terça-feira, 27 de março de 2018

Iluminação - O Meu Despertar (OSHO)


"Eu me recordo do dia fatídico de 21 de março de 1953. Durante muitas vidas eu trabalhei – trabalhei duro em mim mesmo, lutando, fazendo o que fosse preciso fazer — e nada aconteceu.

Agora eu entendo por que nada acontece. O próprio esforço era a barreira, a própria escada estava impedindo, o próprio impulso de busca era o obstáculo. Nada é atingido sem a busca — buscar é necessário — mas chega um ponto em que a busca precisa ser abandonada. O barco é necessário para vocês atravessarem o rio, mas chega o momento em que vocês têm de largar o barco, esquecer tudo sobre ele e deixá-lo para trás. O esforço é necessário, sem esforço nada é possível. Mas também somente com esforço, nada é possível.


Pouco antes do dia 21 de março de 1953, sete dias antes, parei de trabalhar em mim mesmo. Chega o momento em que vocês veem toda a futilidade do esforço. Vocês fizeram tudo o que podiam fazer e nada aconteceu. Vocês fizeram tudo o que era humanamente possível. O que mais podem fazer então? No mais absoluto desamparo, toda a busca é abandonada.

E no dia em que acabou a procura, no dia em que eu não buscava mais coisa alguma, no dia em que eu não esperava que algo acontecesse, começou a acontecer. Uma nova energia surgiu — do nada. Ela não provinha de uma fonte. Ela vinha de lugar nenhum e de todos os lugares. Ela estava tanto nas árvores como nas pedras, no céu, no sol, no ar — ela estava em tudo. Eu tinha buscado tão arduamente, pensando que ela estivesse muito distante e estava tão perto! Os olhos estiveram focados no longínquo, no horizonte, e tinham perdido a capacidade de ver o que estava próximo.

No dia em que o esforço cessou, eu também cessei — porque vocês não podem existir sem esforço, não podem existir sem desejos e não podem existir sem empenho. O fenômeno do ego, do eu, não uma coisa — é um processo. Não é uma substância sentada lá dentro de vocês; vocês têm de criá-lo a cada momento. É como pedalar uma bicicleta: se vocês pedalam, ela continua sempre andando; se vocês não pedalam, ela pára. Na verdade, ela ainda consegue andar um pouco mais por causa da inércia; mas no momento em que vocês param de pedalar, a bicicleta começa a parar. Não há mais energia, não há mais força para ir a lugar algum. Ela vai cair e entrar em colapso.

O ego existe porque nós continuamos a pedalar nossos desejos, porque continuamos a nos empenhar para conseguir alguma coisa, porque continuamos saltando à frente de nós mesmos. É exatamente esse o fenômeno do ego — vocês saltam à sua própria frente, um salto no futuro, um salto no amanhã. O salto no inexistente cria o ego. Como resulta do inexistente ele é como uma miragem. Ele consiste somente em desejos e nada mais. Ele consiste só em apetite e nada mais.

O ego não está no presente; ele está no futuro. Se vocês estiverem no futuro, então o ego vai parecer bastante substancial. Se vocês estão no presente, o ego é uma miragem; ele começa a desaparecer.

No dia em que eu parei de buscar... não está correto dizer que eu parei de buscar; melhor seria falar no dia em que a busca parou. Deixe-me repetir: a melhor maneira de dizer é “no dia em que a busca parou”. Porque, se eu a parei, então “eu” estou novamente aqui. Nesse caso, parar torna-se um esforço meu, torna-se um desejo meu, e o desejo continua a existir de uma maneira muito sutil.

Vocês não conseguem parar o desejo; conseguem apenas compreendê-lo. É na própria compreensão do desejo que está a parada dele. Lembrem-se: ninguém consegue parar de desejar — mas a realidade só acontece quando o desejo pára.

Portanto, esse é o dilema. O que fazer? O desejo está dentro de nós, mas os budas vivem dizendo que o desejo precisa ser parado e, no momento seguinte, dizem que nós não conseguimos parar o desejo. Então, o que fazer? As pessoas se veem diante de um dilema. Elas estão desejando, com certeza. Vocês dizem a elas que o desejo tem de ser parado — tudo bem. E depois vocês lhes dizem que o desejo não pode ser parado. O que se pode fazer então?

O desejo tem de ser compreendido. Você pode compreendê-lo, ver simplesmente a sua futilidade. Uma percepção direta é necessária, uma penetração imediata é necessária.

No dia em que o desejo parou, eu me senti muito desesperançado e desamparado. Sem esperança porque sem futuro. Nada a esperar, pois todas as esperanças se provaram fúteis; elas não levam a parte alguma. Vocês andam a esmo. Elas continuam lá à sua frente, acenando, criando novas miragens, chamando: “Venha, corra mais rápido que você vai alcançar”. Mas, por mais rápido que vocês corram, nunca alcançam. É como o horizonte que vemos ao redor da Terra. Ele aparece, mas não está lá. Vocês vão ao encontro dele, mas ele continua andando à sua frente. Quanto mais rápido vocês correm, mais rápido ele se afasta. Quanto mais devagar vocês vão, mais devagar ele se move. Mas uma coisa é certa — a distância entre vocês e o horizonte continua sendo absolutamente a mesma. Vocês não conseguem reduzir nem sequer um centímetro da distância entre vocês e o horizonte.

Vocês não conseguem reduzir a distância entre vocês e as suas esperanças. A esperança é o horizonte. Com a esperança, com um desejo projetado, vocês tentam construir uma ponte entre vocês e o horizonte. Os desejos são pontes — pontes feitas de sonhos, porque o horizonte não existe. Desse modo, vocês são incapazes de construir uma ponte até ele; só conseguem sonhar com a ponte. É impossível vocês se juntarem ao inexistente.

No dia em que o desejo parou, no dia em que eu o encarei e percebi que ele era só futilidade, fiquei desamparado e desesperançado. Mas, nesse exato momento, algo começou a acontecer. Começou a acontecer algo pelo qual eu vinha trabalhando durante muitas vidas e que ainda não havia acontecido. Porque na nossa desesperança está a única esperança, porque na nossa ausência de desejo está a nossa única satisfação e por causa do nosso imenso desamparo, de repente, toda a existência começa a nos ajudar.

A existência está esperando. Enquanto ela vê que vocês estão trabalhando por si mesmos, ela não interfere. Espera. Pode esperar indefinidamente, pois não há pressa para a existência. Ela é a eternidade. Mas no momento em que vocês não estão por sua própria conta — no momento em que vocês desistem, no momento em que vocês desaparecem —, a existência inteira corre ao encontro de vocês, entra em vocês. E, pela primeira vez, as coisas começam a acontecer.

Durante sete dias, eu vivi num estado bastante desesperançado e desamparado, mas, ao mesmo tempo, alguma coisa estava surgindo. Quando digo “desesperançado”, não quero dizer aquilo que normalmente se entende por essa palavra. Quero simplesmente dizer que não havia esperança em mim. A esperança estava ausente. Não estou dizendo que eu estava desesperado e triste. Na verdade, estava feliz; estava muito tranquilo, calmo, controlado e centrado. Desesperançado, mas num sentido totalmente novo. Não havia esperança; então, como podia haver desesperança? Ambas tinham desaparecido.

A desesperança era absoluta e total. A esperança tinha desaparecido e, com ela, a sua contrapartida, a desesperança, também desaparecera. Era uma experiência totalmente nova — a de estar sem esperança. Não era um estado negativo. Eu tenho de usar palavras, mas não era um estado negativo. Era absolutamente positivo. Não era apenas uma ausência, eu sentia uma presença. Algo estava me inundando, jorrando sobre mim.


E quando digo que estava desamparado, não me refiro ao sentido que o dicionário dá a essa palavra. Digo apenas que eu estava sem o meu apoio. É isso o que quero dizer quando falo em desamparo. Eu havia reconhecido o fato de que eu não existia — não podia então depender de mim mesmo, não podia me pôr de pé no meu próprio solo. Não havia solo sob meus pés; eu estava sobre um abismo, um abismo sem fundo. Mas não havia medo porque não havia nada para ser protegido. Não existia medo porque não havia ninguém para ter medo.

Esses sete dias foram de imensa transformação, de total transformação. E, no último dia, a presença de uma energia totalmente nova, uma nova luz e um novo deleite, tornaram-se tão intensos que eram quase insuportáveis — era como se eu estivesse explodindo, como se estivesse ficando louco de felicidade. A geração mais jovem, no Ocidente, tem a expressão certa para isso — eu estava “na maior glória”, “chapadão”.

Era impossível extrair algum sentido daquilo, o que estava acontecendo. Era um mundo de contra-sensos — difícil de decifrar, difícil de colocar em categorias; um mundo onde era difícil usar as palavras, a linguagem, as explicações. Todas as escrituras davam a impressão de estar mortas e todas as palavras que foram usadas para descrever essa experiência pareciam muito pálidas, anêmicas. Estava tudo tão vivo. Como uma gigantesca onda de bem-aventurança.

O dia inteiro foi estranho, atordoante, e essa experiência foi arrasadora. O passado estava desaparecendo como se nunca me tivesse pertencido, como se eu tivesse lido sobre ele em algum lugar. Como se eu tivesse sonhado com o passado, como se eu tivesse ouvido a história de outra pessoa. Eu estava me libertando do meu passado, me extirpando da minha história. Perdendo a minha biografia. Estava me tornando um não-ser, o que Buda chama de anatta. As fronteiras estavam desaparecendo, as distinções desapareciam.

