quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Um ensinamento escrito, sobre o zazen, meditação zen, por Monja Coen.

Zazen literalmente significa Sentar Zen. Zen é uma palavra que vem do Sânscrito Dhyana ou Jhana e significa um estado meditativo profundo. Geralmente não chamamos o Zazen de meditação, pois o verbo meditar é transitivo direto, ou seja, requer um objeto. Meditar sobre a vida, meditar algo. Enquanto que o Zen é intransitivo. Não há objeto de meditação. Até o sujeito desaparece. E quando isso acontece o Caminho se manifesta em sua plenitude.

Procure um local tranquilo, nem muito claro nem muito escuro, não muito quente nem muito frio.
Há várias maneiras de sentar-se: posição das bermudas, meia lótus, lótus completa, banquinho, cadeira. Em qualquer uma delas é importante que a coluna vertebral seja mantida ereta. O queixo um pouco para baixo, de forma que a região cervical fica reta. Verifique se seu corpo está centrado, movendo da esquerda para a direita, como um pêndulo – de movimentos largos a movimentos menores e pare exatamente em seu próprio centro de equilíbrio.
Perceba se as orelhas ficam em linha com os ombros e o nariz em linha com o umbigo. Esvazie os pulmões, soltando todo o ar profundamente pela boca, umas três vezes. Relaxe qualquer parte do corpo onde sinta tensão. Em seguida coloque as mãos no mudra cósmico (mão direita embaixo, com a palma voltada para cima e a costa dos dedos da mão esquerda repousando na palma dos dedos da direita, mantendo a mão esquerda com a palma para cima. Encoste levemente os dois polegares, como se houvesse uma finíssima folha de seda entre eles). Perceba que suas mãos estarão formando uma elipse, assim como os planetas em torno do Sol – o Cosmos em suas mãos.


Em seguida coloque a ponta da língua no palato superior, tocando de leve atrás dos dentes frontais. Isto cria um canal de comunicação de energia ao mesmo tempo que evita muita salivação.


Mantenha os olhos entreabertos, pousados cerca de um metro e meio de distância num ângulo de 45 graus.
Assim, sem pensar e sem não-pensar, sente-se calmamente por alguns minutos. Alguns ficam em zazen por 40 minutos, outros por 30 ou mesmo 20 minutos. De qualquer maneira adapte à sua realidade. Para quem nunca praticou nenhuma forma de meditação mesmo cinco minutos pode ser um bom tempo. Não tenha pressa em querer sentar por longos períodos.
Tendo assim assentado corpo e mente perceba sua respiração. Sinta se está sendo abdominal (ao inalar o abdômen se expande ao exalar se contrai) ou toráxica (a caixa toráxica se expande e se contrai). Perceba seus batimentos cardíacos. Ouça todos os sons, próximos e distantes. Sinta as fragrâncias da sala, do local (pode ser ao ar livre). Perceba o ar, sua textura, sua temperatura. A luz e a sombra que se formam onde seus olhos estão pousados são também percebidas. Verifique sua postura, a posição das mãos, da coluna, da língua e oxigene áreas de tensão. Perceba seus pensamentos. Como se formam, como desparecem. Veja se pensa em formas, palavras, música, cores, imagens. Qualquer emoção que surja deve ser notada. Assim como seu término. O mesmo para memórias. Entretanto não fique pensando apenas, nem apenas percebendo, pois isto ainda está no plano da dualidade. Torne-se um com o uno sendo a respiração, a postura correta e a vida do universo em constante fluir.
Um momento de Zazen é um momento de Buda. 
Entre tarefas, em momentos de stress no trabalho, nos estudos, entre amigos e desafetos, em casa, no trânsito, lembre-se apenas de endireitar a coluna e respirar conscientemente. Perceba suas emoções e batimentos cardíacos. Relaxe, sorria. Tudo é passageiro. Aprenda a estar presente no instante e a agir da maneira correta a transformar o que náo for de seu agrado. Lembre-se: apenas reagir não transforma. 
Assim, use o Zazen para o seu bem e de todos os seres. Pois afinal, se se entregar ao Zazen de corpo e mente verificará que é o Zazen que faz zazen… Zazen zazen zazen.


Fonte: http://budismopetropolis.wordpress.com/2014/09/22/meditacao-zen-zazen/

terça-feira, 21 de julho de 2015

Sobre fé e devoção no budismo – Jetsunma Tenzin Palmo










"No budismo, a fé é uma segurança interna em algo que é digno de nossa confiança. Por exemplo, podemos ter fé no Darma, mas isso não significa que temos que engolir cegamente tudo o que lemos. Não precisamos acreditar em algo só porque está escrito nos livros sagrados ou porque foi dito por um lama. No Buddha-dharma, esse tipo de fé ingênua, inquestionável e crédula não é necessariamente considerada uma virtude. A qualidade de questionarmos de forma inteligente, de realmente investigarmos e de vermos por nós mesmos se algo é digno de nossa fé ou não é muito incentivada." – Jetsunma Tenzin Palmo


Pelo fato de eu ser, por natureza, muito cética, não tenho certeza de ser a pessoa certa para falar sobre fé e devoção. Mas vamos fazer o nosso melhor para investigar essas questões. De fato, o próprio Senhor Buda colocou a fé na linha de frente dos cinco poderes necessários para se atingir o estado de buda. Ele descreveu a fé como um salto para a frente. Sob essa ótica, usou a analogia de um rio sobre o qual não há nenhuma ponte. Pessoas que estavam em um lado desse rio queriam atravessar para o outro lado, mas se continham. “Não, o rio é muito largo”, diziam. “É muito profundo, corre muito rápido – não vamos conseguir.” Hesitavam. Mas um homem que tinha mais coragem, disse: “Vamos conseguir. Eu acredito que é possível atravessar.” E ele então cruzou o rio com esse sentimento de determinação e fé. E porque atravessou, outros foram incentivados a atravessar também. Em outras palavras, a fé é uma expressão de confiança. Não é uma espécie de cegueira ou a crença em algo por ingenuidade.

