segunda-feira, 23 de junho de 2014

O JORNALISMO QUE SAPATEIA NA POÇA D’ÁGUA - Por Júlio Ottoboni ( Observatório da Imprensa)

Os cientistas bem que avisaram: as guerras futuras serão motivadas pela posse dos mananciais de água potável. O que era uma previsão feita nos anos 1990, no início dos alertas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), passou a se apresentar consistente no eixo mais rico e desenvolvido do país, que une São Paulo ao Rio de Janeiro. No meio dele, o vale do rio Paraíba do Sul, uma bacia estratégica para – literalmente – uma enxurrada de interesses, entre eles o abastecimento de 15 milhões de pessoas.


O que surgiu como um alarmismo para setores da imprensa – e acabou endossado por parte da própria comunidade científica, conhecidos como céticos – está acontecendo. O Sudeste brasileiro terá longos períodos de seca e grandes tempestades pontuais. Seu regime de chuvas esculhambou de vez. Embora, tacitamente, falar de clima seco no Brasil só seja permitido para os estados do Nordeste ou em eventuais El Niño e La Niña. O resto se encontra num horizonte ainda muito distante para ser visto e sentido. Coisa que só acontece nas vizinhanças.

O déficit hídrico de São Paulo já vem de tempos, a situação do Rio de Janeiro é ainda mais preocupante, pois depende diretamente das chuvas em solo paulista. No entanto, essa percepção é um tanto conturbada. Basta uma tempestade a inundar a capital paulista ou chuvas atrapalharem o dia de praia para o assunto sequer poder ser cogitado como pauta.

A lógica usada é a mais primária possível. Se chove em São Paulo, tanto o carioca como o paulista terá água na torneira. Mesmo que a ciência mostre que nem tudo que reluz é ouro, isso foi estabelecido pela perenidade do rio Paraíba do Sul. Embora a cada dia menos água exista em sua bacia em razão do desmatamento, expansão urbana e uma infinidade de outros fatores.

A situação seguiu assim até que o inevitável deu as caras. Um bloqueio atmosférico impediu as chuvas em terras paulistas durante o verão. E logo se mostrou toda a fragilidade da falta de políticas e investimentos em saneamento e na preservação da água. Sem dizer que a megalópole está assentada sobre 1,5 mil quilômetros de rios e córregos e ainda assassinou dois de seus principais rios e vários reservatórios. Todos mortos, aniquilados para o consumo – seja ele qual for.

A grande imprensa, com seus representantes estacionados exatamente onde a bomba prometia explodir, se fingiu de indignada e preferiu dar contornos ao caso dentro do contexto político sucessório. E mais uma vez mostra que só sabe ser estilingue, nunca vidraça. A corresponsabilidade da imprensa por falhar em informar e formar a opinião pública sempre é varrida para baixo do tapete. Novamente essa entidade cada vez mais bipolar escolheu, comodamente, qual a máscara que usaria para enfrentar o caso.


A hora da onça

As falhas e falta de políticas públicas para mitigar os problemas das mudanças climáticas passam ao largo das redações, como o firmamento pregado pelos cientistas do apocalipse. A onda de calor, que desde novembro passado se instalou sobre grande parte de São Paulo e impediu a formação de chuvas na Zona de Convergência do Atlântico Sul, agravou a demanda por água. E isso sequer foi incluído no contexto da estiagem. Sobrou muito de política e quase nada de ciência.

A linha que separa o cômico do dramático se rompeu totalmente quando um recentíssimo estudo da Universidade de Campinas (Unicamp), desenvolvido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), mostrou a irresponsabilidade das cidades brasileiras ao ignorarem as recomendações feitas pelo IPCC .

Quando o governo paulista avisou que para matar a sede de água e os vícios paulistanos – que continuam a lavar calçadas e carros com água própria para consumo – teria que ir buscar o líquido na bacia do rio Paraíba do Sul, de administração federal e responsável pelo abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro, o urro ecoou pelas encostas das serras da Mantiqueira e do Mar. Na hora de a onça beber água o que encontrou foi o lago seco.