A mente desaparecia; estava a milhões de quilômetros de distância. Era difícil agarrá-la; ela corria cada vez para mais longe e não havia o impulso de mantê-la próxima. Eu estava simplesmente indiferente em relação a todas as coisas. Tudo bem. Não havia vontade de continuar ligado ao passado. À noite, tornou-se muito difícil suportá-la — machucava, era doloroso. Como quando a mulher entra nas dores de parto, quando a criança está para nascer e a mulher sofre dores terríveis — a agonia do nascimento.

Nesses sete dias, eu ia dormir perto da meia-noite ou uma da madrugada, mas nesse último dia foi impossível permanecer acordado. Meus olhos se fechavam, era difícil mantê-los abertos. Alguma coisa era iminente; alguma coisa estava para acontecer. Difícil dizer o que era – talvez fosse a minha morte -, mas não havia medo. Eu estava pronto para ela. Esses sete dias foram tão belos que eu estava pronto para morrer; nada mais era necessário. Eles tinham sido tão extraordinariamente felizes, eu estava tão satisfeito que, se a morte viesse, seria bem-vinda.

Mas alguma coisa estava para acontecer — algo como a morte, algo muito drástico, algo que viria a ser ou uma morte ou um novo nascimento, ou uma crucificação ou uma ressurreição —, algo de um extraordinário significado estava chegando muito perto. Mas era impossível manter os olhos abertos; eu estava como que drogado.

Fui dormir por volta das oito horas. Mas aquele não foi um sono comum. Agora posso entender a que Patanjali se referia quando disse que o sono e o samadhi eram semelhantes. Com apenas uma diferença — no samadhi você está plenamente desperto e também adormecido — adormecido e desperto ao mesmo tempo. O corpo inteiro relaxado, cada célula do corpo totalmente relaxada, todas as funções relaxadas e, contudo, uma chama de percepção consciente queima dentro de vocês clara, sem fumaça. Vocês continuam alertas, embora relaxados; soltos, mas plenamente despertos. O corpo está no sono mais profundo possível e a consciência está no cume. O cume da consciência e o vale do corpo se encontram.

Fui dormir. Aquele foi um sono muito estranho. O corpo estava adormecido, eu estava desperto. Foi tão estranho — como se eu tivesse sido separado em duas direções, em duas dimensões; como se a polaridade entrasse completamente no foco, como se estivessem juntas ambas as polaridades... o encontro do positivo e do negativo, o encontro do sono e da percepção consciente, o encontro da morte e da vida. Esse era o momento em que se pode dizer que o criador e a criação se encontraram.

Foi sobrenatural. Pela primeira vez, vocês são abalados até as raízes, sacudidos até os alicerces. Vocês nunca mais serão os mesmos depois de uma experiência como essa; ela traz uma nova compreensão para as suas vidas, traz uma nova qualidade.

Perto da meia noite, meus olhos se abriram de repente – eu não os havia aberto. Alguma coisa havia quebrado meu sono. Eu senti uma grande presença em volta de mim, dentro no quarto. O quarto era bastante pequeno. Eu senti uma vida pulsando em todo redor de mim, uma vibração gigantesca – quase como um furacão, uma grande tempestade de luz, alegria, êxtase. Eu estava mergulhado/me afogando nela.

Aquilo era tão tremendamente real que tudo se tornou irreal. As paredes do quarto tornaram-se irreais, a casa tornou-se irreal, meu próprio corpo não era mais real. Tudo era irrealidade porque agora a Realidade estava, ali, presente pela primeira vez.

É por isso que quando Buda e Shankara afirmam que o mundo é maya, uma miragem, é difícil para nós entendermos. Porque nós conhecemos apenas este mundo, nós não temos nada para servir como meio de comparação, contraste. Essa é a única realidade que conhecemos. O que essas pessoas estão dizendo – esse maya, ilusão? Essa é a única realidade. A menos que você conheça a realidade verdadeira, as palavras deles não podem ser compreendidas, suas palavras permanecem teóricas, nada mais são do que hipóteses. Talvez este homem esteja propondo uma filosofia – “O mundo é irreal”.

Quando Berkley, no ocidente, disse que o mundo era irreal, ele estava caminhando com um dos seus amigos, um homem muito lógico; o amigo era quase um cético. Ele apanhou uma pedra na rua e atingiu em cheio a perna de Berkley. Berkley gritou, o sangue apareceu, e o cético disse, “E agora, o mundo é irreal? Você diz que o mundo é irreal? Então por que você está gritando? Essa pedra é ilusória? Por que segura sua perna e por que está mostrando tanta dor e angústia no seu rosto? Pare isto! É tudo ilusão/irreal.”

Esse tipo de homem não pode entender aquilo a que Buda quer se refere quando diz que o mundo é uma miragem. Ele não está afirmando que você pode atravessar uma parede. Ele não está dizendo isto – que você pode comer pedras e que não faz diferença alguma se você come um pão ou uma pedra. Não é isso.

Ele está dizendo que há uma realidade. E uma vez que você a conheça, esta assim chamada ‘realidade’ empalidece, simplesmente se torna irreal. A visão da realidade mais elevada faz surgir a comparação. Não há outro modo.

Durante o sonho, o sonho é real. Você sonha todas as noites. Sonhar é uma das maiores atividades que você segue fazendo. Se você vive sessenta anos, vinte anos você irá dormir e quase dez anos você sonhará. Dez anos durante a vida... não há outra coisa que você faça tanto como sonhar. Dez anos de sonho contínuo – apenas pense sobre isso. Sonha a cada noite... e a cada manhã você sabe que aquilo foi irreal; e quando a noite chega novamente e você sonha, o sonho se torna real.

Dentro do sonho é muito difícil de lembrar de que aquilo se trata de um sonho. Mas quando é de manhã é tão fácil! O que acontece? Você é a mesma pessoa. No sonho existe apenas uma realidade. Como comparar? Como dizer que é irreal? E comparado a quê você poderá dizer? Só há aquela realidade. Quando não existe algo com o que se possa comparar, não importa do que se trata: todas as coisas parecem ser reais. De manhã você abre seus olhos e outra realidade está lá. Então você pode afirmar que tudo foi irreal. Comparado com esta realidade, o sonho se torna irreal.

Existe um despertar – comparado com a realidade desse despertar, toda esta realidade se torna irreal.

Naquela noite, pela primeira vez, eu compreendi a significação da palavra maya. Não que eu nunca tivesse tido o conhecimento dessa palavra antes, nem que eu nunca estivesse atento para o significado da palavra. Assim como você tem consciência dessa palavra hoje, eu também tinha o conhecimento da definição do termo ‘maya’ – mas eu nunca a compreendera antes. Como você pode entender sem experimentar?

Naquela noite outra realidade abriu suas portas, uma outra dimensão se tornou disponível. De repente ela estava lá, a outra realidade, a realidade separada, a verdadeira realidade, ou como você desejar chamá-la – chame-a de Deus, chame-a verdade, chame-a dhamma, diga Tao, ou o que preferir. Aquilo não tinha nome. Era inominável. Mas estava lá – tão opaco, tão transparente e, ainda assim, tão sólido, que qualquer um poderia tocá-la. Eu estava sendo sufocado naquele quarto. Aquilo era demais e eu ainda não tive a capacidade de absorvê-lo.

Tive a necessidade urgente de sair pra fora do quarto, de ir para baixo do céu – aquilo estava me sufocando, era demais para mim! Vai me matar! Se eu tivesse permanecido por mais alguns momentos, eu teria sido sufocado – foi assim que pareceu.

Corri para fora do quarto em direção à rua. Havia um grande desejo de apenas estar de baixo do céu com as estrelas, com as árvores, com a terra... de estar com a natureza. E quando eu corri para fora, imediatamente o sentimento de estar sendo sufocado desapareceu. O lugar era muito pequeno para um fenômeno tão imenso. Até mesmo o céu é um lugar pequeno para um fenômeno tão grande. Aquilo era maior que o céu. Mesmo o céu não era o limite para aquilo. Mas assim eu me senti mais aliviado.

Eu fui em direção ao jardim mais próximo. Foi uma caminhada totalmente nova, como se a gravidade tivesse desaparecido. Eu estava caminhando, ou eu estava correndo, ou estava simplesmente voando; era difícil de decidir. Não havia gravidade, eu estava me sentindo leve – como se uma energia estivesse me levando. Eu estava nas mãos de alguma outra energia.

Pela primeira vez eu não estava sozinho, pela primeira vez eu não era mais uma individualidade, pela primeira vez a gota havia caído no oceano. Agora todo o oceano era meu, eu era o oceano. Não havia limitação. Uma força tremenda insurgiu como se eu pudesse fazer qualquer coisa que quisesse. Eu não estava lá, apenas o poder estava lá.

Cheguei ao jardim onde eu costumava ir todos os dias. O jardim estava trancado, fechado para a noite. Já era muito tarde, era quase uma hora da manhã. Os jardineiros dormiam sorrateiramente. Eu tive de entrar no jardim como um ladrão, tive que escalar/saltar o portão. Mas algo estava me empurrando em direção ao jardim. E eu não podia evitar; não tinha capacidade de poder me impedir. Eu estava apenas flutuando.