No budismo, a fé é uma segurança interna em algo que é digno de nossa confiança. Por exemplo, podemos ter fé no Darma, mas isso não significa que temos que engolir cegamente tudo o que lemos. Não precisamos acreditar em algo só porque está escrito nos livros sagrados ou porque foi dito por um lama. No Buddha-dharma, esse tipo de fé ingênua, inquestionável e crédula não é necessariamente considerada uma virtude. A qualidade de questionarmos de forma inteligente, de realmente investigarmos e de vermos por nós mesmos se algo é digno de nossa fé ou não é muito incentivada.

E não somos encorajados a questionar apenas o Darma, mas também toda a atitude em relação aos mestres. Algumas vezes, eu procurava meu lama, Khamtrul Rinpoche, e mostrava a ele uma passagem que eu simplesmente não conseguia engolir. Ele ria e me dizia: “Ah, vamos lá! Você não tem que acreditar em tudo o que está escrito nos livros ou dito nos sutras – pode não ser verdade.” Certa vez disse que muito do que estava escrito nos livros e nos sutras era resultado de acréscimos culturais particulares e superstições da época, e o Buda não podia se ocupar de negar porque não eram pontos muito importantes. Por exemplo, alguns ocidentais se debatem desesperamente com toda a descrição do Monte Sumero e dos quatro continentes, tentando sustentar a fé completa e inquestionável nos ensinamentos de seus lamas.

Certa vez dei uma palestra sobre o sol, a terra e a lua para nossos monges mais jovens. Segurei uma maça e uma laranja a fim de explicar que a Lua gira em torno da Terra, que ambas giram em torno do sol, e assim por diante. Um velho monge que estava no fundo da sala disse: “Onde estão o Monte Sumero e os quatro continentes? A Terra é plana e fica nas costas de uma tartaruga.” Eu disse, “Bem, até onde podemos ver, o Monte Sumero e os quatro continentes não existem. E a Terra não é plana, é redonda.” O velho monge apenas balançou a cabeça e disse algo como: “Ah, sei.” Se estivéssemos na Europa medieval, eu teria sido, no mínimo, queimada na fogueira. Mas em um mundo de aparências ilusórias, plana ou redonda – quem se importa? Não temos que engolir tudo o que é dito. Ser crédulo, na verdade, não é uma virtude. Temos que aplicar nossa inteligência a tudo.

No Buddha-dharma há três aspectos. Primeiro, ouvimos ou estudamos o Darma. Ouvimos, lemos e depois pensamos a respeito. Realmente refletimos sobre o que lemos ou ouvimos; estudamos com cuidado. E, se houver alguma dúvida, fazemos perguntas. Quando as nossas dúvidas estiverem resolvidas, vamos embora e contemplamos o assunto até que nos tornemos aquele ensinamento. Não devemos dar uma dentada, arrancar e devorar um pedaço grande de Darma para depois ficarmos com a sensação de ter uma bola pesada em nosso estômago. Realmente precisamos mastigá-lo bem, até que possamos engoli-lo e sermos nutridos por ele.

Uma das coisas bonitas sobre o Buddha-dharma é a sua verdade essencial. Assim que o ouvimos, pensamos: “Ah, sim, é verdade!” Nós reconhecemos a verdade de questões como a impermanência, a natureza insatisfatória da existência de forma geral e o fato de que nosso apego ao ego dá origem aos nossos problemas. O fato é que essas qualidades negativas da nossa mente, como a delusão, a ganância e o apego, a agressividade e a raiva, o orgulho, o ciúme e a inveja afligem a mente e criam uma grande dor. Isso não é uma crença. Não é uma questão de fé. É apenas uma questão de olhar para a situação e pensar: “Sim, é isso mesmo!” Quando nossa mente está infeliz, se de fato olhamos para ela, vemos que o problema são sempre essas emoções muito venenosas. Nossa depressão é causada principalmente pela agressão interior. Mesmo que a agressão esteja voltada para nós mesmos, como muitas vezes está, ela costuma se basear nessa raiz de ódio.

Quando estudamos os fundamentos do Buddha-dharma, há algo dentro de nós que logo compreende: “Sim, é assim mesmo.” Pode ser que isso se desdobre em um senso de confiança, porque pensamos: “Se esses ensinamentos básicos são tão claros e tão verdadeiros, então talvez haja ensinamentos mais avançados que minha mente deludida ainda não é capaz de compreender por completo neste momento.” E então, se não entendermos alguma coisa, em vez de dizermos “Não, tudo isso está errado porque eu não entendo e não combina com as minhas concepções”, podemos dizer: “Neste momento não compreendo. Isto não está de acordo com a forma como eu vejo as coisas. Por enquanto, vou colocar este assunto de lado e depois, quando tiver estudado, praticado e experimentado um pouco mais, vou retomar e olhar outra vez.”

Portanto, não somos hereges se não temos fé cega e uma crença em dogmas. Não é assim. A cada passo do caminho, temos que saber onde estamos colocando os pés. Temos que entender os significados. Temos que questionar. Temos que, de fato, investigar e usar a nossa inteligência.

Na forma tradicional de estudar filosofia no Tibete, cada parte de um determinado texto é debatida. Você já deve ter visto aquelas cenas de pessoas de pé, engajadas nesses debates bastante ritualizados. Elas tomam cada seção e a dissecam, questionando o adversário, tentando desarmá-lo. Cada um tem que defender sua posição com citações dos sutras e dos mestres da tradição budista. E não só isso – devem envolver um ao outro por meio da lógica e da clara exposição de um determinado ponto. Em outras palavras, realmente temos que compreender o que acreditamos e o que não acreditamos, e a razão de acreditarmos ou não. Isso é muito importante. Deveríamos de fato investigar a veracidade de tudo o que levamos. E deveríamos também investigar a verdade de nossas vidas.