O cenário se contaminou de vez. A panaceia foi culpar, de maneira linear e com pouco aprofundamento na questão, o que de pior o Brasil tem conseguido produzir nos últimos tempos: políticos. Até a deusa grega pediu licença para se retirar. A entidade mitológica não está exatamente acostumada a palcos circenses e futebolísticos superfaturados. E a conclusão é que o tal volume morto da represa do Jaguarí foi o atoleiro ideal encontrado para a imprensa, políticos e militantes se fartarem.

Passos no corredor

Enquanto fervilhavam acusações políticas, ameaças de retaliação e jogos de cena, que só faziam subir ainda mais a temperatura em suas desagradáveis ilhas de calor, organizações sociais procuraram dar a seriedade necessária ao assunto. Tanto em São Paulo como no Rio e em cidades do Vale do Paraíba paulista, surgiram diversos eventos entre empresários, cientistas e entidades ambientais focados em analisar e encontrar alternativas para solucionar, principalmente, as questões sobre o futuro da água na região.

Um dos mais produtivos encontros ocorreu no final do maio. A ação foi coordenada pela organização social Corredor Ecológico do Vale do Paraíba, que congrega entidades de relevância no meio empresarial, socioambiental e institutos de pesquisas. Entre os associados estão a empresa Fibria, o Instituto Ethos, SOS Mata Atlântica, Instituto Oikos, AMCE Negócios Sustentáveis, além de centros de pesquisa como o INPE e ITA e também o Comitê de Bacias.

A entidade produzirá uma agenda positiva com propostas a serem entregues aos candidatos que disputam os cargos no executivo federal e estadual, e também que pleiteiam o legislativo dessas esferas. Além disto, o Corredor Ecológico do Vale do Paraíba manterá atividades que visam a recuperar o ambiente natural da bacia do Paraíba do Sul. E com isso provar que há possibilidades além do sapateio na lama para caminhadas em terra firme e consistente.

Entretanto, para que isso ocorra, a imprensa precisa estar desperta, atenta para inúmeras outras possibilidades de se abordar um tema de alto grau de complexidade. Além de ser premente também corrigir sua miopia com as lentes da sabedoria e entender que se enxergar mais longe, de forma abrangente, conseguirá cumprir sua função social num momento de que a própria sociedade clama pela qualidade da informação.


* Júlio Ottoboni é jornalista científico.
* Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Mudança climática pode agravar crise hídrica nos centros urbanos - Por Karina Toledo

Eventos climáticos extremos, como estiagens prolongadas, fortes tempestades e ondas de calor ou frio intenso, devem se tornar mais frequentes à medida que a temperatura do planeta se eleva – o que poderá impactar a disponibilidade dos recursos hídricos disponíveis nos grandes centros urbanos brasileiros.

A avaliação foi feita pelo pesquisador Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP), durante palestra apresentada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 24 de abril, em São Paulo.

De acordo com Rocha, a oferta de água no Brasil é – na média – muito maior do que a demanda. Com uma vazão de 5.660 quilômetros cúbicos de água por ano (km³/a), os rios brasileiros concentram cerca de 12% da disponibilidade hídrica mundial. A população consome em torno de 74 km³/a – menos de 2% da quantidade ofertada. Mas, como os recursos hídricos estão desigualmente distribuídos, há regiões com problemas de desabastecimento.

“Cerca de 80% dos recursos hídricos estão concentrados na Bacia Amazônica, enquanto há regiões com muito pouco, como o sertão nordestino, onde só é possível sobreviver graças aos grandes açudes”, afirmou.

Enquanto no Nordeste e no norte de Minas Gerais a falta de chuva é a principal causa da escassez hídrica, acrescentou o pesquisador, nos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Goiânia o problema é o adensamento populacional.

“Há uma grande dificuldade de consolidar sistemas de abastecimento que acompanhem o crescimento populacional e a demanda dos setores industrial e agrícola. Todos trabalham no limite e, quando há um evento climático extremo como a estiagem que afetou São Paulo no último verão, o abastecimento entra em crise”, avaliou.

Embora em escala global seja estimado um aumento de 10% no volume de chuvas com o aquecimento global, resultante principalmente da maior evaporação do oceano, determinadas regiões poderão sofrer com estiagem.

“A redistribuição de calor no oceano pode formar piscinas quentes e frias – o que distorce o regime de chuvas no continente. Pode passar a chover mais em certas regiões e menos em outras”, afirmou Rocha.