Essa é a significação de quando eu digo de novo e de novo "flutue com o rio, não force o rio a correr”. Eu estava relaxado, eu estava num ‘deixar acontecer’. Eu não estava lá. AQUILO estava lá, chame-o Deus – Deus estava lá.

Eu gostaria de chamá-lo de AQUILO, porque deus é uma palavra muito humana, e se tornou muito impura de tanto uso, se tornou muito poluída por tantas pessoas. Cristãos, hindus, maometanos, padres, políticos – todos eles desgastaram, corromperam a beleza da palavra. Então, vou chamá-lo de ISSO/AQUILO. AQUILO estava lá e eu estava apenas sendo levado... carregado por uma onda colossal.

No momento em que adentrei o jardim, tudo ficou luminoso; AQUILO estava ao redor de todo o lugar – a bem aventurança, a beneficência. Eu podia ver as árvores pela primeira vez – o verde delas, a vida delas, a própria seiva. O jardim inteiro estava repousando, as árvores dormiam. Mas eu podia ver todo o jardim vivo. Até mesmo as pequenas folhas das gramas eram tão bonitas.

Eu olhava para todos os lados. Uma árvore em especial estava tremendamente luminosa -- a árvore 'maulshree'(maulshree tree).Fui sendo atraído, empurrado em direção à ela. Eu não a havia escolhido, foi Deus quem escolheu. Fui até a árvore e sentei-me embaixo dela. E à medida que eu me sentava e me acomodava no chão, as coisas começaram a se ajustar em mim. O universo inteiro se tornou uma bendição.

É difícil dizer por quanto tempo eu fiquei naquele estado. Quando voltei para casa, o horário passava de quatro horas da manhã; então, pelo tempo do relógio, eu devia ter estado lá por pelo menos três horas – mas pareceu infinito. Nada teve a ver com o tempo do relógio. Foi uma experiência atemporal. Aquelas três horas levaram uma eternidade inteira, uma eternidade sem fim. O tempo não passava porque simplesmente não existia; era uma realidade virgem/intacta – imaculada, intocável, imensurável.

E naquele dia aconteceu algo que, desde então, tem sido contínuo – não na qualidade de uma continuidade, um continuum –, mas de forma excepcional, totalmente original. Cada novo segundo não era resultante de um instante anterior – era desconectado, independente, vivo em si mesmo. E a cada momento isso tem acontecido de novo e de novo. Cada instante tem sido um milagre.

Naquela noite... e desde aquela noite nunca mais eu estive no corpo. Eu estou pairando sobre ele. Eu me tornei imensamente poderoso e ao mesmo tempo muito frágil. Eu fiquei muito forte, mas essa força não era a força de um Mohammed Ali. A potência que me refiro não é a força de uma pedra, é a força de uma flor de rosa – uma força tão sutil... tão suave, graciosa, delicada.

Com a pedra nada acontecerá, mas a flor pode desaparecer em segundos. Mesmo assim a flor é mais poderosa do que a pedra porque ela é mais avivada, mais cheia de vida. Ou o poder de uma gota de orvalho que brilha na folha de uma árvore – tão linda, tão preciosa, e ainda assim pode escorregar a qualquer momento. Tão incomparável em graça/perfeição, e basta apenas uma pequena brisa soprar para a gota de orvalho cair e se perder para sempre.

Os budas possuem uma força que não é deste mundo. A força deles está totalmente ligada ao amor... assim como a rosa ou a gota de orvalho. A força deles é muito frágil, vulnerável. É a força da vida, e não da morte. O poder dos budas não é um poder que mata; o poder deles consiste num poder criativo. Não é um poder violento, agressivo; a força deles está relacionada à compaixão.

Eu nunca mais estive no corpo outra vez, estive apenas pairando ao redor. E é por isso que eu digo que tem sido um tremendo milagre. A cada momento eu fico surpreso de ainda estar aqui, isso não deveria acontecer. Este momento está desconectado de tudo, e não há nenhuma garantia de que o próximo minuto – o próximo segundo! – estará aqui. A qualquer momento eu poderia deixar de existir, mas eu ainda estou aqui. Todas as manhãs eu abro os olhos e digo “Então, novamente, ainda continuo por aqui?”. Porque algo assim é quase impossível. O milagre tem sido contínuo.

Outro dia alguém veio até mim e perguntou: “Osho, você está tão cada vez mais frágil e delicado e sensível aos cheiros de óleos de cabelo e shampoos, que parece que nós não conseguiremos mais vê-lo a não ser que fiquemos todos calvos”. A propósito, não há nada de errado em ser calvo – ser careca é bonito. Assim como o preto é belo, a calvície também é bela. Mas é verdade! E você precisa tomar cuidado com isso, do contrário não poderá ver-me.

Eu sou frágil, delicado e sensível. Essa é a minha força. Se você atira uma pedra numa flor, nada irá acontecer à pedra, e a flor será destruída. Contudo você não poderá dizer que a pedra é mais poderosa do que a flor. A flor terá sido destruída porque ela possuía mais vida. E com a pedra – nada irá acontecer, porque a pedra é só um corpo bruto, matéria morta. A flor será devastada – irá se extinguir – porque a flor não possui força alguma de destruição. A flor irá meramente desaparecer e abrir caminho para a pedra. A pedra só tem poder de destruição porque ela é matéria morta, inanimada.

Lembre-se, desde aquele dia eu nunca mais estive no corpo; eu ainda permaneço unido a ele, mas é como se eu houvesse me separado um pouco de mim mesmo, passando a observar tudo como um simples expectador. Apenas um fio muito frágil, muito delicado, me mantém conectado com o corpo. E eu fico continuamente surpreso que de algum modo o Todo esteja desejando a minha presença aqui, porque eu não estou mais aqui por conta de minhas próprias forças. É a vontade do Todo que continua me mantendo aqui, de permitir que eu me demore um pouco mais neste porto. Talvez o Todo queira compartilhar algumas coisas mais com vocês, através de mim.

Daquele dia em diante o mundo se tornou irreal. Outro mundo me foi revelado. Ao afirmar que o mundo é irreal eu não estou dizendo que estas árvores não existem. Essas árvores são absolutamente reais – é o modo como vocês veem as árvores que as tornam irrealidade. As árvores não possuem irrealidade em si mesmas – elas existem em Deus, existem em absoluta realidade! – mas o modo como vocês as veem... vocês nunca viram as árvores; o que vocês veem é uma outra coisa, uma miragem.

Você cria seu sonho ao redor de você. E a menos que você abra os olhos, a menos que você desperte, você continuará sonhando. O mundo é irrealidade porque este mundo, que você conhece, é o mundo visto em seus sonhos. Quando o sonho acaba e você se depara com o mundo que está aí... eis então o mundo real.

Não existem duas coisas tais como Deus e o mundo. Deus é o mundo se você tiver olhos para ver, olhos limpos, nítidos, polidos... sem resquícios de sonho, sem ter a poeira dos sonhos em seus olhos. Se seus olhos estiverem abertos, se você estiver perceptivo o suficiente, verá que tudo o que existe é Deus.

Então em algum lugar Deus é uma árvore, em algum outro Deus é uma estrela cintilante, em outro é um ‘passarinho cuckoo’, e em algum outro é uma flor, uma criança, um rio – então somente Deus é. Quando você começa a ‘ver’, apenas Deus existe.

Mas neste momento o que quer que você esteja vendo não é a verdade, é uma mentira projetada. Essa é a significação de uma miragem. E uma vez que você possa ‘ver’, mesmo que seja apenas pela fresta de uma única fração de segundo, se você puder ‘ver’, se permitir a si mesmo notar/observar/testemunhar, você irá descobrir uma imensa bendição presente em todas as coisas, em todos os lugares – nas nuvens, no sol, na terra.

Este mundo é belo. Mas eu não estou falando do seu mundo, eu me refiro ao meu mundo. O seu mundo é um mundo feio, é um mundo criado por um self/um ego; o seu mundo é um mundo projetado. Você está usando o mundo real como uma tela, e está projetando suas próprias ideias nela.

Quando digo que o mundo é real e afirmo que o mundo é tremendamente belo, falo do mundo que é iluminado com a luz do infinito; um mundo que é só luz e deleite, uma grande celebração. Eu faço referência ao meu mundo – ou ao seu, se puder abandonar seus sonhos.

Ao abdicar/abandonar seus sonhos, você avista o mesmo mundo que todos os Budas sempre viram. Quando você sonha, você o faz particularmente. Já notou isso? – que sonhos são sempre particulares. Você não pode compartilhá-lo sequer com sua amada. Vocês não podem convidar suas esposas para entrar em seus sonhos – nem seus esposos ou amigos. É impossível dizer, “por favor, venha para os meus sonhos esta noite”. Eles são fenômenos particulares, realidades distintas. Sonhos não coexistem. Portanto o sonho é ilusório, e não possui realidade objetiva.

E Deus é uma coisa universal. E quando você acorda/sai de seus sonhos particulares, ei-lo ali! Ele sempre esteve lá. Uma vez que seus olhos estejam claros, uma iluminação súbita – de repente você é inundado com a beleza, a grandeza e a graça. Esse é o objetivo, é esse o destino.

