As mudanças climáticas têm causado alterações nas fases de reprodução e
de desenvolvimento de diferentes culturas agrícolas, entre elas milho, trigo e
café. E os impactos dessas alterações já se refletem na queda da produtividade
no setor agrícola em países como Brasil e Estados Unidos.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do Workshop on Impacts of Global Climate Change on
Agriculture and Livestock , realizado no dia 27 de maio, no
auditório da FAPESP.
Promovido pelo Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, o objetivo do evento
foi reunir pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos para compartilhar
conhecimentos e experiências em pesquisas sobre o impactos das mudanças
climáticas globais na agricultura e na pecuária.
“Sabemos há muito tempo que as mudanças climáticas terão impactos nas
culturas agrícolas de forma direta e indireta”, disse Jerry Hatfield, diretor
do Laboratório Nacional de Agricultura e Meio Ambiente do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). “A questão é saber
quais serão o impacto e a magnitude dessas mudanças nos diferentes países
produtores agrícolas”, disse o pesquisador em sua palestra no
evento.
De acordo com Hatfield, um dos principais impactos observados nos
Estados Unidos é a queda na produtividade de culturas como o milho e o trigo. O
país é o primeiro e o terceiro maior produtor mundial desses grãos,
respectivamente. “A produção de trigo [nos Estados Unidos] não atinge
mais grandes aumentos de safra como os obtidos entre as décadas de 1960 e
1980”, afirmou.
Uma das razões para a queda de produtividade dessa e de outras culturas
agrícolas no mundo, na avaliação do pesquisador, é o aumento da temperatura
durante a fase de crescimento e de polinização.
As plantas de trigo, soja, milho, arroz, algodão e tomate têm diferentes
faixas de temperatura ideal para os períodos vegetativo – de germinação da
semente até o crescimento da planta – e reprodutivo – iniciado a partir da
floração e formação de sementes.
O milho, por exemplo, não tolera altas temperaturas na fase reprodutiva.
Já a soja é mais tolerante a temperaturas elevadas nesse estágio, comparou
Hatfield.
O que se observa em diferentes países, contudo, é um aumento da
frequência de dias mais quentes, com temperatura até 5 ºC mais altas do que a
média registrada em anos anteriores, justamente na fase de crescimento e de
polinização.
“Observamos diversos casos de fracasso na polinização de arroz, trigo e
milho em razão do aumento da temperatura nessa fase. E, se o aumento de
temperatura ocorrer com déficit hídrico, o impacto pode ser exacerbado”,
avaliou.
Segundo Hatfield, a temperatura noturna mínima tem aumentado mais do que
a temperatura máxima à noite. A mudança causa impacto na respiração de plantas
à noite e reduz sua capacidade de fotossíntese durante o dia, apontou.
Pesquisas com milho
Em um estudo realizado no laboratório de Hatfield no USDA em um
rizontron – equipamento para a análise de raízes de plantas no meio de cultivo
–, pesquisadores mantiveram três diferentes variedades de milho em uma câmara 4
ºC mais quente do que outra com temperatura normal, para avaliar o impacto do
aumento da temperatura nas fases vegetativa e reprodutiva da planta.
“Constatamos que a fisiologia da planta é muito afetada por aumento de
temperatura principalmente na fase reprodutiva”, contou o pesquisador.
Em outro experimento, os pesquisadores mantiveram uma variedade de milho
cultivada nos Estados Unidos em uma câmara com temperatura 3 ºC acima da que a
planta tolera na fase de crescimento, em que é determinado o tamanho da espiga.
O aumento causou uma redução de 15 dias no período de preenchimento dos
grãos de milho e interrupção na capacidade da planta de completar esse processo,
o que se refletiu em queda de produtividade.
“Observamos que, se as plantas forem expostas a uma temperatura noturna
relativamente alta no período de preenchimento dos grãos, essa fase de
desenvolvimento é interrompida”, afirmou Hatfield.
“O problema não é a temperatura média a que a planta pode ficar exposta
na fase reprodutiva, mas a temperatura mínima. Precisamos entender melhor essa
interação das culturas agrícolas com o ambiente e o clima para aumentar a
resiliência delas à elevação da temperatura e à frequência de eventos
climáticos extremos”, avaliou.
Impactos no Brasil
No Brasil, as mudanças climáticas já modificam a geografia da produção
agrícola, afirmou Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas
Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).
O ano passado foi o mais seco desde 1988 – quando o Cepagri iniciou suas
medições climáticas. Registrou-se uma média de 1.186 milímetros de chuva contra
1.425 milímetros observados nos anos anteriores. O mês mais crítico do ano foi
dezembro, quando choveu 83 milímetros. A média para o mês é 207 milímetros,
comparou Silveira Pinto.
“O final de ano muito seco atrapalhou bastante a agricultura em São
Paulo, porque a época de plantio dos agricultores daqui é justamente no período
entre outubro e novembro”, disse Silveira Pinto durante sua palestra.
“O plantio de algumas culturas deverá ser atrasado, porque há uma
variabilidade bastante sensível no regime pluviométrico das áreas em que
determinadas culturas podem ser plantadas”, afirmou.
Segundo o pesquisador, a partir dos anos 2000 não foi registrada mais
geada em praticamente nenhuma região de São Paulo, evidenciando um aumento da
temperatura no estado.
Um reflexo dessa mudança é a migração da produção do café em São Paulo e
Minas Gerais para regiões mais elevadas, com temperaturas mais propícias para o
florescimento da planta. A cada 100 metros de altitude, a temperatura diminui
cerca de 0,6 ºC, segundo Silveira Pinto.
Durante o período de florescimento do café, quando os botões florais
tornam-se grãos de café, a planta não pode ser submetida a temperaturas acima
de 32 ºC. Apenas uma tarde com essa temperatura nesse período é suficiente para
que a flor seja abortada e não forme o grão.
“O registro de temperaturas acima de 32 ºC tem ocorrido com mais
frequência na região cafeeira de São Paulo. Com o aquecimento global, deverá
aumentar entre 5 e 10 vezes a incidência de tardes quentes no florescimento da
planta”, disse Silveira Pinto. “Isso pode fazer com que não seja mais viável
produzir café nas partes mais baixas de São Paulo nas próximas décadas.”
“A produção do café no Brasil deve migrar para a Região Sul”, afirmou.
“O café brasileiro deverá ser produzido nos próximos anos em estados como
Paraná e Santa Catarina.”
Fonte: http://agencia.fapesp.br/19199
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