De acordo com o pesquisador, o veranico (altas temperaturas e escassez de chuvas) que afetou São Paulo no início de 2014 foi causado pela formação de uma piscina de água quente na região tropical do Atlântico. 

“Por algum motivo, as frentes frias que costumam esfriar a água do oceano não chegaram. A piscina foi se aquecendo cada vez mais e bloqueando a entrada de novas frentes frias. 

A temperatura do oceano é um fator de grande impacto no regime de chuvas do continente”, disse.

Fonte: http://agencia.fapesp.br/19181

terça-feira, 10 de junho de 2014

A "nossa" água: um poder que não temos - LindebergueVentura


Quão de verdade há em saber que não podemos ter o que achamos que é nosso. É assim que defino a inconsciência de alguns humanos. Achar que pode, ou pior, achar que é dono da água (rios, mares e lagos), é, no mínimo, inconsequente, imoral e ilusório. Ela (a água) não depende de nós. Somos nós que dependemos dela. Na mesma proporção também vale dizer: não somos donos dela, pelo contrário, nascemos dela.

Hoje é possível acompanhar em parte do mundo os conflitos pela água, em especial a água doce; a escassez deste precioso líquido coloca a prova à fraquíssima estabilidade econômica mundial. As disputas estão pelo armazenamento para o domínio e utilização, ao seu bel prazer, dos recursos hídricos. Assim se observa no Oriente Médio cuja maior parte da água dessa região provém de bacias hidrográficas compartilhadas do Nilo, do Jordão e do Tigre-Eufrates (fig1). 

Três países utilizam-se destes rios, a Etiópia o Sudão e o Egito. São justamente entre estes povos que as ameaças já se fazem presentes. Por exemplo, “o Egito é o último país ao longo da extensão do rio. Para atender às necessidades de água de uma população que cresce com rapidez, a Etiópia planeja desviar mais água do Nilo, assim como o Sudão. Esses desvios feitos rio acima poderiam reduzir a quantidade de água disponível ao Egito, que não pode sobreviver sem esse recurso hídrico” (MILLER JR 2007).

Analistas afirmam que a escassez deste recurso está intimamente ligada as problemáticas ambientais (perda da biodiversidade e mudanças climáticas). Isso tem gerado inúmeras crises locais e mundiais em termo do manuseio inconsequente da água.

Todavia, não pense que o problema está somente lá, no Oriente Médio, aqui bem perto já é possível sentir os desajustes no tratamento que se dar a este líquido. Sabe-se o quanto se utiliza da água para sobrevivência. Grandes quantidades de água são necessárias para fornecer alimento, abrigo e atender a outras necessidades e desejos (fig.2).

Pode-se também aludir a importância da água para o controle da temperatura em todo o planeta assim como diluir e remover poluentes. Sem estas qualidades a vida humana aqui na terra seria improvável. 


Se é tão importante por que não dar a água o seu lugar de direito? É salutar lembrar que a cultura, a maneira como seguimos nossa tradição cultural, influencia a forma de relacionamento com o meio natural. Como relata Peter Singer em seu livro “Ética prática”:

As atitudes ocidentais ante a natureza são uma mistura daquelas defendidas pelos hebreus, como encontramos nos primeiros livros da Bíblia, e pela filosofia da Grécia antiga, principalmente a de Aristóteles. Ao contrário de outras tradições da Antiguidade, como, por exemplo, a da Índia, as tradições hebraicas e gregas fizeram do homem o centro do universo moral; na verdade, não apenas o centro, mas, quase sempre, a totalidade das características moralmente significativas deste mundo (SINGER, 2006. p.280-281).

Como se pode perceber, e em destaque a cultura ocidental, estamos dando prioridade à raça humana, colocando nossos desejos e vontades acima de qualquer coisa. Com isso, as atrocidades que causamos ao meio ambiente, em especial as águas do planeta, leva toda a raça humana e os outros seres a grandes perigos. 

