pesquisa de imagens sobre meditação na internet, o que você irá encontrar será uma representação bem popular: pessoas sentadas com pernas cruzadas, olhos fechados, parecendo serenas e livres de pensamentos, alguns com raios de luz saindo de suas cabeças. Se você conversar sobre isso com alguém que medita regularmente descobrirá que essa imagem está bem longe da realidade da meditação. Especialmente no caso de iniciantes.
Externamente, o corpo pode estar calmo (e isso pode levar algum tempo para ser alcançado), mas internamente a mente sempre parece um emaranhado confuso de pensamentos e emoções. Isso é normal. De fato, embora a meditação signifique muitas coisas para muitas pessoas, na minha perspectiva, ela não significa alcançar um estado mental extasiante e “vazio”. A cessação do pensamento é possível (ao menos foi o que ouvi), mas para mim isso seria como um efeito colateral. Na realidade, a meditação é um processo de investigação da sua própria mente e de mudança da forma como você se relaciona com seus pensamentos.
Na sociedade ocidental, o primeiro estilo de meditação usualmente ensinado, chamado “mindfulness” ou prática da atenção focada, consiste em tentar manter sua atenção nas sensações relacionadas à respiração. Apenas isso, em geral durante 10 minutos para começar. E isso é mais fácil de ser dito do que feito. Experimente e veja por si mesmo. Quase imediatamente você irá se deparar com muitos pensamentos saltando e tirando a sua atenção da respiração: uma desavença recente, listas de compras, vontade de tomar café, agitação e nervosismo por causa de um compromisso futuro… Isso é natural. Surgem pensamentos e emoções associadas a eles. Em algum momento você perceberá que a sua mente para de oscilar, que você se separa daquele trem de pensamentos e distrações e volta para a respiração. E então isso acontece novamente. E novamente. E novamente.
O esforço na meditação em geral surge porque nossos objetivos estão mal elaborados. O que frequentemente não é compreendido é o fato de que as instruções para meditar não são de fato o objetivo da meditação. Em outras palavras, embora estejamos procurando manter o foco na respiração, o verdadeiro objetivo é conhecermos melhor as nossas próprias mentes. Fazemos isso criando condições para os pensamentos aflorarem e para podermos observá-los sem julgamento. Quando entendemos que os pensamentos irão surgir inevitavelmente, e que são necessários para que o processo tenha sentido, nós podemos relaxar e deixá-los acontecer. Com a prática, começamos a entender que os pensamentos e emoções que naturalmente surgem irão também naturalmente se dissolver. Nós entendemos que não é sempre necessário segui-los e que eles não são tão “reais” quanto parecem.
Ao longo da última década, neurocientistas como eu têm se interessado cada vez mais em estudar como a meditação afeta o cérebro e o corpo. O número de estudos conduzidos por ano nesse novo campo da ciência contemplativa está crescendo exponencialmente, com mais do que 200 estudos publicados só no último ano.


E por que todo esse interesse?
As pesquisas até o momento demonstraram vários benefícios da meditação, desde o aumento da atenção e melhora do rendimento em exames, à redução do estresse e melhora da imunidade. Como o campo de pesquisa continua a florescer e os estudos clínicos têm se tornado cada vez mais rigorosos – empregando metodologias padrão ouro com grupos controle e randomização – nós estamos ganhando um entendimento muito mais refinado sobre a aplicação das práticas contemplativas. Em outras palavras, que tipo de prática funciona melhor para quais finalidades e para quais populações? Os modelos cognitivos começaram a ser empregados para revelar como a meditação funciona do ponto de vista psicológico, um importante passo para formatar futuras pesquisas que irão nos dar um mapa mais claro da mente. E indo além da psicologia, os pesquisadores estão procurando tornar mais claro como mudanças cognitivas e neurais produzidas pela meditação podem afetar os nossos corpos físicos, tornando-nos mais saudáveis e resilientes em resposta ao estresse do mundo moderno.


Embora as pessoas pareçam pensar que a habilidade de meditar é determinada pelo DNA – ou você é capaz de meditar ou não – como a maior parte das habilidades, a capacidade cognitiva para a meditação pode ser treinada.