Podemos procurar exemplos disso. Se não acreditamos em algo, por que não acreditamos? Podemos discutir com alguém que estudou mais e é mais realizado do que nós e ver se pode nos explicar mais claramente. Se a pessoa não consegue esclarecer o assunto para nós, então o colocamos de lado por ora. Depois, de tempos em tempos, trazemos o tema de volta e examinamos mais profundamente, talvez possamos então dizer “Bem, agora faz mais sentido. Por que não havia ficado claro antes?” Desta forma, no budismo, a fé não é uma fé cega. Isso não é incentivado. O que é incentivado é o tipo de confiança que resulta de saber que os mestres iluminados são realmente iluminados, que de fato compreendem a natureza da realidade e que podem fazer com que a coisa toda fique muito clara para nós. E o que temos a fazer é confiar que, quando estudarmos, analisarmos e investigarmos, tudo ficará muito claro.

À medida que praticamos e integramos o Darma em nossa vida cotidiana, de repente nos pegamos dizendo: “Sim, bem, foi isso que ele quis dizer quando falou tal coisa.” De súbito tudo ganha vida e se torna real. Passa da cabeça para o coração e se confirma. “Certo. Foi isso que ela quis dizer. Sim.”

A devoção é muito mais complicada. Visitando lugares em todo o mundo, tanto no Ocidente quanto no Oriente, uma das principais perguntas é: “Como faço para encontrar o mestre perfeito?” Tenho um amigo na Itália que está convencido de que em algum lugar existe um mestre perfeito esperando por ele e que em algum momento, de alguma forma, irá encontrá-lo. Esse mestre vai dizer a palavra certa ou apenas olhar em seus olhos e afirmar “É você”, ou algo assim, e então ele irá se iluminar! Se não for capaz de lhe conceder a iluminação instantânea, obviamente não é o mestre perfeito. E assim, meu amigo italiano não faz nada. Não pratica. Ele sente que praticar e tentar fazer qualquer esforço por si mesmo é contraproducente” Basta esperar até que o carma esteja correto e o mestre apareça, e pronto. Embora este seja um caso extremo, você ficaria surpreso com quantas pessoas acreditam nisso secretamente.

Muita gente tem essa fantasia de topar com um iogue ou lama sentado no topo de uma montanha, que erguerá os olhos e dirá: “Ah, estava à sua espera. Porque demorou tanto?” As pessoas pensam que, se conseguissem encontrar o mestre perfeito, o mais adequado para elas, todos os seus problemas seriam resolvidos. Às vezes eu digo para as pessoas: “Olha, quando você encontra o seu mestre, aí é que os problemas começam!” Na verdade, mesmo que o próprio Buda estivesse sentado diante de nós neste momento, o que poderia fazer com a nossa mente selvagem e descontrolada?

O budismo tibetano enfatiza muito o lama. Há especial ênfase no que é chamado de lama tsawai ou guru raiz. Devemos entender, em primeiro lugar, que os professores ou lamas de quem recebemos ordenações, iniciações, ensinamentos, ou com quem temos qualquer contato não são de modo algum nosso guru raiz.

Existem muitos níveis de mestres. Há mestres que nos conferem os preceitos. São os nossos preceptores. Existem lamas que nos concedem iniciações, esses são nossos mestres iniciáticos. Existem lamas que nos ensinam a filosofia e o lado intelectual do Darma, são os nossos professores. Há muitos tipos de lamas. Existem lamas que nos dão conselhos e ajuda, e são nossos amigos espirituais, nossos kalyanamitra. É bastante raro encontrar o lama que é nosso guru raiz ou do coração. Segundo a tradição, pelo menos nas escolas Kagyu e Nyingma, o guru raiz é o lama que nos aponta a verdadeira natureza da mente. Aquele que nos aponta a consciência nua essencial que está por trás do ir e vir conceitual dos pensamentos e que nos revela a nossa natureza de buda inata. Esse é o guru raiz.

Sou muito afortunada por ter encontrado o meu próprio lama, Khamtrul Rinpoche, quando tinha 21 anos de idade. Embora ele tenha falecido em 1980, com 48 anos de idade, renasceu rapidamente e está agora na casa dos vinte anos. É o chefe espiritual do mosteiro que fundamos. Em todos esses anos, sempre foi o meu lama e está sempre no meu coração. Dessa forma, pode-se dizer que eu tenho devoção. E nisso sou constante, mas é porque, para mim, Rinpoche é o que se chama de tserab gyi lama, que significa lama por todas as nossas vidas. Em cada vida, quando nos encontrarmos com o nosso professord e novo, há um reconhecimento imediato de ambos os lados. Isso é muito favorável, porque então não há necessidade de duvidar; há uma aceitação imediata. O importante é que precisamos de confiar no lama. Confiar que ele nos entende melhor do que nos entendemos. Como poderia nos guiar se não nos conhecesse e não nos enxergasse mais claramente do que nós mesmos?

Também é possível encontrarmos mestres com os quais não temos esse senso de aceitação e reconhecimento imediato, e gostarmos deles. Temos a sensação de que “é uma pessoa boa”. Às vezes conhecemos lamas e pensamos: “Não sei no que ele acredita, mas, seja o que for, estou com ele.” Há essa sensação de confiança estantânea.

Mas não sabemos, e aí é que fica complicado. Em nossa cultura somos muito levados pelo carisma. É uma cultura de adoração a estrelas de cinema, estrelas do rock e desportistas. Mesmo os nossos presidentes por vezes acabam sendo os que têm mais glamour, e podemos ficar presos a esse carisma como se fosse uma qualidade interior genuína. Às vezes os professores mais carismáticos não são os que têm a realização interior mais genuína. Alguns dos seres mais realizados parecem desprovidos de carisma, totalmente despretenciosos, e aparentemente comuns.