Uma analogia que podemos apresentar aqui diz respeito à quantidade que teríamos de água no planeta e a quantidade que realmente podemos utilizar de água doce para nossa sobrevivência. Então, se a reserva de água do mundo tivesse apenas cem litros, nossa reserva utilizável de água doce seria de apenas 0,0014 litros ou 2,5 colheres de chá. Lembre-se, a água doce que dispomos para nosso uso, parte dela, não está tão acessível. Veja figura abaixo.


Tal informação se tornaria ainda mais angustiante se lembrarmos de que em nossa sociedade, na nossa maneira de viver, não percebemos (ou não queremos perceber) o quanto estamos desperdiçando essa pequena quantidade de água com nosso modo de vida. Pois,

"são necessários 400 mil litros de água para fabricar um automóvel, 9 mil litros para produzir um quilo de alumínio e 7 mil litros para produzir um quilo de carne de boi alimentado por grãos. Você economiza mais água não comendo meio quilo de carne do que se não tomasse banho por seis meses" (MILLER, 2007).

Também, podemos aqui destacar a maneira irresponsável da cultura agrícola ante ao consumo de água. Seja através da irrigação (ineficiência no processo de irrigação, vazamentos; desvio irregular – sem estudos de caso - de fontes de água para plantios), seja através da poluição de rios, lagos (superficiais ou subterrâneos) e mar pelo uso dos agrotóxicos, derramamento de petróleo no mar, óleos residuais (de frituras, de oficinas mecânicas), descartes de tintas, vernizes, medicamentos etc. 

Há ainda as constantes retiradas de água dos mananciais subterrâneos para a utilização na irrigação e para uso domésticos e/ou industriais, nos quais podem causar a sua escassez se a retirada for mais rápida do que a reposição natural através das chuvas. 

O descontrole na utilização dos recursos hídricos tem provocado diversos problemas ambientais graves e irreversíveis como o Mar de Aral (fig.3), que foi o quarto maior lago de água doce do mundo. O desvio de água deste lago, assim como o desvio das águas dos rios que alimenta este lago, para prover, em grande parte a irrigação, tem afetado drasticamente a sua existência e provocado desastre econômico e de saúde.

A ausência cada vez maior das águas do lago, que também é afeta pela evaporação, visto que a região é quente e seco e o aumento da salinidade determinam a falência e a inexistência cada vez maior de peixe. Cerca de 85% das áreas úmidas da região foram eliminadas e grande parte das aves e de mamíferos dessa região desapareceram. O pó (salgado) do mar de Aral, que ficam expostos no leito seco do rio, se espalha por grandes extensões arrastados pelo vento a uma distância de mais de 300 quilômetros e são depositados em áreas de plantio e geleiras, como o Himalaia, provocando a morte das plantações e o desgelo acelerado. É salutar destacar que a diminuição brusca das águas do Aral tem provocado mudanças climáticas nas regiões entorno do lago.
Fig.3 – Mar de Aral, em 1989 e 2008
Não precisamos ir tão longe para presenciar os males causados pelo homem a si próprio. Basta olhar no dia-a-dia, 65% a 70% da água utilizada pelas pessoas no mundo é perdida por evaporação, vazamentos, banho demorados, lavagem de calçadas, carros, moto, bicicleta, e muitos outros. Nas indústrias o consumo de água atinge níveis alarmantes. 

Diante destas problemáticas você poderia perguntar: E a água do mar não poderia ser usada para consumo? Pode sim. Entretanto, os custos são extremamente elevados para dessalinizar a água do mar e, além do mais, tais processos geram grandes quantidades de água residual salgada, na qual, passa a ser um problema ambiental, já que não seria viável retornar essa água (a salmoura) para o mar próximo de uma região, pois poderá alterar a salinidade do mesmo.

Há muito o homem deixou de respeitar o meio ambiente. Convém lembrar que não é a natureza que necessita de nós, somos nós que necessitamos dela. Por mais que façamos algo contra a natureza, não temos poder suficiente para destruí-la. O que provocamos, na verdade dos fatos, é a nossa extinção. O desarranjo provocado por nossas atitudes sobre o meio ambiente conduz a um reequilíbrio da natureza de modo a desfazer (ou adaptar) os efeitos da causa. Nestas estratégias da natureza, a capacidade de se reequilibrar, a mesma poderá não colocar em suas novas transformações a presença humana.

O que podemos fazer? 