Confirmando milhares de anos de evidências vindas de tradições contemplativas como o budismo, a ciência moderna está agora demonstrando isso de seu próprio jeito. Da mesma maneira que ir à academia e levantar pesos desenvolve os seus músculos, quando você repetidamente pratica uma habilidade mental – seja manter sua atenção em um determinado foco, fazer contas matemáticas ou aprender um idioma – você constrói circuitos em seu cérebro. O que a ciência está provando é que com intenção e prática diligente, você pode literalmente transformar o seu cérebro.
Esse entendimento representa uma revolução para neurocientistas e psicólogos que por décadas pensaram que o cérebro era “imutável” a partir do final da adolescência. Muitos acreditavam que era ainda possível aprender novas informações, mas em termos de personalidade e potencial inato, um cérebro humano estava completamente estruturado por volta dos 20 anos de idade. Claro, existirão sempre limitações devido às interações entre os genes e o meio ambiente mas, para a maioria de nós, a janela de possibilidades é muito mais ampla do que se acreditava anteriormente. E é evidente que a meditação pode ter um papel importante na plasticidade do cérebro.
Estudos que examinaram a estrutura do cérebro demonstraram que a meditação está associada ao aumento da densidade da massa cinzenta do cérebro, aumento da espessura cortical e aumento da integridade de conexões entre regiões cerebrais importantes para o controle cognitivo. Trabalhos recentes mostram que quanto maior a quantidade de horas de meditação, maior será a quantidade de dobras corticais da insula – uma área importante para integração autônoma, emocional e cognitiva. Algumas das minhas próprias pesquisas demonstraram que meditadores mais experientes apresentam maior coerência da atividade cerebral nas redes ligadas à atenção, e também entre regiões de controle da atenção e áreas envolvidas com divagações mentais. Isso sugere uma habilidade para concentração e para “soltar” pensamentos intrusos que pode ser treinada.
Deixando a ciência um pouco de lado, o que a realidade da prática de meditação significa em última análise é que é possível ensinar novos truques a um cão velho. O processo leva tempo e uma boa dose de dedicação e esforço, mas com prática você pode desenvolver uma nova forma de se relacionar com seus pensamentos e emoções. E isso significa que é realmente possível escolher como você pensa e, consequentemente, quem você é.
Mas não tome por verdade o que estou dizendo. O próprio Buda disse a seus alunos para não aceitarem algo simplesmente porque uma autoridade disse ser verdade; em vez disso, teste você mesmo e veja se está de acordo com a sua própria experiência. Eu aposto que se você colocar a meditação seriamente à prova, você irá ver – e sentir – os benefícios por si mesmo.
winter2013newsletter_image19Wendy Hasenkamp, PhD, é diretora científica do Mind and Life Institute. Como neurocientista e praticante contemplativa, se interessa em compreender como a experiência subjetiva é representada no cérebro, e como a mente e o cérebro podem ser transformados e desenvolvidos por meio da experiência e da prática. Ela também tem contribuído para o desenvolvimento do currículo, ensino e criação de livros didáticos de neurociência para o Emory Tibet Science Initiative, que visa integrar a ciência no sistema de educação monástico tibetano na Índia.
Tradução livre de Binho Barreto, revisado por Jeanne Pilli

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

"Mudanças climáticas têm muito mais a ver com capitalismo do que com carbono", diz Naomi Klein

O novo livro da autora e ativista Naomi Klein vai explorar como nosso atual ''modelo de economia está em guerra com a vida na Terra''.

O título do livro não é difícil de ser entendido: Isso muda tudo: Capitalismo versus Meio ambiente.
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A nova obra de Klein vai argumentar que a mudança climática não é apenas outro item a ser habilmente arquivado entre impostos e assistência médica

O novo trabalho da jornalista, ativista e intelectual canadense Naomi Klein tem sido divulgado em um vídeo que expõe seus principais temas e argumento central.

''Em dezembro de 2012, um grupo de cientistas foi até o palco da União Geofísica Americana para apresentar um artigo'', diz a narradora do vídeo - a própria Klein - enquanto imagens mostram o crescimento urbano e a queimada de lavouras.

E a narração continua: O artigo foi intitulado ''A Terra está ferrada?''. E sua resposta foi: ''Sim. Bastante.'''

É para onde a estrada onde estamos está nos levando, mas isso tem menos a ver com carbono do que com o capitalismo. Nosso modelo de economia está em guerra com a vida na Terra. Não podemos mudar as leis da natureza, mas podemos mudar nossa economia falida.

E é por isso que as mudanças climáticas não significam apenas um desastre. É também nossa grande chance de exigir - e construir - um mundo melhor. Mudar ou ser mudado. Mas não se enganem... isso muda tudo.

Assista: 
De acordo com a editora Simon&Schuster, Isso muda tudo é uma ''brilhante explicação de como nossa crise climática nos desafia a abandonar o centro da ideologia do 'mercado livre' do nosso tempo, reestruturar a economia global e refazer nossos sistemas políticos''.


 
Descrita como mais importante e visionário do que seu best-seller anterior, Doutrina do Choque, a nova obra de Klein vai argumentar que a mudança climática não é apenas outro item a ser habilmente arquivado entre impostos e assistência médica. É um alerta que nos chama a ajustar nosso sistema econômico que já está nos extinguindo de diferentes formas.

Klein argumenta meticulosamente que a redução maciça da emissão de efeito estufa é a nossa melhor chance de simultaneamente diminuir as desigualdades, repensar nossas democracias falidas e reconstruir nossas tristes economias locais. Ela expõe o desespero ideológico daqueles que negam a mudança climática, as ilusões messiânicas dos pretensos geoengenheiros e o derrotismo trágico de muitas iniciativas verdes tradicionais.

Temos de entender o fato de que a revolução industrial que levou prosperidade a nossa sociedade está agora desestabilizando o sistema natural do qual dependem nossas vidas.
Esses argumentos não serão novos para quem segue o trabalho de Klein - e os argumentos similares de muitos outros nos últimos anos - mas a expectativa é de que assim como na abordagem anterior sobre o capitalismo moderno em Doutrina do Choque, ela vai apresentar sua análise mais completa da situação atual e sua visão do futuro.