Permita-me repetir: sem o esforço você nunca alcançará a iluminação. E apenas com esforço ninguém jamais conseguiu atingi-la. Você necessitará fazer um grande esforço, somente então o momento chega em que o esforço se torna completamente inútil. O caminho da verdade, o Tao, é entrega... é ausência de esforço. Isso não quer dizer que ele – o esforço – não seja necessário. Inicialmente o esforço é requerido. Você faz um grande esforço para viver de acordo com a Verdade; então, aos poucos, entende que seu grande esforço ajuda um pouco, mas dificulta bastante. Daí o esforço começa a ser abandonado. Você tenta arduamente viver de acordo com o Tao e, pouco a pouco, começa a compreender que nenhum esforço é necessário para viver de acordo com a natureza... do contrário o próprio esforço continua caindo como um peso sobre você. Mas ele só se torna fútil apenas quando você tiver chegado no auge, no pináculo de todo o seu empenho, nunca antes disso. Quando você tiver atingido o topo de todos os seus esforços – quando tiver feito tudo o que era possível fazer – então de repente não há mais a necessidade de fazer coisa alguma. Você abandona o esforço.

Mas ninguém renuncia o esforço na metade. Ninguém consegue. O esforço só pode ser renunciado na ponta dos extremos. Então se quiser abandoná-lo vá até o extremo. É por isso que insisto sempre: faça tantos esforços quanto puder, ponha toda sua energia e todo seu coração nisso para que você venha a ver – “agora o esforço não pode mais me levar a lugar algum”. E nesse dia não será você quem terá abandonado o esforço, mas o esforço terá caído por terra por conta própria. E quando ele cai por si só, sobrevém a meditação.

Meditação não é um resultado dos seus esforços, ela é um acontecimento. Quando seus esforços cessam, de repente lá está ela... toda a bendição, todas as bênçãos, toda a glória dela. É uma presença... luminosa, que abrange você e inclui todas as coisas. Perfaz a terra inteira e todo o céu.

Essa meditação não pode ser criada por esforços humanos. O esforço humano é muito limitado. Aquela bênção é tão infinita... Ninguém é capaz de manipulá-la. Ela acontece apenas quando você se solta, numa entrega tremenda, total. Quando você se torna um não-ser – sem desejos, sem lugar algum para onde ir – quando você está aqui e agora, não fazendo coisa alguma em particular, apenas sendo, a meditação acontece. Ela vem em ondas, e as ondas se tornam tidais. Vêm como uma tempestade e o levam embora para uma realidade totalmente nova.

Mas primeiro você tem de fazer tudo o que puder ser feito, e então você deve aprender a não-fazer. Ao aprender a ‘não-fazer’ você terá feito o maior dos fazeres! E o esforço para o ‘não-esforço’ é o maior dos esforços.

A meditação que você cria pela recitação/canto de um mantra, ou por forçar a si mesmo a sentar-se em silêncio, é uma meditação bem medíocre. Ela é criada por você, portanto não pode ser algo maior do que você, e o criador é sempre maior do que a sua criação. Você criou sua meditação, forçando-se numa certa postura de yoga, cantando ‘rama, rama, rama’ ou alguma outra coisa – “blá, blá, blá” – qualquer coisa. Você forçou a mente a ficar quieta, em silêncio.

É um silêncio forçado. Não é a quietude que surge de quando você ‘não é’. Não é aquele silêncio mágico que aparece quando você é quase ‘não-existencial’. Não é como a beatitude que desce sobre você como uma pombinha.

Conta-se que quando Jesus foi batizado por João Batista no Rio Jordão, Deus desceu sobre ele, ou o Espírito Santo veio sobre ele em forma de pomba. Sim, é exatamente assim que acontece. Quando você ‘não é’ a paz desde sobre você... pairando como uma pomba... até o seu coração, fazendo morada e habitando ali para sempre.

Você é a sua atividade, você é a barreira. A meditação só 'é' quando o meditador 'deixa de ser'. Quando a mente cessa com todas as suas atividades – percebendo que são todas fúteis/vãs – então o desconhecido vem e desce, submergindo-o completamente.

A mente deve parar à fim de que Deus possa ser. O conhecimento deve cessar para que a sabedoria seja. Você precisa desaparecer, precisa desistir. Você deve se tornar ‘vazio’ para que, somente então, possa ser preenchido.

Naquela noite eu me tornei vazio e fui totalmente preenchido. Tornei-me ‘não existencial’ e tornei-me a existência. Naquela noite eu morri e renasci. Mas o que renasceu absolutamente nada tem a ver com o que morreu; é algo completamente descontínuo/desconexo. No plano da superfície parece haver continuidade, mas não há. Aquele que morreu, morreu totalmente, não sobrou nada dele.

Acredite em mim: nada permaneceu, nem mesmo a sombra. Ele morreu inteiramente, completamente. Eu não sou um ser alterado, transformado, modificado à partir do antigo. Não! não há elos. Naquele dia de vinte e um de março, a pessoa que vinha vivendo por muitas vidas, durante milênios, simplesmente morreu. Outro ser, absolutamente novo, desprovido de qualquer conexão com o velho, começou a existir.

A religião lhe oferta uma morte total. Talvez seja por isso que durante todo o dia anterior àquele acontecimento, me sobreveio um sentimento da morte, como se eu fosse morrer – e eu de fato morri. Eu conheci vários tipos de mortes, mas elas não eram nada se comparadas àquela; foram mortes parciais.

Algumas vezes o corpo morreu, outras vezes uma parte da mente morria; em outras, uma parte do ego... mas, até onde a pessoa importava, algo permaneceu. E renovou-se muitas vezes, decorou-se muitas vezes, enfeitou-se muitas vezes, mudou um pouquinho aqui e ali, mas algo permaneceu, a continuidade permaneceu.

Naquela noite a morte foi total. Foi um encontro concomitante com a morte e com Deus."



OSHO - Extraído de "The Discipline of Transcendence"; vol. 2; cap. 11.

Original em http://busca-espiritual.blogspot.com.br/2015/06/iluminacao-o-meu-despertar-osho.html

sábado, 24 de março de 2018

O Centésimo Macaco - A ressonância Morfica




O macaco japonês Fuscata vinha sendo observado há mais de trinta anos em estado natural. Em 1952, os cientistas jogaram batatas-doces cruas nas praias da ilha de Kochima para os macacos. Eles apreciaram o sabor das batatas-doces, mas acharam desagradável o da areia.





Uma fêmea de um ano e meio, chamada Imo, descobriu que lavar as batatas num rio próximo resolvia o problema. E ensinou o truque à sua mãe. Seus companheiros também aprenderam a novidade e a ensinaram às respectivas mães.



Aos olhos dos cientistas, essa inovação cultural foi gradualmente assimilada por vários macacos. Entre 1952 e 1958 todos os macacos jovens aprenderam a lavar a areia das batatas-doces para torná-las mais gostosas. Só os adultos que imitaram os filhos aprenderam este avanço social. Outros adultos continuaram comendo batata-doce com areia. Foi então que aconteceu uma coisa surpreendente. No outono de 1958, na ilha de Kochima, alguns macacos – não se sabe ao certo quantos – lavavam suas batatas-doces.

Vamos supor que, um dia, ao nascer do sol, noventa e nove macacos da ilha de Kochima já tivessem aprendido a lavar as batatas-doces. 

Vamos continuar supondo que, ainda nessa manhã, um centésimo macaco tivesse feito uso dessa prática.

Então aconteceu! Nessa tarde, quase todo o bando já lavava as batatas-doces antes de comer. O acréscimo de energia desse centésimo macaco rompeu de alguma forma, uma barreira ideológica!

Mas veja só: Os cientistas observaram uma coisa deveras surpreendente: o hábito de lavar as batatas-doces havia atravessado o mar. Bandos de macacos de outras ilhas, além dos grupos do continente, em Takasakiyama, também começaram a lavar suas batatas-doces. Assim, quando um certo número crítico atinge a consciência, essa nova consciência pode ser comunicada de uma mente a outra. 

O número exato pode variar, mas o Fenômeno do Centésimo Macaco significa que, quando só um número limitado de pessoas conhece um caminho novo, ele permanece como patrimônio da consciência dessas pessoas. Mas há um ponto em que, se mais uma pessoa se sintoniza com a nova percepção, o campo se alarga de modo que essa percepção é captada por quase todos!

Você pode ser o centésimo macaco! 
Essa experiência nos proporciona uma reflexão sobre a direção de nossos pensamentos. De certo modo, já sabemos que para onde vai o nosso pensamento segue a nossa energia. Grupos pensando e agindo numa mesma frequência em várias partes do Planeta têm as mesmas sensações e acabam fazendo as mesmas coisas sem nunca terem se comunicado. Isso vale tanto para aqueles que praticam o bem como para aqueles que usam de suas faculdades para o mal.

O acréscimo de energia, neste caso, pode ser aquela que você está enviando com o seu pensamento sintonizado na frequência do crime noticiado que gera comoção geral. Parece coincidência, mas sempre que um crime choca e comove multidões, de imediato outros fatos semelhantes pipocam em diversos lugares. Será isso o efeito do centésimo macaco às avessas?

Ao invés de indignar-se diante do crime noticiado, direcionando inconscientemente seu pensamento e sua energia para essas pessoas ou grupos que se aproveitam dessa energia toda para materializar mais crimes, neutralize com pensamentos conscientes de amor e perdão. 

