terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O que aprendi observando a mente: a experiência de Henrique Lemes.



Por que alguém entra em retiro? A pessoa entra em retiro para compreender quem ela é de verdade e qual é verdadeiramente a situação. Quando ela começa a compreender a si, então pode verdadeiramente compreender os outros, porque somos todos interligados.” – Tenzin Palmo 

A prática dos retiros fechados é bastante comum em várias tradições de treinamento de corpo ou de mente, com orientações religiosas ou não. Entre os filósofos gregos, nas tradições africanas e afro-brasileiras, dentro do cristianismo, do islamismo, nas tradições xamãnicas e indígenas de variadas origens, nas muitas vertentes e linhagens do budismo e hinduísmo, para citar alguns exemplos.
Os retirantes se afastam de seus afazeres habituais por períodos que podem ser de uma semana, três semanas, três meses, seis meses, três anos, ou mesmo bem mais do que isso, e aí se dedicam exclusivamente para o treinamento de habilidades específicas, e para desenvolver uma capacidade maior de observação e transformação de seus mundos internos. Henrique Lemes é um praticante dos métodos oferecidos pela tradição budista, um aluno antigo e bastante experiente do Lama Padma Samten.
Em 2009, ele foi convidado pelo lama para fazer um retiro longo de meditação, como uma forma de aprimorar sua própria prática e ficar mais habilitado pra ajudar as outras pessoas que também tem esse interesse.
No início de 2010 ele entrou em retiro, e por dois anos treinou ininterruptamente, meditou cerca de 10 horas por dia, em silêncio, sem entretenimento e sem contato com o mundo exterior – sem celular, internet, televisão, livros, jogos, conversas…
Ele esteve no CEBB São Paulo alguns meses depois que saiu do retiro, e nos contou um pouco do seu aprendizado. Nós filmamos e depois editamos este vídeo com algumas partes do encontro onde ele fala sobre seu treinamento, sobre as emoções, espiritualidade, nossas identidades, nossa ansiedade habitual, relacionamentos, sobre a importância do relaxamento, entre tantas outras coisas. 
Por aqui ficamos muito felizes de poder ter este contato com alguns bons professores e praticantes de métodos efetivos de transformação, que se propõem a desenvolver uma vida com maior qualidade, mais relaxada, alegre, saudável, com relações melhores ao redor.
Há pouco fizemos dois vídeos assim, com Sifu Cemil Uylukçu e com Yasin Mengüllöglu, agora este com o Henrique Lemes, e pretendemos seguir fazendo mais e mais destes registros para a série “o que aprendi“, de forma a ampliar e favorecer cada vez mais a movimentação de pessoas e redes engajadas em processos saudáveis de transformação.
 



Por fim, se você deseja entender melhor o que é e para que servem as práticas de meditação, sugiro este vídeo com algumas explicações do professor Alan Wallace.
E se tem vontade de experimentar a prática, sugiro este outro vídeo onde o lama Padma Samten oferece algumas instruções.
Fonte: http://papodehomem.com.br/o-que-aprendi-observando-a-mente-com-henrique-lemes


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Qual é o propósito da meditação? Qual é a utilidade de uma mente quieta? Respostas de Sri Nasargadatta Maharaj


Quando o assunto tem essa envergadura e importância no caminho da vida, é salutar consultar os mestres. Esta consulta sobre meditação está nas fontes dos discursos do sábio indiano Sri Nisargadatta Maharaj (1897-1981), mais especificamente registrada no livro “Eu Sou Aquilo(I Am That), a obra mais popular entre as publicações dos seus ensinamentos.
Como em vários discursos já feitos sobre meditação, o Maharaj fala aqui sobre se tornar a “testemunha pura“, na resposta da segunda pergunta (de três) abaixo. Mas como já ouvi algumas pessoas usando essa expressão em conversas sobre a meditação, falando algo como “o negócio é se tornar a testemunha”, acho que pode ser importante observar que colocar isso como meta é fundamentalmente equivocado. Isso não é uma meta, é um estado que é revelado, percebido, conforme a identificação com estados impermanentes vai se esmaecendo. Assim, a primeira resposta do Maharaj é mais valiosa do ponto de vista da prática, pois trata da experiência de familiarização com o mundo interno de pensamentos e sentimentos.
Perguntador: Todos os professores aconselham e meditar. Qual é o propósito da meditação?
Maharaj: Todos conhecemos o mundo externo das sensações e ações, mas nosso mundo interno de pensamentos e sentimentos sabemos muito pouco. O propósito primordial da meditação é se tornar consciente de, e se familiarizar com, nossa vida interior. O propósito último é alcançar a fonte da vida e da consciência. A prática propositada da meditação afeta profundamente nossa personalidade. Somos escravos do que não conhecemos; do que sabemos somos mestres. De qualquer vício ou fraqueza em nós mesmos descobrimos e entendemos suas causas e seus funcionamentos, nós os superamos pelo próprio saber; o inconsciente se dissolve quando o trazemos à consciência. A dissolução do inconsciente libera energia; a mente se sente adequada e se torna quieta.
Perguntador: Qual é a utilidade de uma mente quieta?
Maharaj: Quando a mente está quieta, nós viemos a nos conhecer como a testemunha pura. Nós nos retiramos da experiência e do experimentador e ficamos aparte em consciência pura, que está entre e além desses dois. A personalidade, baseada na auto-identificação, em se imaginar como sendo algo: “Eu sou isso, Eu sou aqui”, continua, mas somente como uma parte do mundo objetivo. Sua identificação com a testemunha se quebra.
Perguntador: Até onde posso entender, vivo em muitos níveis e a vida em cada nível precisa de energia. O ser por sua própria natureza se deleita em tudo e suas energias fluem externamente. Não é um propósito da meditação represar as energias nos níveis mais altos, ou empurrá-las de baixo pra cima, de modo que possibilite os níveis superiores florescerem?
Maharaj: Não é tanto uma questão de níveis, mas de gunas (qualidades). A meditação é uma atividade sátvica e almeja a completa eliminação de tamas (inércia) e rajas (motricidade). O satva puro (harmonia) é a liberdade perfeita da preguiça e da agitação.