Há diferentes maneiras de economizar. Não são necessárias grandes mobilidades energéticas para mudar nossos hábitos. Bastam simples atitudes como essas dicas extraídas de um blog (site abaixo).

No banheiro: 

Reduza o tempo de banho e economize pelo menos seis litros por minuto; 

Encha a banheira só até a metade;


Feche a torneira enquanto faz a barba ou escova os dentes. Você economizará de 10 a 20 litros por minuto; 

 Instale descargas de vaso sanitário de baixo consumo e aeradores nas torneiras (redinhas que se encaixam no bocal). Se a caixa-d'água for acoplada ao vaso, coloque dentro dela uma garrafa plástica cheia d'água e tampada, para diminuir o volume gasto;


 Não jogue lixo no vaso; 

Não dispare a descarga desnecessariamente;

Não use a mangueira como vassoura - primeiro limpe o local e depois lave.
Na cozinha e na lavanderia:
Feche a torneira enquanto ensaboa a louça. Ela desperdiça de 10 a 20 litros por minutos, enquanto uma cuba cheia d'água não gasta mais do que 38 litros, no total; 
Compre modelos de máquinas de lavar roupas e louça que consomem pouca água. Só ligue os equipamentos quando estiverem cheios. Prefira usar o ciclo mais curto; 
Instale aeradores nas torneiras, que diminuem o volume consumido, porém não sua eficácia.
No lazer: 
Lave o carro ou o quintal com balde, não com mangueira. Se quiser, use dois baldes, um com água e sabão, outro com água limpa.
Por toda a parte:
Feche bem as torneiras. Uma torneira que goteja lentamente perde cerca de 50 litros por dia. 
Chame um encanador para que ele elimine todos os vazamentos da casa.
Fonte original: http://lindebergventura.blogspot.com.br/2013/01/a-nossa-agua-um-poder-que-nao-temos.html
Para saber mais:
MILLER G Tyller. Ciência ambiental. 11ªed, São Paulo: Thomson Learning, 2007.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Mudanças climáticas já causam queda da produtividade agrícola no mundo - Por Elton Alisson (Agência FAPESP)

As mudanças climáticas têm causado alterações nas fases de reprodução e de desenvolvimento de diferentes culturas agrícolas, entre elas milho, trigo e café. E os impactos dessas alterações já se refletem na queda da produtividade no setor agrícola em países como Brasil e Estados Unidos.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do Workshop on Impacts of Global Climate Change on Agriculture and Livestock , realizado no dia 27 de maio, no auditório da FAPESP.
Promovido pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, o objetivo do evento foi reunir pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos para compartilhar conhecimentos e experiências em pesquisas sobre o impactos das mudanças climáticas globais na agricultura e na pecuária.
“Sabemos há muito tempo que as mudanças climáticas terão impactos nas culturas agrícolas de forma direta e indireta”, disse Jerry Hatfield, diretor do Laboratório Nacional de Agricultura e Meio Ambiente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). “A questão é saber quais serão o impacto e a magnitude dessas mudanças nos diferentes países produtores agrícolas”, disse o pesquisador em sua palestra no evento.
De acordo com Hatfield, um dos principais impactos observados nos Estados Unidos é a queda na produtividade de culturas como o milho e o trigo. O país é o primeiro e o terceiro maior produtor mundial desses grãos, respectivamente. “A produção de trigo [nos Estados Unidos] não atinge mais grandes aumentos de safra como os obtidos entre as décadas de 1960 e 1980”, afirmou.
Uma das razões para a queda de produtividade dessa e de outras culturas agrícolas no mundo, na avaliação do pesquisador, é o aumento da temperatura durante a fase de crescimento e de polinização.
As plantas de trigo, soja, milho, arroz, algodão e tomate têm diferentes faixas de temperatura ideal para os períodos vegetativo – de germinação da semente até o crescimento da planta – e reprodutivo – iniciado a partir da floração e formação de sementes.
O milho, por exemplo, não tolera altas temperaturas na fase reprodutiva. Já a soja é mais tolerante a temperaturas elevadas nesse estágio, comparou Hatfield.
O que se observa em diferentes países, contudo, é um aumento da frequência de dias mais quentes, com temperatura até 5 ºC mais altas do que a média registrada em anos anteriores, justamente na fase de crescimento e de polinização.
“Observamos diversos casos de fracasso na polinização de arroz, trigo e milho em razão do aumento da temperatura nessa fase. E, se o aumento de temperatura ocorrer com déficit hídrico, o impacto pode ser exacerbado”, avaliou.
Segundo Hatfield, a temperatura noturna mínima tem aumentado mais do que a temperatura máxima à noite. A mudança causa impacto na respiração de plantas à noite e reduz sua capacidade de fotossíntese durante o dia, apontou.
Pesquisas com milho
Em um estudo realizado no laboratório de Hatfield no USDA em um rizontron – equipamento para a análise de raízes de plantas no meio de cultivo –, pesquisadores mantiveram três diferentes variedades de milho em uma câmara 4 ºC mais quente do que outra com temperatura normal, para avaliar o impacto do aumento da temperatura nas fases vegetativa e reprodutiva da planta.
“Constatamos que a fisiologia da planta é muito afetada por aumento de temperatura principalmente na fase reprodutiva”, contou o pesquisador.
Em outro experimento, os pesquisadores mantiveram uma variedade de milho cultivada nos Estados Unidos em uma câmara com temperatura 3 ºC acima da que a planta tolera na fase de crescimento, em que é determinado o tamanho da espiga.
O aumento causou uma redução de 15 dias no período de preenchimento dos grãos de milho e interrupção na capacidade da planta de completar esse processo, o que se refletiu em queda de produtividade.
“Observamos que, se as plantas forem expostas a uma temperatura noturna relativamente alta no período de preenchimento dos grãos, essa fase de desenvolvimento é interrompida”, afirmou Hatfield.
“O problema não é a temperatura média a que a planta pode ficar exposta na fase reprodutiva, mas a temperatura mínima. Precisamos entender melhor essa interação das culturas agrícolas com o ambiente e o clima para aumentar a resiliência delas à elevação da temperatura e à frequência de eventos climáticos extremos”, avaliou.
 
