Independente do fato histórico que deu origem à
data, é certo que a idéia de definir um dia para dar ampla visibilidade
às lutas das mulheres em todo o mundo por melhores condições de vida já
possui mais de um século. E também é certo que a luta e resistência das
mulheres contra todo tipo de opressão remonta a outros tantos séculos
atrás. Nos recordarmos da resistência das mulheres negras submetidas à
escravidão no Brasil; nos recordamos de todas as parteiras, bezendeiras e
curandeiras perseguidas em razão de seus conhecimentos tradicionais
sobre a arte de curar.
Hoje, 35 anos depois da oficialização da data, décadas após as primeiras greves realizadas por mulheres trabalhadoras e passados séculos das lutas contra a perseguição e a escravidão, o preconceito, a discriminação, a exclusão e a violência contra as mulheres ainda é uma marca das mais diversas sociedades, com distintos níveis de desenvolvimento econômico e social e de diferentes matrizes culturais. Por isso, este é sim um dia de celebrar, de lembrar do quanto já conquistamos e o quanto avançamos. Porém, este é também um dia para refletirmos sobre os desafios que ainda permanecem, e se colocam frente a nós todos os dias.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres já são pouco mais de 50% da população, são em média, mais escolarizadas que os homens e representam cerca de 49% da População Economicamente Ativa. São chefes de família e ocupam cargos de poder e decisão. Contudo, seguem recebendo remunerações inferiores daquelas recebidas pelos trabalhadores do sexo masculino, continuam sendo discriminadas no ambiente de trabalho e nas mais diferentes esferas da vida social e são constantemente vítimas de violência doméstica e de violência sexual. Sofrem sérios agravos a sua saúde e qualidade de vida em razão da forte pressão causada pela necessidade de compatibilizar seu ingresso no mercado de trabalho e as atividades de cuidado - tão importantes para que a sociedade continue existindo e que deveriam ser objeto de políticas públicas. Realizam uma série de atividades que se mantêm invisíveis e desvalorizadas: cuidam da casa e das crianças, na qualidade de donas-de-casa, mães, professoras primárias, trabalhadoras domésticas; cuidam dos idosos e doentes na qualidade de filhas, cuidadoras, enfermeiras. Garantem, com todo esse trabalho invisível, que a força de trabalho se reproduza, que o PIB cresça, que a vida se perpetue.
Todos estes desafios se tornam ainda mais profundos quando pensamos em mulheres de diferentes raças e etnias. O que aparentemente pode ser o óbvio em termos de direitos para uma parcela da população feminina brasileira, ainda é algo de difícil acesso para mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres ciganas. Atualmente temos um dos mais respeitados sistemas de estatísticas nacionais da América Latina, mas não sabemos quantas mulheres ciganas existem no Brasil. Pouco sabemos sobre suas necessidades em termos de educação e formação profissional; posse de documentos básicos de identificação; acesso à saúde. Vemos, sistematicamente, a divulgação de imagens estereótipadas de mulheres ciganas, ora excessivamente sexualizadas, ora associadas a pessoas manipuladoras e pouco confiáveis. Os dicionários de língua portuguesa de maior circulação no Brasil continuam divulgando definições pejorativas no verbete cigano que incluem: aquele que tem vida incerta e errante; pessoa que faz negócio para burlar; pessoa que tem arte e graça para captar as vontades. Um dos mais respeitados pesquisadores sobre a realidade dos povos ciganos no Brasil, o antropólogo Frans Moonen, em estudo realizado em 1993 em uma comunidade cigana no estado da Paraíba, aponta a grave suspeita de ocorrência de esterelização de mulheres ciganas sem o devido consentimento.Todos estes fatos demonstram que a discriminação contra as mulheres se entrelaça com as práticas de racismo, alimentando e aprofundando as desigualdades.
Nesse 8 de Março - Dia Internacional da Mulher fazemos um convite à reflexão. Somos mulheres, somos muitas e somos diversas. Somos de diferentes raças e etnias, de diferentes idades e classes sociais. Como afirma a filósofa Hannah Arendt, "a essência dos direitos humanos é o direito de ter direitos". E para que isso seja uma realidade é preciso ter olhos para esta diversidade, é preciso que ela seja visibilizada. Só assim as leis e as política públicas poderão ter efeito concreto e real na vida de todas as mulheres.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário