Com outras palavras, mesmo distribuído, o consumo é demasiado alto
para um único Planeta dar conta. Com isso estamos querendo chamar a
atenção para o fato de que há um imperativo de mexer realmente na lógica
econômica vigente. Sem isso não há saída. É nesse sentido que,
novamente, apontam vários dos entrevistados pela Revista. Latouche
prossegue propondo o que ele chama de “decrescimento”, o que não é
“crescimento negativo”. O termo esconde uma realidade muito mais
complexa do que o termo possa, à primeira vista, oferecer.
“O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente
do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos”, insiste
Latouche. E prossegue: “O decrescimento só é viável numa ‘sociedade de
decrescimento’, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra
lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou
barbárie!”. A sociedade de decrescimento não se confunde com o
capitalismo reformado ou esverdeado. “Uma economia capitalista ainda
poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um
desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a
parte de verdade dos defensores do desenvolvimento sustentável, do
crescimento verde e do capitalismo do imaterial.
As empresas (pelo menos
algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios
aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as
guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre
mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor”, cutuca
Latouche.
Segundo Dowbor, “temos uma economia que é destrutiva em termos
ambientais e é injusta em termos sociais”. Na mesma direção vai Henrique
Cortez: “Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um
novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro
minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos,
fundamentos e modelo da economia. E não faremos esta revisão sem uma
clara compreensão de nossa responsabilidade em termos de cidadania
planetária”. E finaliza dizendo que está em questão “o que realmente
deve ser entendido como desenvolvimento, como deve ser medido e
incentivado”.
Segundo Paulo Durval Branco, a economia ecológica se apresenta como
alternativa “porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a
impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo
econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de
um sistema maior, que é a biosfera”.
Assim, uma possível leitura desse rico material consiste em perceber
que a questão de fundo é a busca de um modo alternativo de economia,
capaz de integrar os limites da natureza e a lógica social do
consumismo. E isso porque até o chamado “consumo ético” deve ser
problematizado, como sugere Henrique Cortez.
De forma enfática e até inusitada, Cortez afirma que “o que hoje se
convenciona chamar de consumo ético deve ser encarado como conservador
em relação à manutenção do modelo consumista. Assim posso consumir
irrestritamente, porque me justifico através do consumo ético. É uma
forma de ‘indulgência’ ao ‘pecado’ do consumo. O consumo ético só será
transformador se ele questionar o modelo consumista, assumindo sua
dimensão coletiva e política em relação ao modelo econômico, às formas
de produção e ao sistema político de sustentação. É necessário
questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia”.
Cortez chama a atenção para uma nova compreensão do ato de consumo,
de modo geral sempre mais relacionado à liberdade pessoal e menos
referenciado econômica e politicamente. “Comumente, associamos o consumo
ético a um ato individual de consciência, uma opção pessoal, mas ele
também deve ser considerado em suas dimensões econômicas e políticas”.
Em outro momento da entrevista , Cortez reforça essa ideia: “O consumo é
um ato político e econômico e, neste sentido, deve ser ético,
responsável e sustentável. O consumo só é ético se for sustentável e
isto só ocorrerá com uma gigantesca redução do consumo global”.
Paralelamente à emergência da problemática ambiental, foi se
cristalizando também a ideia da reciclagem, como forma de remediar os
impactos ambientais. Produz-se, consome-se, mas se recicla. Dessa
maneira, não se questiona ou mesmo se interrompe a lógica subjacente,
que é o que Cortez tenta fazer. Por isso, Latouche dirá que o “melhor
lixo é aquele não produzido”.
Pelo acento posto no consumidor, joga-se toda a responsabilidade pelo
consumo sobre este e não se questiona o resto. Atribui-se,
ideologicamente ou não, a responsabilidade ao consumo e não à produção e
à lógica produtiva subjacente.
Para iluminar este aspecto vale recuperar uma reflexão feita por
Robert Tomás, professor de Economia Aplicada da Universidade Autônoma de
Barcelona e reproduzida no Boletim CEPAT Informa n. 101, de setembro de
2003, p. 5-7. Em artigo intitulado ‘A cultura do desperdício’, o
professor adianta que o problema do desperdício em se apresenta sob as
vertentes econômica e ecológica. Mas o mais relevante da sua reflexão,
no âmbito desta análise, consiste na falácia de que o problema ecológico
seria solucionado pela eficiência técnica e pela ênfase na conduta
responsável do consumidor.
Sobre a ênfase na conduta do consumidor, escreve: “Supõe-se que é
preciso procurar que os consumidores estejam conscientes da
irracionalidade de seu modo de vida e adotem uma conduta presidida pela
austeridade, pela eficiência e pela consciência cívica e ecológica.
Assim, é preciso convencer os cidadãos” para que reorientem seu consumo
(…) “Da pressão do consumidor se há de derivar que as empresas compitam
entre si para oferecer os melhores produtos do ponto de vista da
eficiência energética e do impacto ambiental. Assim, de forma paulatina,
se irá eliminando o esbanjamento e a sociedade se fará mais racional,
austera e eficiente”.
Mas, o verdadeiro problema deste tipo de argumentação, alerta Robert
Tomás, está na “assunção ilusória da capacidade do consumidor para
determinar as decisões produtivas das empresas. Basta fixar-se nos
poderosos condicionantes a que está submetido o consumo para dar-se
conta do irreal desta proposta. É preciso dar um passo a mais e examinar
o significado do consumo no contexto das pautas culturais de nossa
modernidade”.
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias
do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em
fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
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