Em discurso para um dos maiores sindicatos do Canadá, Klein disse aos membros da Unifor que se foi o tempo em que os trabalhadores e os interesses industriais entregam suas mentes ao que dita a ciência climática sobre o modelo econômico vigente do capitalismo global dominado pelas corporações.

Ela também discutiu a ideia de que as mudanças climáticas não devem ser vistas como um desastre, mas como uma enorme oportunidade para reformar o paradigma político e a luta por justiça global. 

Ela declarou à plateia de trabalhadores: A ideia que quero trazer a vocês é que a questão das mudanças climáticas - quando toda a sua economia e implicações são entendidas - é a mais poderosa agenda progressista que já existiu para a igualdade e a justiça social.

Mas primeiro nós temos que parar de fugir da crise climática, parar de deixar isso para os ambientalistas e nos confrontarmos com o problema. Temos de entender o fato de que a revolução industrial que levou prosperidade a nossa sociedade está agora desestabilizando o sistema natural do qual dependem nossas vidas.

''As mudanças climáticas", ela acrescentou, ''não são um item para você adicionar à lista de coisas com as quais se preocupar. São um alarme para a civilização''.
(Via Jon Queally, do Common Dreams)

fonte: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2014/mudancas-climaticas-tem-muito-mais-a-ver-com?tag=clima#ixzz3JziKbXiw

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Sem chuva, crise da água pode virar catástrofe e para jurista cidadão pode processar Estado

A crise hídrica se agrava a cada dia nas regiões mais ricas e populosas do Brasil (Grande São Paulo e região de Campinas) e, sem chuvas suficientes, a situação está próxima de uma catástrofe no abastecimento de água para a população e para o funcionamento dos setores produtivos. Medidas de restrição do uso da água já estão sendo estudadas para as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, onde está a Região Metropolitana de Campinas (RMC). Um apagão na energia elétrica  é cada vez mais provável, diante do esgotamento dos reservatórios das hidrelétricas. A paralisação de trechos da Hidrovia Tietê-Paraná tem provocado prejuízos. 
Para o Dr.Paulo Affonso Leme Machado, um dos principais nomes do Direito Ambiental no país, os órgãos competentes do Estado podem vir a ser acionados na Justiça pelo cidadão ou por organizações da sociedade civil em caso de falta de água.
Os reservatórios do Sistema Cantareira, que abastece metade da Grande São Paulo, chegaram em 21 de novembro, a 9,7% de sua capacidade. Desde o dia 15 de novembro já está sendo usada a segunda e última cota do Volume Morto do conjunto de reservatórios, formados por águas da bacia do rio Piracicaba. Mas os demais reservatórios que servem a Grande São Paulo, que tem quase 20 milhões de habitantes e responde por 20% do PIB brasileiro, também estão em situação muito preocupante.  No Alto Tietê, o nível está em 6,4%; no Sistema Guarapiranga, em 33%; no Alto Cotia, em 28,4%; no Rio Grande, em 64,3%); e no Rio Claro, em 33,3%.
Em outras regiões de São Paulo e outros estados o cenário também é inquietante. Os reservatórios das hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional estavam com 26,87% de sua capacidade em 20 de novembro, o que confirma a possibilidade de interrupções no fornecimento de eletricidade, se persistir a falta de chuvas intensas. Em algumas regiões a situação dos reservatórios é muito crítica. Na área da bacia do rio Grande, nas divisas de São Paulo e Minas Gerais, em cinco dos seis reservatórios o volume útil está em menos de 15%. Na bacia do rio Paraíba do Sul, em cinco dos oito reservatórios o volume útil também está abaixo de 15%.
A crise hídrica já afeta vários setores da economia. A paralisação da Hidrovia Tietê-Paraná em vários pontos já provoca grandes prejuízos. Um dos trechos onde a navegação foi suspensa, no percurso de 2,4 mil quilômetros da Hidrovia, foi o do situado entre o km 128 do reservatório de Três Irmãos e a eclusa inferior de Nova Avanhandava, em Buritama (SP). O Comitê da Bacia Hidrográfica do Entorno do Lago de Furnas, no Sudeste de Minas Gerais, estima em mais de R$ 35 milhões o prejuízo acumulado para o setor de turismo e de pesca com a estiagem que já dura dois anos naquela região.
Nesta sexta-feira, aSecretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), do Ministério da Integração Nacional, reconheceu a situação de emergência, devido à seca e à estiagem, em Quixabeira, na Bahia; Japonvar, Josenópolis, Pirapora, Sabará, São João do Pacuí e Varzelândia, em Minas Gerais; e Frei Paulo e Poço Verde, em Sergipe.
A estiagem também tem levado à multiplicação dos focos de queimadas. Até esta quinta-feira, 20 de novembro, já foram registrados 165.679 focos em todo país, pelo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 66% a mais do que no mesmo período do ano passado. No estado de São Paulo já foram detectados 4.658 focos no período, 141% a mais do que no ano anterior. No Rio de Janeiro já são 1400 focos, 264% a mais do que em 2014. Em Minas Gerais, 12.165 focos, 134% a mais do que em 2014.
Os especialistas observam que é necessário chover muito durante o Verão para que os reservatórios comecem 2015 com níveis razoáveis. Do contrário, a crise hídrica no ano que vem pode ser ainda pior. O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, observou na semana passada em audiência na Câmara dos Deputados que em janeiro de 2014 os reservatórios do Sistema Cantareira, em seu conjunto, já estavam muito abaixo da média histórica. Os reservatórios estavam com menos de 30% de sua capacidade, menos do que o volume em janeiro de 2013 (menos de 50%) e janeiro de 2012 (menos de 70% da capacidade).
Nesta semana, a ANA promoveu reunião no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com os usuários de água das bacias PCJ, para discutir as regras de restrição do uso de água nessa região, em caso de alta criticidade nos recursos hídricos. O mesmo acontecerá com a porção mineira da bacia do rio Piracicaba.
Responsabilidade do Estado – Para o professor Dr.Paulo Affonso Leme Machado, um dos principais nomes do Direito Ambiental no Brasil, os órgãos competentes do Estado podem ser acionados, via ação popular ou ação civil pública, em caso de falta de água. Ele lembra que o artigo 11 da Lei 9433, da Política Nacional dos Recursos Hídricos, de 1997, estabelece o direito de acesso à água, nestes termos: “O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. Do mesmo modo, lembra, a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 225 estipula que  “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O jurista nota que a mesma lei 9433 prevê, em seu artigo 1, que “em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Ou seja, em caso de restrições, são estes setores que devem se servir prioritariamente da água, e depois os setores industrial e agrícola, observa o Dr.Paulo Affonso Leme Machado.
Na sua opinião, a Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos não precisa ser revista, à luz da atual crise hídrica. “A Lei dá chance para muitas ações. O que ocorre não é por omissão da lei, mas das pessoas e poderes constituídos que não a respeitam”, afirma o jurista, autor entre outros livros de “Direito Ambiental Brasileiro” (Malheiros Editores), já em 22ª edição. (Por José Pedro Martins)