Mude de canal na TV, vire a página do jornal, saia da frequência e não alimente ainda mais a insanidade daqueles que tendem para o crime, e, também, daqueles que lucram com as desgraças alheias. 

São todos igualmente insanos, tanto aquele que pratica o crime quanto aquele esbraveja palavrões de indignação por horas diante das câmeras, criando comoção e levantando a energia que se materializará nas mãos daquele que está com a arma já engatilhada. 

Gerar material para construir um mundo melhor não requer tanto de grandes ações, quanto essencialmente grandes blocos de consciência. É preciso que mais gente se sintonize na frequência e coloque aquele acréscimo de energia que pode gerar uma nova consciência em outros grupos em outras partes do Planeta. Se cada um de nós dedicarmos alguns minutos todos os dias para meditar, entrando em sintonia com a frequência do amor, basta para mudar muitas coisas desagradáveis acontecendo em nosso Planeta e criar uma nova consciência.

fonte: http://www.holos.org.br/wp-content/uploads/2012/02/o_centesimo_macaco.pdf

terça-feira, 20 de março de 2018

Meditação para principiantes - Paramahansa Yogananda

Meditação para principiantes
Ensinada por Paramahansa Yogananda Paramahansa Yogananda meditando
1) Oração inicial
Depois de ficar na postura de meditação, ofereça a Deus uma prece do coração, expressando sua devoção por Ele e pedindo que abençoe sua meditação.

2) Tensionar e relaxar para eliminar o estresse
  • Inspire, tensionando o corpo completamente e fechando os punhos.  
  • Expulse fortemente o ar pela boca com uma expiração dupla, fazendo o som “ha haaa”, e ao mesmo tempo relaxe todo o corpo.
Repita este exercício 3 a 6 vezes.
Depois esqueça a respiração, deixando-a fluir para dentro ou para fora de modo natural e espontâneo, como na respiração normal.

3) Concentrar a atenção no olho espiritual  
Com as pálpebras meio fechadas (ou completamente fechadas, se for mais cômodo), dirija o olhar para cima, focalizando-o, junto com a atenção, num ponto no meio das sobrancelhas, como se olhasse para fora através desse ponto. (A pessoa que se concentra profundamente costuma franzir as sobrancelhas.) Não é para cruzar nem forçar os olhos; ao relaxar e se concentrar com serenidade, o olhar se volta naturalmente para cima.

Concentrar a atenção no olho espiritualO importante é fixar a atenção totalmente no ponto entre as sobrancelhas. É o centro da Consciência Crística, a sede do olho único mencionado por Cristo: “A candeia do corpo é o olho; de sorte que, se o teu olho for único, todo o teu corpo terá luz” (Mateus 6:22). 

Quando atinge o propósito da meditação, o devoto descobre que sua mente se concentra automaticamente no olho espiritual, sentindo – de acordo com sua capacidade espiritual interior – um estado de união divina e extática com o Espírito.
É preciso profunda concentração e tranquilidade para ver o olho espiritual: um halo dourado em volta de um círculo azul. No centro do círculo vibra uma estrela branca de cinco pontas. Quem vê o olho espiritual deve tentar penetrar através dele concentrando-se mais profundamente e orando a Deus com muita devoção. A profundidade da tranquilidade e da concentração necessárias para atingir o objetivo é desenvolvida naturalmente com a prática contínua das técnicas científicas de concentração e meditação da Self-Realization Fellowship [ensinadas nas Lições da Self-Realization Fellowship].
4) Orar profundamente a Deus na linguagem do coração
 Sri Daya Mata em meditação

Recording of Sri Daya Mata on the value of meditation Anchoring Your Life in God
(excerpt)  (2:54 min)
(Em inglês)

Mas vendo ou não a luz do olho espiritual, continue com a atenção no centro da Consciência Crística, isto é, no ponto entre as sobrancelhas, orando profundamente a Deus e aos Seus grandes santos. Invoque na linguagem do coração a presença Deles e as Suas bênçãos.
Uma prática recomendável é escolher uma afirmação ou prece das Lições daSelf-Realization Fellowship ou das obras de Paramahansa Yogananda, como Whispers from Eternity (“Sussurros da Eternidade”) e Meditações Metafísicas, espiritualizando-a com seu anseio, com sua devoção pessoal.
Cante e ore a Deus em silêncio, mantendo a atenção no ponto entre as sobrancelhas até perceber a resposta divina em forma de calma, profunda paz e alegria interior.

5) A prática diária facilita a execução das técnicas mais avançadas
Cada período de meditação deve durar pelo menos 30 minutos, de manhã e à noite. Quanto mais tempo você permanecer sentado, desfrutando do estado de calma meditativa, mais progredirá espiritualmente. Durante as atividades diárias mantenha a calma sentida na meditação; a serenidade o ajudará a manifestar felicidade e harmonia em todos os aspectos de sua vida.
 A prática diária destas instruções facilita a execução das técnicas mais avançadas de concentração e meditação apresentadas nas Lições da Self-Realization Fellowship. Estas técnicas científicas o capacitarão a mergulhar mais profundamente no vasto oceano da presença divina. Neste exato momento, nós todos existimos no oceano do Espírito; mas somente com a prática contínua e dedicada da meditação científica é que podemos perceber conscientemente nossa existência como ondas-almas individualizadas no imenso oceano da bem-aventurança de Deus.
Mais recursos para aprofundar a meditação.
gold lotus rule
Trecho dos escritos de Paramahansa Yogananda:  
"Como primeiro passo para entrar no reino de Deus, o devoto deve sentar-se imóvel na postura correta de meditação, com a coluna vertebral ereta; deve, então, retesar e relaxar o corpo – pois pelo relaxamento a consciência se liberta dos músculos.

"O iogue começa com a respiração profunda apropriada, inalando enquanto retesa o corpo e exalando enquanto relaxa, diversas vezes. A cada exalação, todo movimento e tensão muscular devem ser eliminados, até que se alcance o estado de quietude corporal.
Orar profundamente a Deus na linguagem do coração"Então, por meio de técnicas de concentração, a inquietude é removida da mente. Na perfeita tranquilidade física e mental o iogue desfruta a inefável paz da presença da alma.
"A vida habita o templo do corpo; a luz, o templo da mente; e a paz, o templo da alma. Quanto mais nos aprofundamos na alma, mais sentimos essa paz; esse é o estado de superconsciência.
"Quando pela meditação mais profunda o devoto expande tal percepção de paz e sente sua consciência difundindo-se com essa paz por todo o universo e sente todas as criaturas e toda a criação engolfadas por essa paz, então ele está entrando no estado de Consciência Cósmica. Ele sente essa paz em toda parte – nas flores, em cada ser humano, na atmosfera. Ele contempla a Terra e os mundos flutuando como borbulhas nesse oceano de paz."


Fonte: http://www.yogananda-srf.org

“McMindfulness”, meditação com marca registrada. | Padma Dorje - Buda Virtual

O que está por trás do uso insistente do termo “mindfulness” em termos de meditação, particularmente em modalidades seculares, e como ela se tornou um produto do supermercado espiritual.
“[A meditação budista] não é a que se ensina em hotéis 5 estrelas, aquela ioga ou meditação ‘mindfulness’ de fim de semana para executivos se sentirem bem, ficarem relaxados, só para então na segunda-feira continuarem tão truculentos como sempre foram, ainda mais gananciosos, e seguirem destruindo o mundo com ainda mais eficácia.” Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche,~1h09:20 ensinamento sobre OM MANI PADME HUNG na Austrália