Sua Santidade o Dalai Lama diz que, de acordo com os textos tântricos, devemos examinar o lama por pelo menos três anos e no máximo 12 anos. Devemos examiná-lo, ou como Sua Santidade diz, devemos “espionar” o lama. Porque não se trata apenas de como ele se mostra quando está no trono, dando ensinamentos e iniciações, mas também de como é nos bastidores. Como trata seus assistentes; como trata as pessoas que não são de particular importância para ele? Não como trata seus grandes patrocinadores, mas como trata as pessoas comuns? Vejam; observem. Não se deixem enganar pelo glamour; não se impressionem com a reputação; não sejam seduzidos pelo fato de ele ter milhares de alunos e grandes organizações. Vejam; procurem saber. Perguntem não apenas aos seus discípulos, mas também a outras pessoas. Investiguem, porque depois de tomarmos um lama como nosso guru de coração, colocaremos nossa vida em suas mãos. E, como se costuma dizer, se ele não for um verdadeiro guru, mestre e discípulo saltarão para o abismo de mãos dadas.

Em uma conferência de mestres, um professor ocidental muito famoso perguntou a Sua Santidade o Dalai Lama: “Como lidamos com a questão de sentarmos em um assento elevado e darmos ensinamentos e depois agirmos como uma pessoa comum em nossa vida cotidiana? Como preenchemos essa lacuna entre a persona espiritual que oferecemos às pessoas e quem somos nos bastidores?” Sua Santidade pareceu confuso e disse: “O quê?”. O professor fez a pergunta de forma diferente, e Sua Santidade olhou para o tradutor, novamente perplexo, perguntando: “O quê?” O professor ocidental tentou de novo, reformulando a pergunta, e Sua Santidade então disse: “Se existe alguma diferença entre quem você é sentado em seu trono e quem é nos bastidores, então você não deve se sentar no trono.” Ele explicou que isso não significa que não possamos relaxar, mas, essencialmente, que deve haver uma continuidade. Se nos bastidores mudamos e nos tornamos uma pessoa diferente da que apresentamos como professores, então não devemos ser professores.

Temos de olhar nossos professores com cuidado. Eles são os mesmos, são compassivos em todas as circunstâncias? É muito importante. São sempre gentis, até mesmo com pessoas que não têm nenhuma importância? Eles ficam com raiva? Qual é a sua reputação? São éticos? Se o professor é do sexo masculino, como é sua relação com discípulos do sexo feminino? Há discípulos do sexo masculino? Aqueles que estudaram com esses professores por muitos anos são pessoas melhores? Como são as pessoas ao redor do professor? Conheci um lama bastante controverso que vivia nos Estados Unidos e era um bom amigo de meu lama, Khamtrul Rinpoche. Perguntei a Khamtrul Rinpoche sobre ele: “Bem, a essa altura é muito difícil saber. Temos que esperar vinte anos e depois olhar os alunos. Não dois anos, mas vinte anos. Dê-lhes tempo para amadurecer, e então olhe.”

Nesse interím, como eu disse, existem muitos níveis de professores. Somos gratos a todos, não apenas aos lamas, mas aa qualquer um que nos ensine alguma coisa. Ainda que deixem um pouco a desejar em alguns aspectos, lembramos e sentimos gratidão por aquilo que aprendemos com eles. Embora sejamos muito gratos a cada mestre de quem recebemos ensinamentos, a todos os professores de quem recebemos iniciações, e os tenhamos em nossa árvore de refúgio, eles ainda assim não precisam ser o nosso lama de coração.

Durante a infância de Sua Santidade o Dalai Lama, dois regentes do Tibete foram seus professores. Eram bastante especiais, mas com falhas em certos aspectos. Um deles tinha uma amante e filhos, embora devesse ser monge. Além disso, os regentes estavam tentando matar um ao outro, e um deles conseguiu. Isso é muito pesado. E eles eram professores do Dalai Lama. Todavia, Sua Santidade disse: “Eu sei que fizeram essas coisas, mas ainda os mantenho em minha árvore de refúgio, pois lembro de sua bondade para comigo. Lembro dos ensinamentos que me deram, e lembro de como me ajudaram. Mesmo assim, não fecho os olhos, nem tolero todas as coisas que fizeram de errado.” Mais uma vez, aqui não há fé cega. Se algo está errado, não temos que fechar os olhos ou tentar varrer as coisas para debaixo do tapete. Continuo citando Sua Santidade para que não pensem que sou a única a dizer isso!

Sua Santidade também disse que, se houver algum problema quanto ao professor, se os alunos tiverem dúvidas, devem expressá-las ao professor. Pode haver, por exemplo, má conduta sexual, ou algum tipo de manipulação, ou dúvidas sobre a situação financeira. Talvez o professor esteja fazendo mau uso das oferendas, sustentando sua família ou se sustentando. O aluno deve confrontar o professor educamente, mas com firmeza e dizer: “Olha, por que isso está acontecendo? Não entendo por que você está fazendo isso. Talvez não seja assim que as coisas devam ser feitas.” E então a resposta cabe ao professor. Ou o professor diz: “Sim, sinto muito, isso é uma fraqueza minha. Peço desculpas. Vou tentar melhorar as coisas a partir de agora.” Ou diz: “Ah, não, esta é uma prática tântrica elevada, você não entende. Está além de seu nível de realização.” Nesse caso, Sua Santidade diz “vá embora.” Sua Santidade também diz, embora eu não tenha certeza de concordar com isso: “Faça com que todos saibam; não mantenha em segredo.”

Os tibetanos, como a maioria dos asiáticos, tendem a varrer as coisas para debaixo do tapete e depois trocar o tapete, como se a sujeira não estivesse mais lá. Como se tudo o que tivéssemos a fazer fosse fechar os olhos e a boca com relação aos problemas e ir embora. Talvez essa seja uma dificuldade das organizações religiosas em todos os lugares, não apenas na Ásia. Sua Santidade é muito incomum por ser tão sincero, mas ele se preocupa muito com o risco que a reputação do budismo esteja correndo por causa da conduta de alguns lamas. Sua Santidade também se preocupa porque muitas vezes não fica sabendo das coisas. As pessoas não gostam de contar para ele. Às vezes, quando visita centros de meditação, ele aparece sorrindo com esses lamas porque não sabe que são controversos. Ninguém conta para ele.