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

No curto prazo, nada pode ser feito pela seca no sudeste, afirma futuro relator da ONU para o Direito à Água

Para o mineiro Léo Heller, futuro relator das Nações Unidas para o Direito à Água e ao Saneamento Básico, crise hídrica não tem solução imediata a não ser chuva e redução do consumo.

A crise hídrica no Sudeste não tem solução a curto prazo a não ser chuva e redução do consumo, afirma Léo Heller, futuro relator das Nações Unidas para o Direito à Água e ao Saneamento Básico. A partir de 1º de dezembro, o pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai substituir a portuguesa Catarina de Albuquerque na ONU. O mandato dura três anos e pode ser renovado pelo mesmo período.
“Já estão adotando todas as medidas necessárias e usando o volume morto do reservatório. No curto prazo, é muito difícil pensar em outras soluções”, afirmou Heller, em entrevista à DW Brasil.
Caso não chova nos próximos meses, alerta o engenheiro, a situação pode ficar “dramática”.
Ele considera que o volume de água desperdiçada ao longo do sistema de abastecimento brasileiro “não é admissível”. “Ao invés de buscar novos mananciais, é mais ético trabalhar na redução dessas perdas.”
Heller é cauteloso ao falar do tratamento do esgoto para transformação em água de reúso. Recentemente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou a construção de uma estação que irá empregar a técnica, com o objetivo de aumentar a oferta de água.
DW Brasil: O que o senhor acha que poderia ter sido feito para minorar a seca no Sudeste?
Léo Heller: Deveria ter tido um planejamento mais adequado, que levasse em conta a possibilidade de estiagem, que é um fenômeno natural e sazonal. Esses momentos precisam ser incluídos no planejamento. Os atuais mananciais e captações de água têm sido insuficientes para atender a demanda, isso requer aumentar e diversificar as fontes de água, não só quantitativamente, mas qualitativamente. Isso inclui água subterrânea e de chuva, por exemplo.
E do ponto de vista da demanda?
É preciso reduzir as perdas no sistema de abastecimento de água. Além disso, poderíamos consumir menos água com mudanças nos hábitos da população e com equipamentos mais econômicos, como a descarga dual (com dois botões, um para resíduos sólidos e outro para líquidos). Algumas cidades estão incentivando a captação da água da chuva no nível domiciliar para alimentar a descarga dos vasos sanitários. É uma solução muito inteligente, porque usamos uma água de altíssimo padrão, sem necessidade. E é onde mais se consome água nos domicílios.
O que pode acontecer caso não chova nos próximos meses no Sudeste?
A situação ficaria dramática e precisaríamos intensificar o racionamento. Eu prefiro pensar no longo prazo, que os gestores tomem as providencias necessárias para que, no próximo verão, isso não volte a acontecer.
Então, no curto prazo, não tem muito o que possa ser feito…
Não, não tem. Exceto campanhas para que as pessoas economizem. Já estão adotando todas as medidas necessárias e usando o volume morto do reservatório. No curto prazo, é muito difícil pensar em outras soluções.
Que medidas preventivas poderiam ter sido tomadas para economizar água?
Deveríamos ter feito gestão da demanda, trabalhado para diminuir o consumo de água, com campanhas contra o desperdício e combate às perdas. A redução da pressão também ajuda a diminuir o consumo. Todas essas medidas deveriam ter sido tomadas preventivamente.
Como o senhor vê a tentativa transferir água do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira?
A transferência de água de uma bacia para alimentar a captação de outra, se for realizada e gerenciada de forma inteligente, pode ser uma solução. Desde que, obviamente, essa transferência não comprometa a água da bacia doadora. Aparentemente, estudos desenvolvidos pela própria ANA [Agência Nacional de Águas] mostram que isso não colocaria em risco o abastecimento dos outros estados. Mas isso precisa ser feito com muito cuidado.
Há uma mentalidade de que a água é um recurso infinito. Essa crise hídrica pode mudar isso?
A crise no Sudeste alerta para a necessidade de uma mudança de paradigma da gestão de água. Ela não é infinita e ela não tem um volume constante ao longo do ano e das décadas. Alguns autores falam que o abastecimento de água deve mudar de uma lógica linear – captação, uso e descarte – para uma lógica mais circular, com o reúso e outras fontes. Precisamos sair de uma acomodação e investir não só em novas obras, mas na modernização da gestão. É muito possível que uma parte do problema atual tenha origem nas mudanças climáticas globais, o que sinaliza que esse fenômeno pode ocorrer com mais frequência.
O que o senhor acha da proposta de multar pessoas que, por exemplo, seguem lavando carros e calçadas com mangueira, apesar da seca?