A palavra mindfulness aplicada à meditação é um termo bastante ambíguo e confuso. A tradução fora do contexto de meditação para o português deste termo significa uma substantivação de “tomar cuidado”, algo como a expressão composta “o-fazer-cuidadosamente” – com atenção aos detalhes, sem cometer erros. A confusão quanto ao que seria a prática de meditação se amplifica nas traduções ao português (que vão cada vez mais ser raras, na medida que o termo estrangeiro é usado e penetra o léxico), a mais comum sendo “atenção plena”, que dá um sentido vago de uma atenção mística, que ao meditador iniciante, parece inatingível.
Há, no entanto, um sentido técnico no budismo que vem da tradução da palavra “sati” (em páli) (“smriti”, em sânscrito, “drenpa” em tibetano) – que é por sua vez uma tradução bastante contestada. Sati é um “fator mental” que precisa estar presente para a meditação acontecer. Isso significa basicamente lembrar o que se está fazendo, no caso, por exemplo, da mindfulness da respiração, ora, lembrar de prestar atenção à respiração. A prática concede que vamos esquecer, vamos nos distrair, e recolocar a mente no objeto, estar atento para quando se perde o foco, é a essência de sati.
No Abhidharma (uma vasta compilação de sistematizações dos ensinamentos do Buda nos Sutras, diálogos com alunos) são descritos 51 fatores mentais, alguns positivos, alguns negativos, outros neutros. Mindfulness é considerada um fator positivo, há outros 50 a estudar no contexto da prática budista de meditação.
Na tradição budista em língua inglesa o termo não é universalmente traduzido como “mindfulness”, há variações como “lembrar cuidadoso” (“recollecting mindfulness”), “lembrar” (“recollection”), “inspeção”, “presença”, “presença mental”, consciência secundária”, “consciência” (“awareness”), “atenção”, “atenção concentrada”, “autorrelembrar” e “retenção”.  As opções com “atenção” não parecem boas traduções, porque a atenção é outro fator mental, o que gera ambiguidade. As opções com variações de “lembrar” e “presença” são boas, a etimologia da palavra em páli tem a ver com memória nesse sentido não episódico, de memória de curtíssima duração, de “não perder o fio da meada”. “Consciência secundária” é uma tradução estranha, mas ajuda a entender que a mindfulness é uma espécie de qualidade “meta”  da atenção, uma meta-atenção, atenção sobre o próprio prestar/manter atenção. As melhores traduções parecem ser “inspeção contínua” ou “presença mental”. Em termos bastante laicos, é lembrar que você está se engajando numa atividade (no caso, em geral, uma prática de meditação, mas você pode ter essa qualidade em ações como escovar os dentes, e assim por diante, é claro), e não “sair da casinha”, não divagar. É estar atento ao processo de cair em distração, e recolocar a mente de forma dócil na posição intencionada. Tecnicamente, isto é não cair nos dois fatores mentais que concorrem com sati, no caso, torpor e agitação. Estes possuem duas variedades cada, uma grosseira e uma sutil. Enquanto o torpor grosseiro é sonolência, a agitação grosseira é ruminação, uma conversa interna ou imaginação produzindo incessantemente um fluxo semialeatório de conteúdos. As formas sutis são um “distanciamento” ou pequena perda de foco do objeto em atenção, ou, pelo contrário, uma intensidade ou fixação exagerada no foco.
De todo modo, o que ocorreu é que a palavra mindfulness penetrou alguma tradição budista que por acaso foi influente entre certos psicólogos. O caminho que presumo foi o seguinte: a tradição, como tantas outras, focava como sua prática centralanapanasati, mindfulness da respiração”, talvez a prática de meditação mais universal e comum no budismo; eles então, na entrada dessa tradição no uso do inglês, passaram a se referir a anapanasati (que de fato é um tipo de sati, oumindfulness) como mindfulness, simplesmente; a partir disso, dada a centralidade dessa prática, muitos outros elementos da tradição budista começaram a ser tratados no contexto dessa prática, com esse nome levemente transformado; a partir disso os cientistas começaram a estabelecer teorias, sem nenhuma preocupação com a) etimologia; b) a diversidade das tradições budistas, e outras formas de chamar as coisas.
Claro que o objetivo dos cientistas não era replicar a prática budista, mas sim desenvolver os próprios métodos. No entanto isso não precisava ocorrer com tão evidente e demonstrado desconhecimento da tradição em estudo, bem como com a produção ou proliferação desnecessária de confusão terminológica.
O fato é que hoje mindfulness acabou querendo dizer, basicamente, qualquer coisa. As palavras cruciais e mais gerais para meditação na tradição budista de forma geral são dhyana (absorção, meditação), samadhi (absorção, concentração unifocada),shamata (estabilidade contínua) e vipassana (meditação analítica). Todas elas possuem, como elemento presente entre tantos outros, sati (no caso smriti, já que as outras palavras eu forneci em sânscrito e não páli). Há na verdade uma equivocidade no próprio budismo em que a mesma palavra é usada para uma prática, e, no caso desati, um fator mental (o mesmo ocorre com shamata, no casoprincipalmente um resultado da meditação, mas a prática que leva ao resultado também é chamada por esse nome). A prática de mindfulness, em contraposição ao fator mental, é se assegurar através do hábito de que o fator mental esteja presente, o que é comum aos seis ou sete primeiros estágios de shamata (são dez).
Mas hoje, no mundo moderno, mindfulness acabou querendo dizer seis coisas: 1) prestar atenção, deliberadamente, em contraposição a simplesmente se distrair; 2) fazer as coisas devagar; 3) saborear bem as experiências sensoriais, tais como sons, gostos, etc.; 4) estar ciente das próprias emoções, mas se manter calmo, frio, desligado, desapegado; 5) como uma prática de cultivo da atenção tendo como objetivo jhanas, isto é absorções/estabilidades, isto é, shamata; 6) como uma consciência livre de preconceitos, vieses, julgamentos perante a experiência direta ou análise dos sentidos, isto é, vipassana.
A definição para mindfulness de um artigo de 2009 assinado por seis psicólogos é “o foco intencional, dócil e livre de julgamentos da atenção de alguém sobre as emoções, pensamentos e sensações ocorrendo no presente momento.” (Zgierska A, Rabago D, Chawla N, Kushner K, Koehler R, Marlatt A, “Mindfulness meditation for substance use disorders: a systematic review”.) A prática psicológica é universalmente apresentada como “derivada de práticas budistas”, embora seja difícil estabelecer o quanto de budismo existe nela, com a total desconsideração pela erudição quanto à tradição (mesmo ocidental e às vezes ocorrendo nas mesmas universidades). Normalmente estes psicólogos tem contato com alguns livros, fazem alguns workshops budistas de uma ou duas tradições, e informam seus artigos com base em evidente desconhecimento mais amplo ou geral da tradição, coisa que talvez poderia ser obtida com uma conversa com alguém do departamento de estudos asiáticos, ou mesmo línguas asiáticas.
Essa mcmindfulness da psicologiao “mc”referenciando a cadeia de fast food e sua padronização científica da experiência do consumidor, não é sati, da mesma forma que se diz para criança que “hambúrguer não alimenta”, embora encha a barriga. Alguns aspectos se confundem, o que pode ser mesmo um problema. Essa prática descrita com o nome de mindfulness não parece exatamente incompatível com o budismo, como um Big Mac não é incompatível com nosso estômago, mas parece haver algum motivo para ficar desconfiado da publicidade toda.
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Thai Ronald em Bangkok.
Obviamente há uma indústria em torno disso, e a relação com o budismo parece ainda, na mente pública em termos do marketing, ser bastante positiva. Mindfulness é um termo mais chamativo do que traduções de shamata: “meditação do tranquilo permanecer”, ou algo assim. Ajuda também que estas práticas são apresentadas num contexto secular: é terapia, você não precisa se filiar num clube religioso e usar roupas esquisitas. Você tem, aparentemente, a credibilidade dos dois mundos.
A incipiente relação do budismo com a ciência também confunde o público. Em alguns momentos o budismo é apresentado, ele mesmo, como uma ciência – na forma de um elogio. Por outro lado lemos quase todo dia sobre confirmações neurofisiológicas da meditação – como se uma tradição de 2600 anos precisasse que alguns raios-x superdesenvolvidos confirmassem as qualidades dos meditadores, evidentes para essas comunidades desde antes do próprio Buda. E, por outro lado, o efetivo ceticismo budista, que alguns afirmam ser bem maior do que o da própria ciência. Ora, ninguém nega que o diálogo é importante, e que a ciência tem muito a aprender com o budismo (o oposto podemos verificar), mas a questão é que a confluência da mentalidade cientificista do público com sua ânsia espiritual velada, mas muito presente, produz um belo produto no supermercado espiritual: a, bastante bastarda (pelos motivos apresentados acima), prática de mindfulness