Participei de uma conferência em que ele disse: “Olha, se vocês souberem de alguma coisa sobre qualquer lama que não esteja correta, por favor me digam. Digam-me agora. Ou, se não quiserem se levantar e falar sobre isso, mandem uma carta. Prometo que o assunto ficará apenas entre o meu secretário e eu, vamos tratar disso, mas eu preciso saber.” Ele falou isso porque há abusos; tem gente que encobre e finge que tudo faz parte das práticas tântricas.

Uma vez perguntei a meu lama, Khamtrul Rinpoche: “Visto que o yoga sexual é o caminho rápido, por que vocês são todos monges?”. Ele respondeu: “Sim, é verdade, é uma maneira rápida e especial, mas você tem que ser praticamente um Buda para praticá-la. É extremamente difícil, extremamente duvidosa, e pouquíssimos são capazes de praticá-la”. Outro lama Kagyu também me disse que achava que hoje em dia não havia mais ninguém que realmente fosse capaz de praticar o tantra sexual.

Estou dizendo isso a vocês apenas porque acho que não devemos ser ingênuos. Fé e devoção não significam credulidade. Precisamos de um lama a quem nos conectemos de verdade, sentindo que é um ser digno de nos inspirar. Este ser corporifica o Darma em todas as suas ações – na forma de agir, de falar, de pensar. Nós observamos; olhamos; vemos. Se existir uma integridade perfeita, confiamos. Nos conectamos com o coração e, depois disso, aceitamos o que quer que ele faça. Por isso temos que ser tão cuidadosos.

A devoção ao guru significa que em um certo ponto nos tornamos completamente abertos. O papel do verdadeiro guru é nos mostrar a natureza de nossa mente. A natureza de nossa mente é a nossa natureza de buda inata, que é a mesma que a mente do guru. Veja que não nos aproximamos do guru pelo seu corpo, ou sua personalidade, nem mesmo pelo que ele aprendeu. Tomamos refúgio na sua mente dharmakaya e no fato de incorporar dharmakaya – que ele mesmo realizou e é capaz de revelar para nós e nos guiar.

A primeira coisa que o guru nos revela é a nossa verdadeira natureza, nossa consciência nua, que está por trás do vai e vem dos pensamentos, a nossa natureza de buda. A fim de fazer isso, o próprio guru deve ter essa realização e a capacidade de transmití-la. O aluno, por sua vez, deve estar aberto. A conexão tem sido descrita como um corredor com duas portas. O guru abre uma porta, mas o aluno tem de abrir a outra porta, para que haja espaço através do qual o vento possa soprar. Assim, ainda que o guru seja o maior guru do mundo, se da nossa parte estivermos fechados, nada será transmitido. Para que o aluno se abra, tem que haver total confiança e devoção. Por isso a devoção é tão enfatizada.

A devoção pode iluminar até mesmo um gesto muito simples. Conheci uma monja inglesa mais velha que veio ao mosteiro de meu lama em Tashi Jong na época das danças anuais dos lamas. Isso foi no tempo do Khamtrul Rinpoche anterior. Ela estava ali sentada vendo-o dançar, e, é óbvio, sua mente estava muito aberta. Quando ele se virou, encarou-a e, ao fazer isso, foi como se toda a mente conceitual da monja tivesse se desmanchado. Ela realizou por conta própria a natureza da mente. E isso que nem era seu lama; ela estava ali penas para assistir as danças! Mas como naquele momento a sua mente estava aberta, e obviamente ela estava se sentindo muito relaxada, espaçosa e aberta enquanto o observava, o lama foi capaz de transmitir algo mesmo enquanto dançava.

Mas isso é apenas o começo. Uma vez que tenhamos visto a natureza de nossa mente, como disse o meu lama, então poderemos começar a meditar. Não é o fim, é o começo. Precisamos que o professor, o guru, nos guie, porque cada um de nós é único, vindo de um lugar diferente, e cada um de nós tem necessidades muito diferentes. Quando eu era mais jovem, na comunidade de meu lama em Tashi Jong viviam três monjas ocidentais. Uma era dos Estados Unidos, outra da Holanda, e a outra era eu mesma. Muitas vezes recebemos iniciações e transmissões orais juntas. Escolhíamos certas práticas e pedíamos iniciações em conjunto com a transmissão oral do texto. Os lamas esperavam e davam as iniciações a nós três ao mesmo tempo. Mas o ensinamento sobre o texto era dado a cada uma de nós separadamente, mesmo que fosse dado pela mesma pessoa. Nunca recebemos ensinamentos juntas. Cada uma recebia um ensinamento um pouco diferente. Para dar um exemplo: havia um ensinamento em que tínhamos que visualizar uma mandala de 120 deidades diferentes: um conjunto externo, um conjunto por todo o corpo, e um conjunto no coração. Por fim tínhamos certa de 600 deidades diferentes para visualizar, e cada uma delas tinha três cabeças e seis braços, além de uma consorte, e as cores não combinavam. Minhas irmãs receberam a instrução de visualizar apenas de forma aproximada, apenas para senti-las. Então, quando fui receber o ensinamento, perguntei: “Visualizar vagamente, de forma aproximada?”. Mas o lama disse: “Não, não, visualize-as com bastante precisão; visualize realmente cada deidade com bastante clareza. Se conseguir de fato sustentar toda essa coisa, sua mente se elevará rapidamente e se tornará muito vasta.” Cada uma de nós foi instruída de forma bastante distinta, com ênfases distintas, porque éramos muito diferentes umas das outras e tínhamos necessidades diferentes. Um verdadeiro professor entende isso.

No início, todas recebemos o mesmo tipo de ensinamento sobre as mesmas coisas. Fizemos ngondro, fizemos outras práticas que todo mundo faz. Mas depois disse perguntei a Khamtrul Rinpoche: “O que devo fazer?” E ele disse: “Bem, o que acha de tal e tal prática?” E eu respondi: “Sim, está bem! Fantástico! Vamos fazer isso.” Então voltei para as minhas irmãs de Darma, e elas disseram: “Oh, tomara que ele não nos diga para fazer isso!” Então eu disse: “Bem, se essa é a sua reação, é claro que ele não dirá.” E não disse. O que uma pessoa precisa não é o que a outra precisa, e o que a tradição tibetana tem de glorioso é que há muitas opções. O verdadeiro guru irá guiá-lo. Irá encontrar as práticas que você precisa para tornar seu corpo e sua mente saudáveis. É uma relação de pessoa para pessoa.