Associada a um conjunto de medidas, a multa pode ter efeito. Isoladamente é quase uma transferência de responsabilidade, como se os culpados fossem os usuários e o gestor não tivesse nenhuma responsabilidade. Isso não é correto. De certa forma, os modelos de tarifação de água hoje já incluem essa lógica, porque quem consome muito paga mais pelo metro cúbico. Só que esse modelo tarifário se demonstrou incapaz de coibir esse tipo de desperdício. Mas nós não temos ainda condições empíricas para dizer que as multas contribuiriam a redução do consumo. Pode ser que um proprietário muito rico concorde em pagar mais para continuar desperdiçando.
Estudiosos têm alertado para o desmatamento ao redor de represas, como o Cantareira, e mesmo na Amazônia, como um dos agravantes da seca. O senhor concorda que se dá pouca importância a esse fator no gerenciamento da água?
Sem dúvida. Os profissionais da hidrologia sabem muito bem disso. Não é apenas o desmatamento ao redor das represas que tem impacto, mas nas bacias hidrográficas inteiras. Quando há alterações importantes, no sentido de remover vegetação, ampliar a urbanização e iniciar práticas agropecuárias, a bacia perde sua capacidade de armazenar água. Ou seja, em época de estiagem, a vazão dos rios vai ser cada vez menor. As bacias no Sudeste são muito afetadas pela ação do homem, isso certamente explica parte do que está ocorrendo. Em relação à Amazônia, esse impacto ainda carece de uma comprovação mais firme.
Recentemente, o governo de São Paulo anunciou a construção de uma estação que para fazer o reúso do esgoto. O Brasil está avançado em relação ao reaproveitamento da água em comparação com outros países?
Nós estamos muito atrasados. Há várias formas de reúso, como reaproveitar a água para a irrigação ou para o vaso sanitário. Essa de transformar o esgoto em água potável é a mais radical. Existem tecnologias para isso, sim, mas são mais sofisticadas e nós estamos menos habituados a operá-las. É preciso muito cuidado, porque qualquer falha no processo pode levar a uma insegurança sanitária da população. E as falhas são possíveis em um processo novo, quando não temos mão de obra qualificada para isso. Tem que ter um controle muito fino ou podemos trazer risco para a população.
O senhor mencionou o reúso domiciliar, mas o que poderia ser feito em larga escala?
É possível pensar em grandes reservatórios de água de chuva para usos menos nobres. O problema é que muitas vezes esse reúso implica uma grande reformulação dos sistemas, tanto públicos, quanto domiciliares. Alguns países têm rede dupla na rua, uma para água mais pura e outra mais impura. Em uma cidade que já esteja totalmente consolidada, essa transformação é muito penosa. O que parece mais viável são pequenas mudanças em nível domiciliar, mais do que municipal. A tecnologia existe para qualquer tipo de reúso, mas precisamos observar a segurança sanitária, a viabilidade técnica e econômica.
O Brasil tem uma taxa alta de perda de água ao longo do sistema. O que pode ser feito em relação a isso?
Temos uma taxa média nacional de perdas na distribuição de 37%, segundo o SNIS [Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento]. É bem alta. Dificilmente chegaria a zero, mas os engenheiros trabalham com uma meta de 25%. Abaixo disso, costuma ser pouco viável economicamente. Ao invés de buscar novos mananciais, é mais ético trabalhar na redução desse desperdício. Para isso, faltam investimentos públicos e um programa de controle de perdas mais efetivo. Existem incentivos do governo federal, mas muitas vezes os gestores se acomodam e preferem fazer novas obras de infraestrutura do que trabalhar nesse ajuste fino, que requer um trabalho de detetive e dá pouca visibilidade. Do ponto de vista ético, não é admissível perder tanta água no sistema.
O que o senhor, como brasileiro, acha que o nosso país pode contribuir nesse debate sobre água e esgoto no mundo?
O Brasil avançou muito nos seus marcos legais e institucionais, isso pode ser um exemplo interessante. Nós temos agora uma lei nacional que estabelece a regulação da prestação do serviço de água e esgoto, além de um plano nacional e uma estrutura no governo que cuida disso. Também tem havido certa estabilidade nos financiamentos públicos federais para a área. Esse conjunto de medidas terá efeitos de longo prazo, elas prepararam o país para avançar muito na ampliação do acesso ao saneamento.
A maior parte dos brasileiros não tem acesso a tratamento de esgoto. Quais são os desafios para a universalização desse serviço?
Sem dúvida isso tem avançado lentamente, mas tem avançado. O Plano Nacional de Saneamento Básico dá prioridade a isso. A ideia hoje é não implantar nenhum sistema de coleta de esgoto sanitário que não tenha tratamento. Isso já vem sendo feito, mas nós temos um passivo muito grande e superá-lo é um desafio enorme.
Matéria original em http://www.ecodebate.com.br/2014/11/26/no-curto-prazo-nada-pode-ser-feito-pela-seca-no-sudeste-afirma-futuro-relator-da-onu-para-o-direito-a-agua/