Fonte: http://dharmalog.com/2014/01/23/proposito-meditacao-utilidade-mente-quieta-nasargadatta-maharaj/?fb_action_ids=587799274632169&fb_action_types=og.likes&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Alma Reptiliana



Por que, depois de tantas provas de que muitas religiões são uma farsa e alguns de seus ministros são uns picaretas, elas ainda dominam a vida da maioria dos seres humanos? Uma resposta possível está na Pré-História e em nossa "alma reptiliana". 



Sou daquele tipo de pessoa que não acredita que mudamos muito nos últimos tempos; para dizer a verdade, acho que, quando pensamos na humanidade, a Pré-História deveria ser mais levada a sério do que surtos como a Revolução Francesa ou coisas passageiras como eleições democráticas. 

Ou melhor, a Revolução Francesa deveria ser lida como mais um surto da violência natural que caracteriza toda manifestação de multidões desde o Paleolítico. Gostamos de matar e pronto. E a ideia de "um mundo melhor" é tão metafisica quanto os milenarismos medievais ou o monte Olimpo de Zeus. 

Voltemos às religiões. Fenômeno mais essencial do que a política (aliás, só quando vira religião a política reúne multidões, como os fanáticos que creem na política como salvação), e, mais determinante, a religião deita raízes, como tudo mais de humano, na força que de fato nos forma, o desejo, que em nós é atávico como nosso cérebro réptil. E o réptil em nós goza no desejo. 


Em nós, o desejo é metafísico, isto é, desejamos um mundo imaterial e eterno, no qual a força dos deuses é nossa, e nela não somos os miseráveis que somos. E para ter esse mundo nos fazemos ainda mais miseráveis, porque nosso pensamento e nossas ideias servem a esse desejo, e não o contrário. Por isso, seguimos picaretas de todos os tipos, que dizem representar os deuses, os santos, os espíritos que controlariam nossos destinos, fracassos e sucessos. No fundo, querem dinheiro, sempre dinheiro. 

Não somos seres de razão, somos seres de desejo. É na Pré-História que encontramos a melhor compreensão de nossa "natureza", e não em teorias escritas em gabinetes sofisticados. Em cada um de nós vive um Australopithecus pronto a romper seu exílio em nossas maneiras afetadas de civilizados. 

A religião, em grande parte, "organiza os delírios" de nossa mente animal e irracional. Em nós, a razão é superficial como espuma. Mas, diga-se, uma espuma que deve ser cultivada a todo custo. 

Para além da chamada "escolha racional" (teoria muito comum hoje em estudos das religiões), teoria esta baseada no utilitarismo inglês que afirma que os seres humanos escolhem racionalmente buscando a redução do mal-estar e a otimização do bem-estar (por isso a religião, na sua hegemonia, seria um modo de escolha que diminui nosso mal-estar), a "inconsciência religiosa" se mantém, em grande parte, graças à estrutura mental pré-histórica. 

É fácil imaginar nossos ancestrais apavorados sob o domínio de figuras xamânicas que cuspiam fogo enquanto afirmavam que pragas, doenças e guerras assolariam a vida do bando — o óbvio e ululante, claro.
Ou, no caso de desejarem combater essas maldições, eles deveriam matar bichos, matar pessoas, comer comidas sagradas, entoar sons repetitivos, dançar ritmos extáticos, fazer sexo com o sacerdote. Enfim, há um risco de reptilização da fé. 

Quando passo diante de um desses templos nos quais as pessoas erguem as mãos e gritam pelo Espírito Santo ou qualquer outra entidade suposta, ouço nossa ancestralidade berrando em plena luz do dia. Pensar que há algo de diferente entre o pré-histórico e nós nisso é confundir o cenário com a dramaturgia que na realidade define os personagens e sua ação. 

Claro, hoje, afetados de todos os tipos se dizem contra sacrifícios animais e contra guerras, mas, em dois minutos, pulariam na jugular de quem fosse contra suas pautas de santidade. A verdade do homem não está no que ele diz, mas no que ele faz em nome do que ele diz. 

As religiões evoluíram, como tudo mais em nós. Produziram grandes e belos sistemas teológicos e morais. Não nego. Mas o número de pessoas que se submetem a reptilização da fé é enorme, pouco importa o quão inteligentes sejam em outras áreas, ainda creem, em 2014, na capacidade de interpretação desses picaretas do mundo dos espíritos. 

Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".
Autor: Luiz Felipe Pondé 

Extraído de: entretenimento.uol.com   Janeiro 06, 2014