domingo, 2 de setembro de 2012

Ecoeconomia: Decrescimento ou barbárie!

Com outras palavras, mesmo distribuído, o consumo é demasiado alto para um único Planeta dar conta. Com isso estamos querendo chamar a atenção para o fato de que há um imperativo de mexer realmente na lógica econômica vigente. Sem isso não há saída. É nesse sentido que, novamente, apontam vários dos entrevistados pela Revista. Latouche prossegue propondo o que ele chama de “decrescimento”, o que não é “crescimento negativo”. O termo esconde uma realidade muito mais complexa do que o termo possa, à primeira vista, oferecer.

“O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos”, insiste Latouche. E prossegue: “O decrescimento só é viável numa ‘sociedade de decrescimento’, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie!”. A sociedade de decrescimento não se confunde com o capitalismo reformado ou esverdeado. “Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento sustentável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. 

As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor”, cutuca Latouche.

Segundo Dowbor, “temos uma economia que é destrutiva em termos ambientais e é injusta em termos sociais”. Na mesma direção vai Henrique Cortez: “Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia. E não faremos esta revisão sem uma clara compreensão de nossa responsabilidade em termos de cidadania planetária”. E finaliza dizendo que está em questão “o que realmente deve ser entendido como desenvolvimento, como deve ser medido e incentivado”.

Segundo Paulo Durval Branco, a economia ecológica se apresenta como alternativa “porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de um sistema maior, que é a biosfera”.

Assim, uma possível leitura desse rico material consiste em perceber que a questão de fundo é a busca de um modo alternativo de economia, capaz de integrar os limites da natureza e a lógica social do consumismo. E isso porque até o chamado “consumo ético” deve ser problematizado, como sugere Henrique Cortez.

De forma enfática e até inusitada, Cortez afirma que “o que hoje se convenciona chamar de consumo ético deve ser encarado como conservador em relação à manutenção do modelo consumista. Assim posso consumir irrestritamente, porque me justifico através do consumo ético. É uma forma de ‘indulgência’ ao ‘pecado’ do consumo. O consumo ético só será transformador se ele questionar o modelo consumista, assumindo sua dimensão coletiva e política em relação ao modelo econômico, às formas de produção e ao sistema político de sustentação. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia”.

Cortez chama a atenção para uma nova compreensão do ato de consumo, de modo geral sempre mais relacionado à liberdade pessoal e menos referenciado econômica e politicamente. “Comumente, associamos o consumo ético a um ato individual de consciência, uma opção pessoal, mas ele também deve ser considerado em suas dimensões econômicas e políticas”. 

 Em outro momento da entrevista , Cortez reforça essa ideia: “O consumo é um ato político e econômico e, neste sentido, deve ser ético, responsável e sustentável. O consumo só é ético se for sustentável e isto só ocorrerá com uma gigantesca redução do consumo global”.

Paralelamente à emergência da problemática ambiental, foi se cristalizando também a ideia da reciclagem, como forma de remediar os impactos ambientais. Produz-se, consome-se, mas se recicla. Dessa maneira, não se questiona ou mesmo se interrompe a lógica subjacente, que é o que Cortez tenta fazer. Por isso, Latouche dirá que o “melhor lixo é aquele não produzido”.

Pelo acento posto no consumidor, joga-se toda a responsabilidade pelo consumo sobre este e não se questiona o resto. Atribui-se, ideologicamente ou não, a responsabilidade ao consumo e não à produção e à lógica produtiva subjacente.

Para iluminar este aspecto vale recuperar uma reflexão feita por Robert Tomás, professor de Economia Aplicada da Universidade Autônoma de Barcelona e reproduzida no Boletim CEPAT Informa n. 101, de setembro de 2003, p. 5-7. Em artigo intitulado ‘A cultura do desperdício’, o professor adianta que o problema do desperdício em se apresenta sob as vertentes econômica e ecológica. Mas o mais relevante da sua reflexão, no âmbito desta análise, consiste na falácia de que o problema ecológico seria solucionado pela eficiência técnica e pela ênfase na conduta responsável do consumidor.

Sobre a ênfase na conduta do consumidor, escreve: “Supõe-se que é preciso procurar que os consumidores estejam conscientes da irracionalidade de seu modo de vida e adotem uma conduta presidida pela austeridade, pela eficiência e pela consciência cívica e ecológica. Assim, é preciso convencer os cidadãos” para que reorientem seu consumo (…) “Da pressão do consumidor se há de derivar que as empresas compitam entre si para oferecer os melhores produtos do ponto de vista da eficiência energética e do impacto ambiental. Assim, de forma paulatina, se irá eliminando o esbanjamento e a sociedade se fará mais racional, austera e eficiente”.

Mas, o verdadeiro problema deste tipo de argumentação, alerta Robert Tomás, está na “assunção ilusória da capacidade do consumidor para determinar as decisões produtivas das empresas. Basta fixar-se nos poderosos condicionantes a que está submetido o consumo para dar-se conta do irreal desta proposta. É preciso dar um passo a mais e examinar o significado do consumo no contexto das pautas culturais de nossa modernidade”.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

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