Enquanto isso, nós praticamos, praticamos e praticamos. Há tantos professores maravilhosos, tantos livros. Temos muita sorte – recebemos educação e podemos ler. A maioria dos tibetanos, mesmo aqueles que são educados, nunca senta e lê um livro. Eles esperam até que alguém lhes dê ensinamentos sobre um determinado livro antes de lê-lo. Se alguém percorre o texto frase por frase e explica, eles leem. Se dermos um livro para um tibetano, até mesmo para um tibetano educado, e perguntarmos: “Você pode explicar?”, ele vai olhar para o livro e dizer: “Ah, não, desculpe, eu nunca recebi os ensinamentos sobre isso.” E se insistirmos: “Não, não, apenas estas palavras”, ele dirá: “Não, não posso. Nunca me ensinaram isso.”

Mas podemos pegar e ler praticamente qualquer livro porque fomos educados para isso. Que sorte! Podemos ter muitos professores, e muitos professores vêm e nos dão ensinamentos. Isto é uma sorte extraordinária. Podemos praticar. Há práticas que qualquer um pode fazer. Mas primeiro temos que limpar nossa mente. É como se fôssemos vasos cheios até a borda com água suja. Agora, se o Buda mais perfeito chegasse trazendo néctar, com poderia despejá-lo em um vaso que já estivesse cheio de água suja? Primeiro temos que esvaziar o vaso e limpá-lo para que esteja pronto para receber o néctar. Caso contrário, tudo o que for vertido no vaso ficará contaminado. Enquanto nossa mente estiver repleta dos venenos das emoções negativas e do lixo e da sucata das opiniões, memórias e julgamentos desgastados, onde haverá espaço?

Se você já foi para o Tibete, sabe o tanto que há de espaço vazio. Ao sair de Lhasa, o vazio é perceptível. Você pode andar dias e dias sem ver quase nenhuma árvore, nenhum prédio e nem uma única pessoa. Vazio. Por isso, quando os tibetanos preparam suas ornamentações ou quando pintam suas thangkas, repare – eles não deixam nenhum espaço! Não há espaço porque fora há muito espaço. Da mesma forma, a ment dos tibetanos era tradicionalmente bastante vazia. Sem televisão, sem revistas, sem romances, sem filmes – nada, apenas um monte de espaço vazio. E então eles preenchiam aquele vasto espaço com visualizações extremamente complexas e com uma filosofia extremamente complexa, porque havia muito espaço.

Mas nossa mente ocidental está na maioria das vezes abarrotada, principalmente com lixo. Então, onde podemos colocar as preciosas sementes de Darma. Como podemos plantá-las em uma lata de lixo? Temos que preparar o jardim da nossa mente – jogar fora um pouco do lixo, cavar, retirar as ervas daninhas, jogar fora as pedras, e deixar a terra pronta. Temos que trabalhar de verdade na preparação do solo. Assim, quando alguém chega trazendo as sementes perfeitas da árvore bodhi e as plantas, a árvore cresce – contanto que ofereçamos água, fertilizante e demos a elas a luz do sol das bençãos. Só assim podemos absorver os ensinamentos e utilizá-los. Caso contrário, nem mesmo os grandes mestres poderão causar muito efeito.

Cada um de nós precisa olhar para a sua própria mente e ver claramente o que está lá e o que precisa ser feito, para que possa se preparar para receber, praticar e se tornar um com o Darma perfeito. É um desafio, não é fácil. Mas o lamas estão aqui. Eles são muito compassivos e têm vindo continuamente para o Ocidente. Eles semeiam as sementes do Darma em todos os lugares, na esperança de que algumas venham a florescer. Mas, para fazer valer a pena, temos que prepar o solo. Temos que ser vasos adequados. Ninguém pode fazer isso por nós. Nem mesmo o guru mais perfeito pode trilhar o caminho por nós. Cada um tem que percorrê-lo por si mesmo.

Jetsunma Tenzin Palmo,

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Homem que Plantava Árvores

Esta animação delicada e única, vencedora do OSCAR de filme curto de animação, é um tributo ao trabalho árduo e à paciência.

Conta a história de um homem bom e simples, um pastor que, em total sintonia com a natureza, faz crescer uma floresta onde antes era uma região árida e inóspita. As sementes por ele plantadas representam a esperança de que podemos deixar pra trás um mundo mais belo e promissor do que aquele que herdamos.

OSCAR® 1988 -- Melhor filme curto de animação
ANNECY 1987 (Festival Internacional do Cinema de Animação) -- Grande Prêmio e Prémio do Público, , Annecy, França, 1987.
Festival Internacional de Animação de Hiroshima 1987 -- Grande Prêmio
Festival Internacional de Ottawa 1988 -- Grande Prêmio


INDIANO PLANTA SOZINHO FLORESTA MAIOR QUE CENTRAL PARK

1.400 acres ou, para ficar mais fácil de entender, a área de 800 campos de futebol oficiais. Este é o tamanho da floresta que o indiano Jadav Payeng plantou, com as próprias mãos, para salvar sua terra natal.

Nascido na maior ilha fluvial do mundo, Majuli, localizada no nordeste da Índia, Payeng viu seu lar desaparecer, pouco a pouco do mapa, por conta do aquecimento global. 70% do território de Majuli foi ‘engolido’ pelo rio Brahmaputra e as constantes enchentes na ilha provocaram a erosão do solo.

As árvores morreram todas, afastando os animais que lá viviam, e a ausência de solo bom para plantar fez os moradores deixarem Majuli para trás. Payeng foi o único que permaneceu no local e, após ouvir do governo indiano que a ilha era um caso perdido, decidiu reconstruir sozinho sua casa.