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Veja as principais causas e impactos da mudança climática no planeta

O novo relatório mundial de síntese sobre as mudanças climáticas divulgado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) alerta que os governos podem controlar as mudanças climáticas a custos viáveis, mas precisam reduzir a zero a emissão dos gases do efeito estufa até 2100 para limitar riscos crescentes.

Veja abaixo os principais pontos do relatório, que aponta causas, impactos atuais e futuros, assim como os cenários para limitar o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC.

Quais são os sinais da mudança climática?

Temperaturas: a média global na superfície da Terra e dos oceanos subiu 0,85°C entre 1880 e 2012. As três últimas décadas foram sucessivamente as mais quentes desde 1850. A temperatura na superfície dos oceanos aumentou 0,11ºC por década entre 1971 e 2010.


Precipitações (chuva, neve, granizo): aumento desde 1901 nas latitudes médias do hemisfério norte.



Acidificação: os oceanos são cada vez mais ácidos. O pH médio na superfície caiu 0,1 ponto, o que representa um aumento da acidez de 26%.

Ártico: a superfície média na camada de gelo diminuiu de 3,5 a 4,1% por década entre 1979 e 2012.

Antártica: a superfície média na camada de gelo aumentou de 1,2 a 1,8% por década entre 1979 e 2012, mas em algumas regiões da Antártica registrou queda.

Nível do mar: entre 1901 e 2010, o nível médio dos oceanos aumentou 19 cm

Quais são as causas do aquecimento?

- As emissões anuais de gases que provocam o efeito estufa (GEI) são mais elevadas que nunca: em 2010, alcançaram 49 gigatoneladas de equivalente de CO2; as energias fósseis representaram 78% das emissões de GEI entre 1970 e 2010.

- As concentrações de GEI (CO2, metano e óxido nitroso) na atmosfera são as mais elevadas em 800.000 anos.

- Entre 1750 e 2011, as emissões acumuladas de CO2 alcançaram 2040 gigatoneladas; 40% (880 Gt) das emissões permaneceram na atmosfera, o restante fica armazenado na biomassa do oceano.

- Metade das emissões de CO2 entre 1750 e 2011 aconteceu nos últimos 40 anos.

- O oceano absorveu 30% das emissões de CO2, o que provocou a acidificação.

Qual impacto desta mudança no planeta?

- Os sistemas hidrológicos foram alterados pela modificação do regime de precipitações e o derretimento dos gelos, afetando a disponibilidade e a qualidade da água.

- As zonas de repartição, as migrações e a quantidade de indivíduos de numerosas espécies marinhas ou terrestres foram modificadas.

- A frequência das ondas de calor aumentou em partes da Europa, Ásia e Austrália.

- A probabilidade de ondas de calor dobrou em certas regiões.

- As regiões nas quais as precipitações aumentaram são mais numerosas que aquelas onde registraram queda.

Quais são as previsões do painel?

Sem novas medidas para reduzir as emissões de GEI, o planeta permanece no cenário mais elevado, com uma alta global das temperaturas no fim do século 21 de 3,7°C a 4,8°C na comparação com 1850-1900.

Apenas o cenário que implica a redução mais forte de GEI permitiria permanecer abaixo dos 2ºC em relação ao período pré-industrial (1861-1880)

Os 2°C implicam que as emissões acumuladas não superem 2.900 Gt de CO2 e que haja redução das emissões em 40% a 70% até 2050 (na comparação com 2010) e o fim das emissões até 2100.

E se nada mudar?

O ritmo anual das emissões de gases que provocam o efeito estufa terá impactos "graves, extensos e irreversíveis".

A região do Ártico continuará com um aquecimento mais rápido que a média do planeta. As ondas de calor serão mais frequentes e a ocorrência de ondas de frio serão menos frequentes, na maior parte do planeta.