Em certo sentido, esse ainda é o imperialismo cultural semelhante ao que vemos em outras práticas tradicionais, como a acupuntura – que já se visou regulamentar dentro das expectativas da medicina tradicional, usurpando um corpo de conhecimento dos verdadeiros dele para um grupo de técnicos ocidentais com favorecimento burocrático. Não creio que o mesmo venha a se dar com a mcmindfulness, já que a meditação ainda é um elemento muito mais fortemente cultural do que terapêutico, e a psicologia não tem tanta força política quanto a medicina na conjuntura atual. Porém, não custa examinar a aparentemente bem intencionada incursão de psicólogos pelas práticas budistas com certo ceticismo e cuidado, especialmente no que se refere ao que pode distorcer a terminologia budista, ou a visão da opinião pública quanto ao budismo.
Mas quais seriam, falando diretamente, as recomendações e objeções com relação a essa prática de mcmindfulness? Qual é o problema de haver uma prática de meditação secular, focada na saúde? Ou mesmo focada, digamos, no sucesso na carreira? (E aqui não diferencio a qualidade das diversas tentativas da psicologia: tudo que não é “comida feita pela vovó”, isto é, budismo tradicional, e usa o termo “mindfulness”, é, por definição, mcmindfulness.)
Sem dúvida, é preciso dizer, qualquer meditação (isto é, ficar sentado imóvel, com a coluna ereta, regularmente, por 5-15 min por dia), vai muito possivelmente melhorar sua saúde, sua qualidade de atenção, e assim tornar tudo que você faz mais fácil, mais efetivo e mais produtivo. Ora, qualquer atividade humana coerente requer atenção contínua, e se você treina em atenção contínua (nem que seja meramente quase que brincando de estátua, ficando imóvel), você refina a atenção e assim tudo melhora. Promulgar práticas assim, seja de que modo for, é meritório.
De fato, o tempo de meditação normalmente utilizado pelas práticas de mcmindfulness está no limiar de uma “dose homeopática”. E o efeito placebo de algo assim não pode jamais ser desprezado, uma vez que apenas imitar a pose do Buda carrega bênçãos incomensuráveis, e essa sem dúvida é a visão budista. Você gera interdependência direta com o Buda e sua sanidade extraordinária. Mas se você quer ser bem cético nessa análise, é só reconhecer isso como um placebo particularmente dotado de um elemento cultural extremamente potente, respeitado, e raramente tratado com cinismo (como muitas vezes são tratadas as outras práticas religiosas de outras religiões, e também as budistas).
Se o modismo da mindfulness fosse um pouco mais isento, mais preciso quanto a terminologia, ou menos vinculado ao budismo na publicidade, o problema sem dúvida seria menor.
Porém, para meditar, em todo caso, precisamos de um instrutor, particularmente se queremos praticar por mais tempo, ou se estamos com alguma ânsia de obter os resultados prometidos. Aprender meditação sozinho é muito raro: é preciso contato pessoal até na correção da postura. Há muitas armadilhas e formas de autoengano com relação à prática.
Nesse caso é duvidoso que pessoas que não fizeram vários milhares de horas de prática sejam capazes de instruir bem alguém na prática de meditação. Prática essa que não é livre de riscos: algumas condições podem piorar com a prática. Sem falar que há todo tipo de “experiências temporárias” e “doenças de meditador” que a tradição budista tão detalhadamente descreve, e que só alguém que conhece pessoalmente os problemas, ou conviveu com grupos grandes de meditadores, onde todo tipo de coisa se passa, pode ter desenvolvido a capacidade de curar. Estamos falando de 2600 anos de tradição com milhares de pessoas que fizeram 20 ou até 50 anos de retiro, meditando pelo menos de 10 a 14 horas por dia todo esse tempo. E se você quer um professor de meditação, você deve procurar o que tem as melhores qualificações, e isso geralmente inclui, tradicionalmente (no budismo tibetano, pelo menos, outras formas de budismo são igualmente ou mais exigentes) no mínimo, um retiro de 3 anos.
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Sogyal Rinpoche, Suzuki Roshi e Ajahn Chah meditando.
Claro, se a sua intenção é alguma higiene mental, fazer 5 ou 10 minutos por dia muito provavelmente não trarão problema algum. Mas mesmo nesse caso, embora você possa receber, sem maiores problemas ou tendências a surtos psicóticos, instruções de alguém que fez algumas workshops e tem alguns diplomas, em todo caso seria melhor procurar alguém que domina realmente o assunto. As credenciais em todo caso podem ser enganosas, e até anos de retiro não garantem necessariamente nada, mas a qualidade de meditação de um mestre é bastante evidente – até pela postura. Uma vez que se aprende certas coisas errado, ou se cria um hábito equivocado dentro da prática de meditação, isso torna a prática no seu sentido mais amplo bem mais difícil do que “chegar do zero”. E esse é um risco bem grande.
E é muito equivocada a ideia de que os centros budistas, na sua maioria, tenham uma mentalidade proselitista, e que exijam de você algum tipo de conversão. A maior parte deles lida com “interessados” o tempo todo, e trata muito bem a mentalidade secular. Lembre-se, você pode não acreditar em renascimento, mas os budistas tem paciência, se você não tomar refúgio nessa vida, fica um hábito mental e eventualmente você pratica (o caminho todo). Em termos de não julgar, quem fez mais meditação geralmente é melhor. Pessoalmente não conheço nenhum psicólogo que ensine mindfulness, no mundo inteiro, que tenha mais que uma qualificação superficial em meditação. Se algum fez um retiro de três anos, por favor, me indique o nome. Sem dúvida nenhum fez 20 anos, e aqui na provincial Porto Alegre mesmo, por quase toda a década de 90, havia um professor de Zen, japonês, que tinha essa qualificação. E você podia meditar de graça com ele várias vezes por semana, era só aparecer. (As contribuições para prática de meditação são livres, normalmente a participação em eventos no budismo, no ocidente, é cobrada, mas não as práticas diárias).
Além disso, no budismo sempre se soube que para certas condições de “perturbações dos ventos internos”, isto é, coisas como mania ou depressão, a meditação é contraproducente, isto é, pode aumentar o problema. Recentemente o The Guardian publicou notícia relatando que a mindfulness da psicologia começa só agora a reconhecer isso. A meditação não é uma prática feita por todos os budistas. Algumas vezes o foco em outras práticas é mais indicado. Particularmente, o treinamento em moralidade, onde se faz votos de, por exemplo, não falar rudemente ou inutilmente por algumas horas ou dias, parece benévolo para a saúde mental. A prática essencial de saúde no budismo é sila, isto é, disciplina ética, moralidade. A ação desvirtuosa (mentir para se autoengrandecer, por exemplo) é não só sintoma, mas também parte da causa dos problemas. Se a pessoa, mesmo artificialmente, cria um hábito de evitar certos impactos no mundo, sua saúde naturalmente melhora. Evidentemente, a meditação ajuda nisso (e isso ajuda na meditação) – mas a meditação não é necessariamente o foco ou o único remédio budista.
Mas todas essas recomendações são para você que mantém certo obstáculo secularista e que não quer tomar refúgio, se “tornar budista”. É óbvio que a meditação e outras práticas budistas não estão aí para produzir saúde, bem-estar ou sucesso – embora essas coisas sejam quase como “efeitos colaterais” inevitáveis.
Não, para aqueles que entendem algo dos ensinamentos budistas, a liberação completa do insatisfação básica de todos os seres através do reconhecimento da natureza da mente é o objetivo. Isto é, não é viver bem, ou melhor – mas obter as mesmas qualidades de um Buda, que é alguém que vê a realidade como ela é.
Na medida em que essas práticas seculares visam objetivos mais pontuais, elas se tornam produtos mais viáveis “no mundo capitalista”, e assim começa a existir uma corrosão da própria terminologia que o Buda usou, e que está funcionando tão direitinho há tanto tempo, com tanto mérito. Isso é um tanto infeliz.
Fonte: http://www.budavirtual.com.br/mcmindfulness-meditacao-com-marca-registrada/