Sem pretensão alguma, em 1979, ainda garoto, começou a espalharsementes de diversas espécies pelo terreno e cavar buracos profundos para que as jovens mudas pudessem fincar suas raízes. O indiano sabia que o plantio era a única maneira de combater a erosão do solo em Majuli e, quando viu seu trabalho dar resultado, decidiu manter segredo para evitar a interferência humana na região.

34 anos depois, com uma floresta maior que o Central Park erguida “no seu quintal” e na companhia de diversos animais – como rinocerontes, elefantes e aves -, que retornaram ao local, Payeng foi descoberto por uma fotógrafa de natureza e sua história acabou virando documentário.

Lançado em 2013, Forest Man chegou a ser premiado como um dos melhores documentários do Festival de Cannes 2014, mas a fama não subiu a cabeça de Payeng. Ele continua morando em uma pequena casa em Majuli, onde cultiva para subsistência, só anda descalço para não perder a conexão com a natureza e se orgulha do legado que deixou para o mundo: pequenos gestos podem, sim, fazer grande diferença.
Assista, abaixo, ao documentário.
Original: http://www.thegreenestpost.com/indiano-planta-sozinho-floresta-maior-que-central-park/

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Comunhão espiritual - Monja Coen

Jetsunma Tenzin Palmo - A Natureza da Mente

É preciso abrir os portais de percepção e trabalhar pelo bem de um Eu maior

Os textos dos ensinamentos antigos de Buda dizem que para conhecermos nossa natureza verdadeira é necessário que mantenhamos uma comunhão espiritual com todos os Budas.

Há inúmeros Budas — tantos quanto grãos de areia. Cada ser humano que desperta, que se percebe interligado a tudo e a todos, cada pessoa que, com visão clara, límpida, iluminada, age, pensa e fala para o bem de todos os seres — este é um Buda. Mas cuidado. Nossa mente pode nos enganar, nos iludir, e, acreditando na ilusão, nos tornamos criaturas que fazem, falam e pensam de forma errônea acreditando ser o bem.

Budas são pessoas que através da prática incessante reconhecem sua natureza Buda. Pessoas que se questionam, que procuram, que encontram e ainda assim continuam a procurar.

Praticar Buda é estar em contato com sua própria essência verdadeira, que é a mesma de tudo que existe. É um observar profundo e de longo alcance, capaz de ver os lamentos do mundo e atender os pedidos verdadeiros.

Natureza Buda, natureza iluminada, não é algo místico, intelectualmente conceituado. São portas, janelas, paredes, grama, plantas, solo, água, vento e ar. São animais e pássaros. Seres humanos e gotas de chuva.

É se reconhecer presente em toda parte, em cada partícula. Cada criatura é o todo manifesto. Não somos parte de, somos o todo, o multiverso em sua harmonia. Sem dentro nem fora. Entrar em contato com a natureza Buda é o que nos dá verdadeira alegria e contentamento.

Comunhão espiritual é tornar-se uno, una, com todos os Budas e perceber que todos os Budas comungam com todos os seres. Não estamos separados. Sentamo-nos na mesma mesa com os seres sábios, mantemos os mesmos hábitos, o pensar luminoso e claro, a ação e a palavra que conduzem à harmonia e ao bem geral.

Entretanto, se não houver a procura não haverá o encontro, não haverá a comunhão. É preciso esforço correto, prática correta, pensamento correto, ação correta, concentração correta e meditação correta.

Na verdade estamos — tudo e todos — sempre dentro da pupila do olho de Gautama Buda (o Buda histórico, também conhecido como Xaquiamuni Buda, que viveu há mais de 2.600 anos). Somos essa pupila. Toda a Terra e todos os seres do multiverso estamos assim interligados através de uma rede de interdependência. Nada existe por si só.

Como, então, pode haver inimigos?

Como, então, pode haver guerras, invasões, insultos, agressões?

Como, então, pode haver assassinatos, crimes, drogas, acusações falsas, corrupção?

Nos jornais internacionais reconheço os problemas nacionais — tão semelhantes.

Posição e oposição formam um par, como o pé da frente e de trás ao andar?

Pode haver oposição sem posição?

Comunhão espiritual é abrir os portais de percepção e comungar — receber em você, tornar-se um com Budas, com seres iluminados, seres plenos de sabedoria e compaixão. Quando assim fazemos, nos tornamos hábeis em confraternizar, em trabalhar pelo bem de um Eu maior do que nossos pequeninos eus. Podemos discordar, mas sabemos dialogar e construir uma cultura de paz e de não violência. É possível. Há muitas pessoas tecendo essa tapeçaria. Junte-se aos que se libertam da dualidade e penetram a sacralidade.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Os vários métodos de meditação e aquilo do qual ninguém escapa: a visão do monge Ajahn Chah

Se em 1972, ano em que essa pergunta foi feita, já se sentia confusão pelos inúmeros sistemas de meditação existentes, imagine agora, mais de 40 anos depois - que é pouco tempo se levarmos em consideração a história do Ioga e do Budismo, mas um tempo grande se olharmos para a enorme explosão mundial do acesso à informação (via redes de televisão, Internet, etc) e a velocidade de propagação a todos os cantos do mundo que aconteceu nesse pequeno período. 

O venerável mestre budista Ajahn Chah (Phra Bodhiñana Thera, 1918-1992), da Thai Forest Tradition, um dos responsáveis pelo estabelecimento do Budismo Theravada no Ocidente, responde à pergunta de um monge sobre qual ou quais as diferenças entre os sistemas de meditação existentes, e como lidar com a confusão de tantos professores e sistemas. A pergunta foi disponibilizada em inglês no site de Ajahn Chah, foi traduzida por este blog (dharmalog) e está publicada abaixo, em mais um pequeno exemplo de como a informação é oferecida e viaja rápido e longe, multiplicando o conhecimento de cada vez mais escolas e ensinamentos e visões sobre as práticas de auto-conhecimento. 