Já as mudanças que envolvem as precipitações não serão uniformes: precipitações anuais em alta no Pacífico equatorial, nas latitudes elevadas e nas regiões úmidas das latitudes médias; em queda nas regiões subtropicais secas.

O oceano vai continuar com temperatura em alta e com o processo de acidificação e o aumento do nível do mar vai prosseguir a um ritmo mais acelerado que entre 1971 e 2010: pode alcançar entre 26 cm e 82 cm, em função das emissões entre 1986-2005 e do fim do século 21. A alta não será uniforme em todo o planeta.

A camada de gelo ártica será menos extensa em todos os períodos do ano e o volume global das geleiras, com exceção da Antártica, deve cair entre 15% e 55% com o cenário menos intenso das emissões, e de 35% a 85% com a trajetória mais elevada.

Haverá maior risco de extinção de várias espécies (animais ou vegetais) sem capacidade de adaptação e os ecossistemas marinhos estarão expostos a níveis de oxigênio menos elevados e a um meio mais ácido.

Haverá efeitos na economia?

A segurança alimentar será afetada especialmente nas regiões que dependem da pesca. O painel aponta ainda queda nos rendimentos dos cereais (trigo, arroz, milho) nas regiões temperadas e tropicais.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2014/11/1542183-mudanca-climatica-causas-impactos-e-sugestoes-para-permanecer-abaixo-dos-2c.shtml

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Amazônia já está entrando em pane, afirma cientista (Folha de São Paulo)

Com 20% da floresta desmatada outros 20% degradados, a floresta amazônica já começa a falhar em seu papel de regulação do clima da América do Sul, diz o biogeoquímico Antônio Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
A pedido de ONGs ambientalistas coordenadas pela ARA (Articulação Regional Amazônica), Nobre publicou um relatório revisando 200 estudos sobre o cenário de pesquisa na área, e concluiu que a floresta já dá sinais de desgaste em seu papel de bombear umidade do oceano para o interior da América do Sul, entre outros problemas.
O papel de "bomba d'água biótica" que a floresta exerce, demonstrado por trabalhos anteriores do próprio Nobre, pode estar em risco.
A consequência disso, afirma o cientista, é que chuvas dentro do bioma e também num polígono ao sul do continente, a leste dos Andes, podem não chegar com a mesma regularidade.
Para reverter a situação, Nobre diz que a solução é não apenas parar o desmatamento mas também iniciar um amplo processo de reflorestamento, pois a seca que a região Sudeste vive hoje já pode ser resultado da destruição da Amazônia.
Nobre diz ter ficado "assombrado" com a quantidade de evidências recentes que encontrou para esse fenômeno em estudos de revisão publicados em revistas científicas indexadas. Mas preferiu publicar suas conclusões primeiro em um relatório em linguagem voltada ao público em geral.
"Falar disso para os cientistas é meio como pregar o pai-nosso para o vigário", disse Nobre ontem num evento em São Paulo, onde o trabalho foi lançado. A decisão de publicar um estudo em linguagem acessível também se deu por uma vontade de prestar contas de suas pesquisa à sociedade, diz o cientista.
"É uma decisão arriscada da minha parte, mas o 'peer review' [sistema de revisões independentes adotado por revistas científicas técnicas] dificulta muito esse tipo de analise integrativa", afirmou.
O relatório de Nobre, intitulado "O Futuro Climático da Amazônia", cita trabalhos mais atualizados do que aqueles apresentados no último relatório do IPCC (painel do clima da ONU), por exemplo, que não previa problemas tão graves na região.
O painel foi mais reticente em afirmar, por exemplo, que a Amazônia pode se transformar em uma savana no futuro, impulsionada pelo aquecimento global, conclusão antes tida como mais segura.
"Como nenhum modelo climático atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba biótica de umidade, principalmente nos potenciais efeitos das mudanças na circulação do vento, suas projeções podem ser incertas", escreve Nobre no relatório.
Para o cientista, outro fator também vinha sendo subestimado em alguns modelos matemáticos que tentam reproduzir a interação entre a floresta e o clima: a degradação florestal, os trechos de vegetação que já perderam boa parte de suas árvores e sua biodiversidade, mas que aparecem como floresta intacta em fotos de satélites.
Isso faz com que 40% da floresta esteja prejudicada em diferentes níveis, porcentagem similar à que alguns estudos previam como o ponto de virada no qual a floresta não mais conseguiria se sustentar sozinha, incapaz de garantir a própria umidade.
"A gente já está chegando nesse 'tipping point', e a capacidade de compensação do sistema não está mais aguentando", diz.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Novo estudo analisa o futuro climático da Amazônia - INPE

Pela primeira vez, um mesmo relatório reúne e analisa informações de aproximadamente duzentos dos principais estudos e artigos científicos sobre o papel da floresta amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e na exportação de serviços ambientais para áreas produtivas, vizinhas e distantes da Amazônia. 