Impactos no Brasil
No Brasil, as mudanças climáticas já modificam a geografia da produção agrícola, afirmou Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O ano passado foi o mais seco desde 1988 – quando o Cepagri iniciou suas medições climáticas. Registrou-se uma média de 1.186 milímetros de chuva contra 1.425 milímetros observados nos anos anteriores. O mês mais crítico do ano foi dezembro, quando choveu 83 milímetros. A média para o mês é 207 milímetros, comparou Silveira Pinto.
“O final de ano muito seco atrapalhou bastante a agricultura em São Paulo, porque a época de plantio dos agricultores daqui é justamente no período entre outubro e novembro”, disse Silveira Pinto durante sua palestra.
“O plantio de algumas culturas deverá ser atrasado, porque há uma variabilidade bastante sensível no regime pluviométrico das áreas em que determinadas culturas podem ser plantadas”, afirmou.
Segundo o pesquisador, a partir dos anos 2000 não foi registrada mais geada em praticamente nenhuma região de São Paulo, evidenciando um aumento da temperatura no estado.
Um reflexo dessa mudança é a migração da produção do café em São Paulo e Minas Gerais para regiões mais elevadas, com temperaturas mais propícias para o florescimento da planta. A cada 100 metros de altitude, a temperatura diminui cerca de 0,6 ºC, segundo Silveira Pinto.
Durante o período de florescimento do café, quando os botões florais tornam-se grãos de café, a planta não pode ser submetida a temperaturas acima de 32 ºC. Apenas uma tarde com essa temperatura nesse período é suficiente para que a flor seja abortada e não forme o grão.
“O registro de temperaturas acima de 32 ºC tem ocorrido com mais frequência na região cafeeira de São Paulo. Com o aquecimento global, deverá aumentar entre 5 e 10 vezes a incidência de tardes quentes no florescimento da planta”, disse Silveira Pinto. “Isso pode fazer com que não seja mais viável produzir café nas partes mais baixas de São Paulo nas próximas décadas.”
“A produção do café no Brasil deve migrar para a Região Sul”, afirmou. “O café brasileiro deverá ser produzido nos próximos anos em estados como Paraná e Santa Catarina.” 


Fonte: http://agencia.fapesp.br/19199