Como um aprendiz e também como jornalista, já fiz (e ainda faço, de certa forma) isso que Ajahn Chah fala na resposta, de procurar conhecer sistemas diferentes e métodos de meditação e auto-conhecimento diversos. Vejo que quase todo mundo faz isso um pouco, até pela quantidade de livros e sites disponíveis hoje. É um efeito colateral desta nossa era da informação. A leitura, a descoberta, a tradução e a disponibilização desse tipo de ensinamento também é um dos objetivos deste site. Mas percebi também que o mergulho e dedicação profundas a uma escola que sentimos nos falar intimamente e o contato verdadeiro com um professor ou mestre são o início real do encontro com si mesmo. Hoje quase todo mundo é auto-didata, mas esse é um campo difícil demais. Mesmo Buda, Dogen, Adi Shankara, Sri Ramana Maharshi e outros grandes buscaram mestres e se dedicaram à prática com a ajuda deles, pelo menos por algum tempo.

Mas vamos à resposta de Ajahn Chah.

Pergunta: E os outros métodos de prática? Em nossa época parece haver tantos professores e tantos sistemas diferentes de meditação que chega a ser confuso.

Ajahn Chah: “É como ir pra cidade. Você pode chegar pelo Norte, pelo Sudeste, por muitas estradas. Geralmente esses sistemas só diferem externamente. Seja qual for a maneira que você percorra uma ou outra, rápido ou devagar, se você for consciente, é tudo a mesma coisa. Há um ponto essencial que toda boa prática deve eventualmente chegar – não se apegar (segurar). No fim, todos os sistemas de meditação devem ser abandonados. E também a pessoa não pode se apegar ao professor. Se um sistema leva ao desapego, a não segurar, então é prática correta. Você pode desejar viajar, visitar outros professores e experimentar outros sistemas. Alguns de vocês já fizeram isso. É um desejo natural. Você vai descobrir que mil perguntas feitas e o conhecimento de muitos sistemas não leva você à verdade. Eventualmente você vai ficar cansado. Você verá que apenas parando e examinando sua própria mente você pode encontrar o que falava Buda. Não há necessidade de buscar fora de si mesmo. Eventualmente você deve retornar e encarar sua própria natureza verdadeira. Aqui é onde você pode entender o Dharma.”

http://dharmalog.com/2014/12/04/metodos-meditacao-natureza-verdadeira-desapego-ajahn-chah/

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A conquista do mundo das ilusões (Maya) pela meditação, na visão do grande yogue Swami Sivananda

Onde está a ilusão? Consigo ver? Como ela chega até mim? Ou sou eu que crio? O que faço com ela? Perguntas respondidas diversas vezes nos mais de 200 livros escritos pelo célebre yogue indiano Sri Swami Sivananda (1887-1953), como no trecho abaixo, com respostas sobre como podemos finalmente nos libertar das ilusões e do sofrimento (através da meditação). Não é uma explicação detalhada ou extensa, mas cada frase tem grande concentração de definições e direção, como por exemplo “são as ações da mente que são verdadeiramente denominadas Karmas“. Assim, há outras frases que precisam de reflexão, e idealmente a leitura da obra completa, embora seja difícil reproduzir textos e livros inteiros de alguns autores aqui – para quem quiser, o texto completo que traz os trechos abaixo está  em (“Mind, Its Misteries and Control“, The Divine Life Society Publication, 1998), em inglês.
Apenas um cuidado especial neste trecho com a expressão “a destruição da mente“, pois alguém pode acabar tomando isso por alguma destruição física, um auto-flagelo ou algo assim (já aconteceu isso num post que usava uma expressão muito parecida). A destruição da mente nesse trecho segue o sentido de uma expressão mais à frente neste mesmo texto: “o destronamento da mente“. É praticamente o mesmo sentido do Bhavagad Gita, quando a mente senta para o controle da charrete ser feito pela consciência. Se houver qualquer dúvida, a coisa certa a se fazer é ler o livro completo.
Os trechos abaixo fazem parte dos capítulos “A Indispensabilidade da Meditação para a Percepção Real de Deus” (Indispensability Of Meditation For God-Realisation), “Condições para a Percepção Real de Si Mesmo” (Conditions for Self-Realization) e “Como Destruir a Inveja” (How To Destroy Jealousy), do compêndio “O Que é Meditação” (What is Meditation), não disponível em português (a tradução abaixo foi feita por este que escreve).

“Todas as coisas visíveis são Maya. Maya desaparece através da sabedoria (Jnana), ou da meditação no Espírito (Atma). Deveríamos trabalhar para nos livrarmos de Maya. Maya nos atinge através da mente. A destruição da mente significa a aniquilação de Maya. A meditação profunda e repetida é a única maneira de conquistar Maya. O Senhor Buda, o Raja Bhartrihari, Dattatreya  e o Akhow de Gujarat – todos conquistaram Maya e a mente somente pela meditação profunda. Entre no silêncio. Medite. Medite. Solidão e intensa meditação são dois requisitos importantes para a auto-realização.

(…) São as ações da mente que são verdadeiramente denominadas Karmas. Assim que a pernambulação e distração da mente se vai, você terá uma boa meditação. A verdadeira liberação resultado no desentronamento da mente. Aqueles que libertaram a si mesmos das flutuações de suas mentes ganham a posse do Nishtha supremo (meditação). A mente deveria ser limpa de todas as suas impurezas, então ela se torna muito calma e todas as ilusões que aparecem nos nascimentos e mortes são destruídas.

(…) Se você colocar um grande espelho em frente a um cachorro e colocar um pedaço de pão na frente, o cachorro começará a latir ao olhar seu reflexo no espelho. Ele imagina tolamente que há um outro cachorro. Da mesma forma, o homem vê apenas seu próprio reflexo, através da mente-espelho, em todas as pessoas, mas imagina tolamente, como o cachorro, que são todos diferentes dele e luta contra o ódio e a inveja”.

~ Swami Sivananda, em “What Is Meditation?”