Lançado no dia 30/10/14, na cidade de São Paulo, o relatório intitulado “O Futuro Climático da Amazônia” conclui que a redução do desmatamento não basta para garantir as funções climáticas do bioma. 
Além de manter a floresta amazônica a qualquer custo é preciso confrontar o passivo do desmatamento acumulado e começar um amplo processo de recuperação do que foi destruído, que somente no Brasil equivale a uma área de 184 milhões de campos de futebol”, defende o pesquisador Antonio Donato Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável pelo relatório. 

A análise revela o potencial climático da floresta pristina, chamada pelos cientistas de “oceano verde”, e os impactos de sua destruição com o desmatamento e o fogo. Aponta ainda as ações para conter os efeitos no clima provocados pela ação humana sobre a maior floresta tropical do mundo. 

O trabalho inova ao revelar os segredos que fazem da Amazônia um sistema único no planeta, com funções que começam a ser compreendidas pelos cientistas. O primeiro deles é que a floresta mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para as regiões interiores do continente, distantes milhares de quilômetros do oceano”, informa Nobre. 

A Amazônia, explica o pesquisador, tem outra peculiaridade. Ela ajuda a formar chuvas em ar limpo. É que as árvores emitem aromas a partir das quais se formam sementes de condensação do vapor d’água, cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas. Além de manter o ar úmido sobre si mesma, a floresta amazônica exporta essa umidade por meio de rios aéreos de vapor, os chamados “rios voadores”, que irrigam o Sudeste, Centro-oeste e Sul do Brasil e áreas como o Pantanal e o Chaco, além da Bolívia, Paraguai e Argentina. “Sem os serviços da floresta, essas produtivas regiões poderiam ter um clima inóspito, tendendo a desértico”, diz o autor. 

Segundo Nobre, essa competência de regular o clima se dá principalmente pela capacidade inata das árvores de transferir grandes volumes de água do solo para a atmosfera através da transpiração. São 20 bilhões de toneladas de água transpiradas ao dia, o equivalente a 20 trilhões de litros. Para se ter uma ideia, o volume despejado no oceano Atlântico pelo rio Amazonas é de pouco mais de 17 bilhões de toneladas diariamente. “As árvores funcionam como gêisers de madeira, jorrando esse volume absurdo de água vaporosa na atmosfera”. 

Nobre explica que a ideia de avaliar diversos estudos e condensar suas conclusões em um único relatório foi motivada por um pedido da Articulación Regional Amazónica(ARA), uma iniciativa não governamental que reúne organizações dos países amazônicos para discutir e combater o desmatamento. 

Danos e mitigação 

Uma nova teoria física descrita no relatório sustenta que a transpiração abundante das árvores, casada com uma condensação fortíssima na formação das nuvens e chuvas – condensação essa maior que aquela nos oceanos contíguos –, leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas em quaisquer circunstâncias. 

Para Nobre, todos esses efeitos favorecedores, em conjunto, fazem da floresta a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos. “Mas o desmatamento pode colocar todos esses atributos da floresta em risco. Reconhecidos modelos climáticos anteciparam variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima, previsões que vêm sendo confirmadas por observações. Entre elas estão a redução drástica da transpiração, a modificação na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estação seca nas zonas desmatadas. Outros efeitos não previstos, como o dano por fumaça e fuligem à dinâmica de chuvas, mesmo sobre áreas de floresta pristina, também estão sendo observados”, diz o autor do relatório. 

Nobre ressalta que estudos sugerem que a floresta, na sua condição original, resistiu por dezenas de milhões de anos e tem grande resistência a cataclismos climáticos. “Mas quando é abatida ou debilitada por motosserras, tratores e fogo sua imunidade é quebrada”. Em seus cálculos, Nobre afirma que a ocupação da Amazônia já destruiu no mínimo 42 bilhões de arvores, ou seja, mais de 2.000 arvores por minuto –ininterruptamente - nos últimos 40 anos. “O dano de tal devastação já se faz sentir no clima próximo e distante da Amazônia, e os prognósticos indicam agravamento do quadro se o desmatamento continuar e a floresta não for restaurada”. 

Entre as medidas mitigadoras, o relatório propõe “universalizar o acesso às descobertas científicas que podem reduzir a pressão da principal causa do desmatamento: a ignorância”. 

Para José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e colaborador do INPE em projetos na área de mudanças climáticas, a floresta Amazônica certamente tem um papel importante na regulação no clima regional e global e também nos transportes de umidade para grandes regiões da América do Sul. 
Este relatório apresenta e avalia muito bem as pressões sobre a região, e as possíveis consequências do desmatamento nos sistema naturais e humanos. Apresenta também uma visão clara sobre as vulnerabilidades do bioma Amazônia no presente e no futuro, e discute as medidas que devem ser implementadas para estancar a degradação da floresta”, diz Marengo. 

Jean Ometto, coordenador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do INPE, ressalta que a relação entre o homem e bens naturais deve resgatar sinergias positivas, que pautaram diversos momentos, e civilizações, ao longo da evolução da presença humana no planeta. 
Os efeitos de ações unilaterais, de interesses vis, ou efêmeros, são danosos e têm reflexos muito além das fronteiras destas ações, como mostrado nesse relatório, que faz um alerta sério sobre a importância de olhar, pensar e agir no planeta de forma integrada”, fala Ometto.

Fonte: http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=3749