sexta-feira, 9 de março de 2018

Dança, identidade e guerra - Por Amyra El Khalili

"Eu só poderia acreditar num Deus que soubesse dançar!" F. Nietzsche

A Raks el Chark [1] foi popularmente denominada no Brasil como "dança do ventre" por consequência dos movimentos de dobradura da moeda no abdômen, imagem que impressionou os latino-americanos e os americanos. Em inglês, “belly dance” (dança do ventre), e, pelos franceses, com muito mais distinção, como bela dança (belle danse) [2]. A "dança do leste", ou "dança oriental", tradução do árabe para o português, desenvolveu-se no Brasil muito diferente das autênticas técnicas orientais, misturando samba, bolero, ballet e até lambada, sem a necessária base técnica. Algumas dançarinas, mal-orientadas, chegam a confundir músicas folclóricas e religiosas com músicas de dança. Para os eufóricos leigos, tudo é lindo!
Levam-se em média quinze anos para formar uma dançarina profissional no Oriente Médio. É um dança milenar, registrada em torno de 5.000 a.C., desde o reino da antiga Mesopotâmia. Tem cerca de 3.000 movimentos possíveis de serem executados pelo corpo feminino. Sua base histórica tem origem nas danças beduínas em rituais de homenagem aos ecossistemas habitados pelos povos nômades. Essa história começa por volta de 11.000 a.C., em Jericó-Palestina, quando as beduínas passaram a desenvolver o cultivo agropastoril.
Elas [3] observavam com atenção os répteis jacarés e crocodilos, pois, sempre que subiam em cardumes o rio Jordão (e, noutras regiões, o Nilo, o Tigre e o Eufrates), traziam as chuvas que, por sua vez, deixavam húmus nas margens dos rios. Observando que nestas margens crescia o trigo, passaram a manejá-lo, plantando sementes em outras áreas, juntando o húmus como adubo.
Foi assim que as beduínas, com seus companheiros, começaram a desenvolver a agricultura. Estes répteis passaram a ser considerados deuses, uma vez que traziam a mensagem de quando poderiam realizar o manejo do trigo em função das cheias dos rios. Neste período, também desenvolveram a armazenagem do cereal por longos períodos de seca; posteriormente, o Ocidente veio a adotar este sistema. Os graneleiros, hoje também conhecidos como silos, representaram a solução com a preocupação conceituada como "segurança alimentar".
A fertilidade de Gaya - Mãe Terra
Seriam os sete anos de vacas gordas e magras uma preocupação dos nossos ancestrais com a segurança alimentar?
As beduínas podiam, a partir da armazenagem do trigo proporcionada pelo período de semeadura e colheita, realizar o planejamento familiar. Assim sendo, neste período optavam pela gravidez, pois havia a garantia de alimento necessário pelos cinco primeiros anos de vida de suas crianças. Esta decisão, a de ter filhos, de ordem exclusivamente feminina, era compartilhada pelo companheiro em todo ritual de semeadura, plantio e colheita. O planejamento familiar estava intimamente ligado aos ciclos hidrológicos. Água, um bem sagrado que fertiliza a terra e permite que as mulheres decidam sobre sua fertilidade, dando-lhes a opção de terem quantos filhos a terra pudesse alimentar. Água, o sêmen de Allah!
As beduínas, agradecidas, dançavam à beira dos rios de águas doces enquanto realizavam a semeadura e colheita do trigo e cantavam para os deuses. A prosperidade da tribo era determinada pelos ciclos hidrológicos, bem como o equilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos. O que ocorreu desde então com a humanidade?
As mulheres perderam a sua relação íntima com os ciclos hidrológicos e, consequentemente, entre tantos outros fatores (guerras, doenças, empoderamento), aconteceu o inevitável: desequilíbrio entre riquezas naturais e seres humanos. Hoje, recursos naturais de menos e gente demais.
As danças beduínas aplicadas na oficina "Dança pela água em missão de PAZ" objetivam resgatar a memória ancestral que todas as mulheres possuem das suas relações com o ciclo hidrológico e menstrual por meio dos movimentos executados pelas beduínas quando agradeciam aos deuses pelo presente que lhes traziam de bons ventos, boas águas e boas colheitas.
Estas mulheres construíram mundos riquíssimos como o dos faraós, a matemática, a agricultura, a astrologia, a medicina, o mercado, enfim, os valores culturais, políticos e sociais que são os pilares do Ocidente, ao lado dos seus companheiros, peregrinando pelo mundo árabe, na África, no Leste Europeu e na Ásia.
A verdadeira essência desta dança também navega por outros mares. É, especialmente, para a mulher madura, aquela que viveu todas as alegrias e frustrações do amor, transformando suas experiências de vida afetiva em movimentos. Movimentos somente possíveis com a explosão de sentimentos honestos e sinceros. Sentimentos plenamente cantados e visíveis aos olhos do povo de nossa origem: o árabe.
São necessários muitos anos de audição para captar as constantes alterações rítmicas das músicas orientais, apurado senso do significado do que se está dançando e uma boa dose de conhecimento do que representam os sofrimentos das guerras e os preconceitos na vida do povo árabe [4].
Essencialmente femininas, essas danças podem ser acompanhadas por homens, com movimentos masculinos, destacando-se o tórax, os ombros e os braços. A dançarina deve ser soberana, elegante, manter postura antes, durante e depois da apresentação. Ter simpatia, charme e, principalmente, muita humildade.
Quanto mais experiente a dançarina, mais sucesso faz. A cultura árabe respeita a mulher madura, a exalta e admira. Não discrimina a mulher de idade. Tem preferência pela mais cheinha, do tipo gostosa, matreira e vaidosa. Em casas noturnas, restaurantes e festas árabes é muito comum homens convidarem as mulheres para dançar. É o desafio do homem em provocar a sensualidade da mulher. Um jeito árabe de flerte (paquera), uma vez que os costumes e valores morais da cultura são extremamente rígidos.
O povo árabe é totalmente contra os padrões estéticos do Ocidente, que impõe à mulher ser jovem e magra, tornando a maioria delas infelizes. Isto sim é submissão! Os valores espirituais da cultura abominam a vulgaridade, considerando-a ofensiva. Enaltecem a auto-estima feminina. Exaltam a virilidade masculina com suas músicas e danças de muita sensualidade.
No Brasil, em 1979, as danças étnicas árabes foram introduzidas pela mestra palestina Shahrazad Shahid Sharkid, que então iniciava um trabalho único no mundo, pela Raks el Chark. A meta de seu trabalho era a pesquisa e o estudo minucioso do corpo feminino pelo registro das mutações ocorridas a partir da aplicação de exercícios de sua criação. Há também, no trabalho de Shahrazad, enorme preocupação com a formação de crianças e adolescentes para a dança do ventre, procurando não confundir o trabalho corporal adulto com o infantil, ao respeitar seus espaços e suas mentes, tendo o cuidado de aplicar cronologicamente exercícios de fisioterapia para não provocar o universo infantil com o estímulo prematuro para a vida sexual.
Estas mutações são parte do cuidadoso trabalho de anatomia da mestra artesã, uma escultora de corpos, sempre com a preocupação de estabelecer limites ao corpo, o que não acontece com algumas danças ocidentais, quando, para alcançar a desenvoltura exigida, é necessário provocar contusões, quebrar ossos, forçar tendões, tensionar músculos além do suportável, o que torna cartesiano (reto, linear, quadrado) o corpo feminino, colocando-o em uma moldura onde todas ficam iguais.
Toda dança tem, evidentemente, um cunho sagrado, apesar de o Ocidente se apropriar indevidamente da técnica e da história para vender sexo, impor padrões estéticos e para a exploração do corpo da mulher e infantil, profanando os arquétipos religiosos. O homem sempre desejou aquilo que era de Deus e tenta adquirir, pelo manto da "commoditização erotizada", valores que não lhe pertencem.
Danças folclóricas e de raízes
As "danças folclóricas e de raízes" possuem um poder indiscutível de aglutinação, pois se constituem na manifestação do comportamento cultural, histórico e social dos indivíduos. Refletem em sua construção coreográfica a soberania, o direito a  viver dignamente, a cultura e hábitos dos povos das mais diferentes etnias, cores e credos, além de contribuir diretamente, pelo prazer que proporcionam, para a integração e educação de crianças e adolescentes. Estas danças resgatam e elevam a auto-estima.
Portanto, devemos ter muito respeito por estas manifestações, que, por sua importância de trabalho em grupo, são verdadeiros alicerces para o desenvolvimento social. São instrumentos necessários para a formação do caráter cultural e intelectual, além de apurar o senso crítico pela  observação e audição como formas de sensibilização.
No artigo do semanário Al-Ahram, o coreógrafo Omar Barghouti discute o significado da cultura e educação na preservação da identidade nacional e o espírito humano ao mesmo tempo.  A criatividade e o aprendizado são vitais ao projeto de sobrevivência, argumenta Barghouti, descrevendo como, mesmo sob o cessar fogo, o povo da sua vizinhança de Ramallah precisa de livros, música e jogos. Mesmo nos campos de refugiados, os pais, cujas vidas e posses foram dizimadas, estão preocupados em restaurar as escolas para seus filhos. Mesmo com esta cidade ocupada e destruída, Omar Barghouti mantém sua atuação na dança.
Barghouti põe esses valores num contexto histórico. Os palestinos, forçados a fugir de suas casas em 1948, são assombrados por seu fracasso em resistir, ele diz.  Ele explica que esse fracasso é atribuído à "consciência limitada" do tempo, a qual, nesse contexto, entende-se como uma combinação de ignorância, analfabetismo, falta de aptidões essenciais, como também falta de um sentido claro de identidade. Portanto, cultivar uma tradição de educação e a prática da cultura são a chave para a sobrevivência dos palestinos como um povo: "os palestinos não podem se dar ao luxo de não fazer parte da reabilitação cultural na sua batalha ampla de reconstrução e luta pela emancipação," ele escreve. Neste ensaio comovente, Barghouti nos supre com a imagem da dança como um símbolo da sobrevivência e renovação palestina.
Nossa história sobre as danças étnicas árabes é muito mais longa, mas deixo esta contribuição para a reflexão e conto com todos para acompanharem este resgate da memória ancestral em busca da equidade social, dos valores comunitários e coletivos e da determinação de se construir uma economia justa e equilibrada como foi a dos nossos antepassados, quando a felicidade era pautada por uma "segurança alimentar" ordenada e coordenada pelas forças da natureza, com seus ciclos hidrológicos, ao cultuar a sensualidade como uma dádiva de Deus e exorcizar o erótico profanador e degradador da natureza humana.
Num tempo em que o ser humano fazia parte do ambiente e não o partia ao meio!
[1] Raks = dança Charq = leste, oriente. Charqi = oriental , portanto, Raqsa Ach-Charq (ou Ash-Sharq) é Dança do Oriente, Dança do Leste; Raqsa Charqyi = Dança Oriental. Raqsa Ash-Sharq é a pronuncia correta sendo Raqsa Al Sharq, para os egípcios e Raqsa Charkyi para os libaneses. Agradecimentos a Carlos Tebecherani Haddad, professor e pesquisador do idioma árabe da Universidade Católica de Santos (SP).
[2] Belle Danse em francês = bela dança e Belly Dance em inglês = dança do ventre.
[3] São consideradas semitas todas as tribos beduínas, incluindo-se a etnia hebraica, cuja religião é o judaísmo. Com a migração destas tribos nômades entre outras que se miscigenaram, originam-se os ciganos do Ocidente; com a perseguição dos hebreus no Oriente Médio, advém a expressão "judeu errante", ou seja, refere-se aos judeus que partem em busca de uma terra, uma nação. (Lactho Drom ¿ Michele Ray-Gravas. La Musique des tsiganes du monde de l¿Inde a l ¿Espagne).
[4] O histórico das tribos beduínas está registrado na cultura oral. Encontram-se narrativas em suas músicas, nas danças, nos contos que passam de pais para filhos, nos livros sagrados como O Alcorão, nas escrituras Baha¿i, na Bíblia, no Talmut etc.; encontram-se também nos poemas de Rumi, Gibran Kalil Gibran, entre outros poetas árabes e persas. Os cantos beduínos enaltecem o meio ambiente e a mulher; relatam o amor do povo nômade pelos ecossistemas desérticos e suas paixões. A cantora egípcia Om Kalthoun expressou com toda essência de sua belíssima voz a história desses povos que encantam o mundo por sua passividade, benevolência e profunda sabedoria milenar. Om Kalthoun morreu cultuada como a "Mãe do Egito". Uma feminista amada e respeitada. Jamais conseguiram fazer-lhe calar a voz!